sexta-feira, 3 de abril de 2009

Lições de Seattle para Londres

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Os lideres do G-20, reunidos em Londres, têm a oportunidade de aprender a lição do ex-chefe de Polícia de Seattle e ordenar às suas forças de segurança que guardem suas pistolas de choques elétricos e os gases lacrimogêneos, e surpreender ao mundo ouvindo seriamente as vozes dos que estão se manifestando nas ruas.

Os protestos dominam o noticiário, enquanto os líderes mundiais se reúnem em Londres na Cúpula do G20. A guerra, a economia, a globalização corporativa e a oposição popular ao resgate financeiro aos bancos estão em primeiro plano. Os executivos recebem grandes compensações enquanto os trabalhadores e os sindicatos são obrigados a fazer concessões. O presidente Barack Obama herdou uma série de crises profundas e interrelacionadas. No entanto, gerou-se uma grande expectativa em nível mundial de que ele pode ser o agente da mudança.

Na semana passada, Obama promoveu uma conferência “aberta a perguntas” na Casa Branca, que foi transmitida pela Internet. As perguntas foram apresentadas previamente pelo público e houve uma votação para determinar sua popularidade. A resposta de Obama a uma pergunta sobre a maconha foi a seguinte:

“Devo dizer que houve uma pergunta que teve muitos votos. Ela indaga se legalizar a maconha melhorará a economia e a geração de emprego. Não sei o que isso diz sobre a audiência da Internet, mas esta foi uma pergunta bastante votada e queremos garantir que ela seja respondida. A resposta é não, não creio que seja uma boa estratégia para o crescimento de nossa economia”.

A popularidade desta pergunta poderia assinalar a preocupação do público ante a política de drogas dos Estados Unidos, e o impacto negativo gerado pela chamada guerra contra as drogas em nossa sociedade.

Nesta primavera estou realizando um giro por todo o país, no qual visitarei mais de 70 cidades, Em Seattle, entrevistei um forte crítico das leis sobre drogas nos Estados Unidos. Ele me disse: “De fato, apóio a legalização de todas as drogas”. Estas palavras vinham de um defensor bastante insólito: o ex-chefe de Polícia de Seattle, Norm Stamper, membro da junta assessora da Organização Nacional pela Reforma das Leis da Maconha (NORML, na sigla em inglês) e porta voz da organização Law Enforcement Against Prohibition (Aplicação da Lei Contra a proibição, LEAP, na sigla em inglês).

Stamper explicou: “Gastamos um bilhão de dólares na execução dessa guerra desde que Richard Nixon proclamou as drogas como o inimigo público número um e declarou uma guerra aberta contra as drogas. Quais foram os resultados? Apesar da flutuação dos índices, as drogas estão disponíveis mais facilmente hoje em dia, a preços mais baixos e em níveis de potência mais altos do que nunca. Então, o que temos é um fracasso colossal. E a única forma de provocar a quebra destes cartéis e de restabelecer a saúde e a segurança em nossos bairros é regular esse comércio ao invés de proibi-lo”. Enquanto Stamper promove uma reforma, seu sucessor como chefe de polícia de Seattle, Gil Kerlikowske, como escreveu Stamper em seu blog, “está indo a Washington para assumir o cargo de czar das drogas...para defender a manutenção das leis sobre drogas do país”.

A Secretária de Estado Hillary Clinton reconheceu recentemente, a caminho no México: “Nossa demanda insaciável por drogas ilegais estimula o tráfico de drogas”. Também estimula uma crescente população carcerária (alguns estados que têm problemas financeiros estão liberando delinqüentes não violentos vinculados às drogas para economizar dinheiro), a militarização da fronteira entre Estados Unidos e México, e a epidemia de violência vinculada às drogas no México. Os cartéis compram rifles de assalto AK-47 e outras armas nos Estados Unidos e as introduzem ilegalmente no México. Paul Helmke, presidente do Centro Brady para Prevenir a Violência com Armas, me disse há pouco: “A população do México se deu conta daquilo que os delinqüentes nos Estados Unidos se deram conta há muito tempo: Nossas leis débeis e quase inexistentes nos Estados Unidos estão facilitando o ingresso dessas armas no México”.

Com a crescente aceitação, estado após estado, dos usos médicos da maconha, com a descriminalização da posse de pequenas quantidades em várias jurisdições e com o alto custo do encarceramento em comparação ao do tratamento, o sentimento público parece inclinar-se a favor de uma mudança.

Norm Stamper demorou anos para aprender as difíceis lições da fracassada guerra contra as drogas. As lições difíceis parecem ser seu forte. Ele era o chefe de Polícia de Seattle durante os protestos contra a Organização Mundial do Comércio em 1999: “Cometi erros graves antes daquela semana e durante a mesmo e a única coisa que posso dizer é que lamento muitíssimo não ter feito determinadas coisas e de ter feito outras. Por exemplo, não ter vetado uma decisão de utilizar agentes químicos, também conhecidos como gases lacrimogêneos, contra centenas de manifestantes pacíficos. Como chefe de Polícia deveria ter dito: “Por um bem maior, não deveríamos ter usado esses agentes químicos. Creio que não deveríamos ter aumentado os riscos”. Não culpo a aqueles que estiveram lá, culpo a mim mesmo”.

Agora, ele soa mais como um dos manifestantes contra a OMC, sobre os quais foram lançadas as bombas de gás: “Agora estamos colhendo o que semeamos na forma da globalização desenfreada e livre comércio sem travas e creio que é hora de que todos nós neste país, enquanto tentamos sair desta crise econômica mundial, analisarmos realmente o que significam os problemas de justiça social e econômica dentro do contexto da globalização”.

Os lideres do G-20 em Londres, e os que participarão da cúpula da OTAN depois, têm a oportunidade de aprender com Norm Stamper e ordenar às suas forças de segurança que guardem suas pistolas de choques elétricos e os gases lacrimogêneos, e surpreender ao mundo ouvindo seriamente as vozes dos que estão se manifestando nas ruas.

Denis Moynihan colaborou com a produção desta coluna.

Tradução: Katarina Peixoto

*Amy Goodman é apresentadora de "Democracy Now!" um noticiário internacional diário, nos EUA, de uma hora de duração que emite para mais de 550 emissoras de rádio e televisão em inglês e em 200 emissoras em Espanhol. Em 2008 foi distinguida com o "Right Livelihood Award" também conhecido como o "Premio Nobel Alternativo", outorgado no Parlamento Sueco em Dezembro.

Fonte: Agência Carta Maior


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