sexta-feira, 17 de abril de 2009

Mudança na América Latina

::

por Benjamin Dangl, Counterpunch

O bloqueio contra Cuba será assunto dos mais quentes no Encontro do fim-de-semana que também será aquecido pela tensão entre Obama e Chavez. Explicando o fracasso do governo Bush na região, Obama disse, há algum tempo que "Não surpreende, assim, que demagogos como Hugo Chavez tenham-se aproveitado desse vácuo. Sua previsível e perigosa mistura de retórica anti-americana, governo autoritário e diplomacia com talão de cheques oferecem as mesmas falsas promessas de outras ideologias do passado que tentaram as mesmas vias e fracassaram."

Contudo, se se observa mais de perto a América Latina, vê-se que a ascenção de líderes como Chavez é resultado de mais do que apenas negligência do império; tem a ver também com o impacto desastroso do neoliberalismo na região, e com o desejo dos latino-americanos de buscarem eles mesmos suas próprias alternativas. Considerando a atual crise econômica nos EUA, Obama bem poderia aprender algumas lições da política praticada por líderes como Chavez, que é incrivelmente popular na Venezuela, que trabalha em estreita ligação com outros líderes latino-americanos e que está desenvolvendo políticas econômicas muito bem-sucedidas em seu país. No Encontro que se iniciará em breve, Obama bem faria se pussesse em prática outra de suas boas frases, dessa vez na reunião do G20: "Exercemos melhor nossa liderança quando ouvimos mais."
Mudança na América Latina

Os que esperavam o fim das velhas táticas da Guerra Fria em relação à América Latina, talvez se tenham supreendido ao ver que Obama ainda trata a região como quintal dos EUA. Contudo, haja ou não alguma mudança no modo como Washington a vê, não há dúvidas de que a América Latina já não é idêntica à de 30 anos passados.

Perguntei a Greg Grandin, professor de história da New York University e autor de "Empire's Workshop" [oficina do império] recentemente lançado, se outro golpe de Estado como o que foi apoiado pelos EUA e derrubou o presidente socialista Salvador Allende do Chile seria ainda possível na América Latina de hoje.

"Acho que não", respondeu ele. "Não há condições para golpes, hoje. Nos anos 70s, a política dos EUA foi aceita porque as pessoas ainda temiam o crescimento da esquerda e tinham interesse nas vantagens que poderiam auferir em alianças econômicas com os EUA. Hoje, as elites latino-americanas talvez ainda se interessem pelos EUA e a violência urbana ainda ajuda a afastar a América Latina da esquerda. Mas as políticas dos EUA são tão destrutivas, que praticamente já destruíram as elites e as classes médias altas na América Latina. Não há substrato interno, nos países latino-americanos no qual os EUA pudessem firmar o pé e voltar a tentar influenciar o continente. Nos anos 70s ainda havia esse tipo de substrato, mas o neoliberalismo o destruiu completamente."

Grandin explicou que nos anos 60s e 70s, as agências de segurança em toda a América Latina associaram-se a Washington porque tinham interesse em "subordinar seus interesses à cruzada dos EUA na Guerra Fria." Os mais ricos em todo o continente desejavam essa proximidade, disse Grandin, e os EUA, por sua vez, também estavam interessados em construir redes e infra-estrutura que garantissem que fossem quais fossem os ditadores e seus fanatismos, sempre estariam alinhados na luta comum contra o comunismo.

"Hoje, há forte rejeição em toda a América do Sul, também entre os militares, a qualqur tipo de subordinação aos EUA" – disse Grandin. "Em conferência de Defesa, em 2005, em Quito, no Equador, Donald Rumsfeld [ex-secretário de Defesa dos EUA] tentou introduzir a guerra contra o terror [como assunto prioritário] também na América Latina; a ideia foi imediata e completamente rejeitada. (...) Como hoje, acho que ninguém, na América Latina, interessar-se-á por servir como sentinela avançada em alguma guerra unificada contra o terror."

Grandin publicou em 2006 um artigo em que diz que o Pentágono tentou impor à América Latina a idéia de que sua guerra ao terror seria alguma espécie de "urgência ideológica". Encontrou ouvidos completamente surdos.

"A causa do terrorismo", disse-lhe então o vice-presidente do Brasil, José Alencar, "não está só no fundamentalismo; o terrorismo também é resultado da miséria e da fome."

Seja como for, a América Latina que Obama visitará no próximo fim-de-semana é significativamente diferente da que Rumsfeld tentou convencer em 2005. Os presidentes hoje são mais independentes e tendem mais à esquerda do que há quatro anos. Tudo isso pode mudar, e há aspectos nos quais Obama pode interferir; tudo depende de Obama decidir trabalhar com a região – ou ignorá-la.

À parte qualquer interferência de Obama, uma questão permanece: as mudanças que hoje acontecem, estimuladas por governos de esquerda, permanecerão para os próximos anos, mesmo que a direita volte ao poder em futuras eleições?

Na opinião da analista política Laura Carlsen, do "Americas Program" na cidade do México, talvez permaneçam. "É preciso mais do que trocar de governo para deter as mudanças que estão em andamento na América Latina e não acontecerá rapidamente" – diz ela. "A esquerda demorou muitos anos para construir os movimentos sociais e criar alternativas que, afinal, se manifestaram nas eleições que puseram governantes de esquerda no poder. Para reverter as mudanças, será preciso silenciar e reprimir os movimentos."

Fiz a mesma pergunta a Grandin. "Depende", ele respondeu. "As mudanças também pareciam definitivas nos anos 70s, e tudo veio abaixo, por causa das políticas de Reagan e do militarismo. O fracasso do neoliberalismo é indiscutível e sem retorno. Mas não se sabe ainda que resposta política a América Latina dará a esse fracasso, no longo prazo."

No encontro do próximo fim-de-semana, quando Obama e Chavez apertarem-se as mãos pela primeira vez, talvez se possa começar a ter alguma idéia sobre o futuro da América Latina.

Fonte: Vi o Mundo

::


Share/Save/Bookmark

Nenhum comentário: