sábado, 4 de abril de 2009

No Brasil seria diferente

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por Wálter Fanganiello Maierovitch

Não há necessidade de esfera de cristal para adivinhar que o ditador sudanês, Omar Hassan Ahmad el-Bashir, jamais sofreria ameaça à sua liberdade de locomoção, caso a Justiça brasileira tivesse competência para reexaminar, em sede de habeas corpus, a decisão do Tribunal Penal Internacional (TPI) impositiva da sua prisão preventiva. A decisão é de 4 de março.

No Brasil, Bashir obteria salvo-conduto, com aplauso do governo da China, consumidor do petróleo extraído dos poços sudaneses de Abo Jabra e Heglil. Como fez a Rússia, o governo chinês solidarizou-se com Bashir, enquanto a França, o Reino Unido e os EUA posicionaram-se pelo cumprimento do mandado de prisão, embora o último não aceite a jurisdição do TPI. É acusado no TPI de coautoria em crimes de guerra e contra a humanidade, consumados em Darfur. Ele se livrou da imputação de genocídio.

O conflito em Darfur teve início em 2003, onde dois movimentos autonomistas (SLM e JEM) são ferozmente atacados pelas milícias árabes Janjaweed, a serviço de Bashir. A ONU contabilizou 300 mil mortes e 2,5 milhões de refugiados. As acusações e o pedido de prisão cautelar são da lavra do argentino Luis Moreno Ocampo, procurador-chefe do tribunal, que levou mais de um mês para decretar a prisão.

O Sudão foi um condomínio anglo-egípcio até a independência, em janeiro de 1956. Bashir chegou ao poder por meio de golpe militar, em junho de 1989. Em 1993, o rotulou de regime civil. A partir de 2005, com a nova constituição, passou a considerá-lo um governo republicano, com dois vice-presidentes.

No início da semana, Bashir desembarcou pomposamente no Catar, para participar da Cúpula de Países Árabes e da América do Sul, em Doha. Na primeira entrevista, falou sobre reformular o Conselho de Segurança da ONU, “por não ser democrático e as suas injustas deliberações fomentarem o terrorismo”. Esqueceu-se de um detalhe: as investigações relativas à tragédia de Darfur foram realizadas a pedido do Conselho.

O constrangimento pela presença de Bashir acompanhou os dois dias do summit. O secretário-geral da ONU evitou falar da prisão, mas cobrou com veemência a volta das organizações humanitárias expulsas por Bashir, uma represália à decisão do TPI. Todos os governantes árabes presentes o defenderam. Os mesmos governantes que não moveram uma palha em favor do árabe Saddam Hussein, perseguido por Bush e julgado sem ampla defesa.

Um tema da chamada pauta árabe, a questão palestina, colocou os participantes em clara contradição. Pediram a aplicação de sanções estabelecida no direito internacional pelos massacres israelenses em Gaza e, ao mesmo tempo, desconsideraram referido direito internacional no caso da prisão cautelar de Bashir expedida pelo TPI.

Bashir voltou para casa com uma moção de solidariedade. A própria Liga Árabe já apontou uma saída para ele, depois de solicitar a suspensão do mandado de prisão junto ao Conselho de Segurança. A solução seria o Sudão comunicar ao TPI a sua opção pela cláusula opting out, segundo a qual os Estados membros podem suspender a jurisdição do TPI por até sete anos. No fundo, um congelamento a ensejar necessária revisão da decisão depois desse longo período.

No último dia da cúpula, dedicado à América do Sul, Lula teve de sentar ao lado de Bashir. Permaneceu calado e saiu à francesa antes das fotografias. No particular, Lula nem teve a chance de deixar, por cortesia, o cartão do advogado Márcio Thomaz Bastos, “recomendado” à Camargo Corrêa, em face da Operação Castelo de Areia, da Polícia Federal.

No Brasil, vale o princípio da presunção de não culpabilidade. A liberdade é a regra e a prisão, exceção. Por isso, só cabe a prisão provisória quando houver necessidade, a qual não pode ser presumida pelo legislador ordinário, conforme há pouco decidiu o Supremo Tribunal Federal (STF). Ora, Bashir é primário e governa um país membro da ONU, da Liga Árabe, da Conferência Islâmica e da União Africana, além de associado à União Europeia.

Acrescente-se que, na versão brasileira da balança de Thêmis, raramente considera-se necessário colocar um rico ou um político na cadeia: nos últimos 40 anos, nenhum político recebeu condenação no STF.

O nosso maior problema não está na presumida negação da culpa. O busílis consiste no juízo feito sobre a necessidade da prisão como medida de segurança social. Para muitos e a título de exemplo, Daniel Dantas poderia aguardar em liberdade o final do processo. É gente fina, diria um flanelinha de Copacabana.
Pano rápido. Não só Bashir, acusado de crimes gravíssimos contra a humanidade, ficaria “numa boa” por aqui. O megafraudador Bernard Madoff também não seria preso provisoriamente. E sempre resta disponível o status de refugiado ou asilado, o qual, há pouco, Tarso Genro ofereceu a um terrorista fascista italiano, que o recusou.

Fonte: Carta Capital

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