terça-feira, 21 de abril de 2009

Israel está cercada. Afinal.

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Nem as "Relações Públicas", nem a Autoridade Palestina, nem os EUA ajudarão o governo de Netanyahu.

9-15/4/2009, Khaled Amayreh, de Jerusalém leste ocupada.

Al-Ahram, Cairo

Com apenas uma semana no poder, o governo de Israel está descobrindo a duras penas que adotar plataforma de extremismo em relação aos palestinos é uma coisa; que outra coisa, completamente diferente, é conseguir inserir-se na realidade política planetária.

Essa contradição essencial torna-se, cada dia mais claramente, o traço que mais bem caracteriza um governo considerado o mais assumidamente direitista, mais fechado e mais inchado de toda a história de Israel.

De fato, com mais de 30 ministérios e nove "deputy ministers" sob seu comando, o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu tenta desesperadamente impor alguma harmonia ao governo.

Contudo, é evidente que essa tarefa só pode ser parcialmente bem-sucedida, dado o precário equilíbrio da muito ampla e muito frágil coalizão de governo, por um lado; e, por outro lado, dado que Netanyahu continua exposto a todo o tipo de chantagem pelos seus 'parceiros', os quais podem, a qualquer momento, pôr abaixo o gabinete, dependendo de seu estado de humor.

Essa semana, a primeira "surpresa" veio de Avigdor Lieberman, ministro-pistoleiro dos Negócios Estrangeiros de Israel, que deixou bem claro que, no que lhe diga respeito, a palavra "Annapolis" está apagada do dicionário; deixou claro também que tampouco aceitará sem condições o "Mapa do Caminho", proposta mais generalista, apoiada pelo Quarteto; para apoiar o "Mapa do Caminho", Lieberman impôs, como condição, que se acrescentassem à proposta as várias ressalvas propostas por Ariel Sharon – ressalvas que, na prática, tornam a proposta israelense absolutamente inaplicável.

"A conferência de Annapolis não é válida", disse Lieberman, falando numa cerimônia no ministério de Negócios Estrangeiros de Israel dia 1º de abril. Acrescentou: "só há um documento que Israel é obrigado a considerar; e não saiu da conferência de Annapolis."

Lieberman, que muitas fontes em Israel dizem que se considera "segundo entre iguais" em relação a Netanyahu, insiste que Israel não tem qualquer obrigação legal em relação ao acordado em Annapolis, porque "nem o governo nem o parlamento israelenses jamais ratificaram aquele acordo".

Líderes israelenses e palestinos haviam decidido conjuntamente iniciar "negociações vigorosas e continuadas" com vistas a construir um amplo acordo de paz que esperavam concluirantes do final de 2008.

Tzipi Livni, líder da oposição, acusou Lieberman de "pôr em risco interesses vitais de Israel". E exigiu que Netanyahu "controlasse" Lieberman.

Embaraçado pelos maus bofes e "falta de refinamento" da fala de Lieberman, Netanyahu manteve-se quase completamente calado, o que, para muitos analistas, reflete sua relutância; Netanyahu parece temeroso, sem querer irritar Lieberman, que já declarou que "virará o barco", se "houver qualquer tipo de interferência de cima, no meu ministério".

Porta-voz de Netanyahu disse, contudo, que "declarações individuais de membros do gabinete não refletem necessariamente opiniões de governo". Acrescentou que "as próximas semanas" seriam dedicadas a definir uma política para fazer avançar o processo de paz. Acrescentou que "hoje definiremos um gabinete para a política de segurança; nas semanas seguintes completaremos a formulação de nossa política para fazer avançar o processo de paz e segurança".

Em fala tensa e vaga, aparentemente para não desgostar ninguém, nem Lieberman nem o governo Obama, Netanyahu disse que buscaria construir acordos mediante os quais os palestinos pudessem "autogovernar-se eles mesmos" sem que isso implique qualquer ameaça à segurança de Israel.

Não pronunciou as expressões "Estado palestino" nem "solução dos dois Estados". Netanyahu tem dito em várias ocasiões que qualquer acordo de paz com os palestinos deverá garantir que Israel mantenha total controle sobre as fronteiras, pontos de passagem, eletricidade, fontes de água, espaço aéreo, portos e aeroportos. É o mesmo que dizer que a ocupação continuará sem qualquer modificação, com "paz" ou sem.

As lideranças palestinas reagiram imediatamente contra os discursos "anti-paz" do governo de Israel, que qualificaram de "racista e fascista".

O presidente Máhmude Abbas da Autoridade Palestina (AP) também reagiu, dizendo que Israel terá de aceitar a criação de um Estado palestino, parar a construção de colônias para judeus na Cisjordânia e em Jerusalém Leste e remover das estradas todos os bloqueios controlados pelo exército de Israel que tornam impossíveis as atividades econômicas na Palestina. "Sem isso, não pode haver processo de paz," disse Abbas, em declaração que fez durante uma rara visita a Bagdá essa semana.

Não há dúvidas de que Lieberman et al. representam grave risco para os projetos de "Relações Públicas", aos quais Netanyahu dá tanta importância. Mas as ideias de Lieberman não são essencialmente diferentes das ideias de Netanyahu; de fato, coincidem quase completamente. Netanyahu apenas discorda do estilo "truculento e pouco diplomático" de seu ministro, considerado pouco adequado à imagem que Israel quer manter no ocidente, sobretudo nos EUA.

Alguns poucos analistas têm advertido o premiê israelense no sentido de não insistir em visões simplistas sobre a questão palestina; e para o risco de adotar discurso de boa-vontade nos contatos com o governo Obama, ao mesmo tempo em que nada muda nas políticas extremistas contra a Cisjordânia, onde prosseguem o roubo de terras palestinas e a construção de colônias exclusivas para judeus em território ocupado.

Essa semana, o presidente Obama disse bem claramente que seu governo continua comprometido com a solução dos Dois Estado e que espera que o primeiro-ministro israelense honre o que foi firmado em Annapolis.

Falando da Turquia, Obamam disse: "Quero ser muito claro. Os EUA apoiam declaradamente o objetivo dos Dois Estados, Israel e Palestina, vivendo lado a lado em paz e com segurança. Esse é objetivo partilhado de palestinos, israelenses e de todos os povos de boa vontade em todo o mundo. É o objetivo já acordado no Mapa do Caminho e em Annapolis. E é um objetivo que buscarei ativamente alcançar como presidente."

As palavras de Obama tiraram do sério vários militares israelenses. Um deles, furioso, disse que "sempre soubemos que Obama acabaria por assumir posição de hostilidade contra Israel." O ministro do Meio Ambiente Gilad Erdan (Likud) desafiou abertamente o presidente. Disse que "Israel não recebe ordens de Obama."

Erdan, conhecido por suas posições racistas contra árabes, disse que "as políticas de Israel são construídas em Israel, não em Washington". E acrescentou: "ao eleger Binyamin Netanyahu, os israelenses decidiram que não querem ser o 51º estado dos Estados Unidos da América."

Confrontar Washington jamais será política que interesse Israel. Obama é presidente muito popular. Mobilizar o poderoso lobby judeu contra essa popularidade é gesto que pode ter efeito bumerangue contra Israel e seus apoiadores na arena política nos EUA. O próprio AIPAC está sob fogo de vários grupos nos EUA, por excessiva intromissão na política norte-americana, nacional e internacional. E já se vêem sinais bem claros de que Obama não se renderá sem luta ao lobby judeu, se e quando o lobby decida posicionar-se contra o presidente e a favor do governo de Israel.

Vários jornais noticiaram, há algumas semanas, que Obama teria dito a um alto funcionário do governo chinês, que os EUA "são Estados Unidos da América, não Estados Unidos de Israel."

Fato é que há vários sinais vindos de Washington que não são exatamente favoráveis a Israel, ou, pelo menos, não são favoráveis ao atual governo de Israel. Para começar, o governo Obama já mostrou que não servirá Israel tão servilmente quanto o governo Bush.

A abordagem menos belicosa em relação ao Iran é mensagem muito clara também para Israel. Significa, em primeiro lugar, que a política dos EUA para o Oriente Médio e o mundo muçulmano será definida em Washington, não em Telavive; e que os interesses dos EUA virão sempre em primeiro lugar ao formular-se essa política.

Em segundo lugar, os recentes acenos que Obama dirigiu ao mundo muçulmano na visita à Turquia são má notícia para Israel. Israel tem sido o principal beneficiário da invasão e ocupação do Iraque pelos EUA; também é o principal beneficiário da "guerra ao terror". Assim sendo, segundo muitos observadores, nem a mais mágica fórmula de "Relações Públicas" conseguirá ajudar Netanyahu, se continuar a insistir em ideias de Jabotinskismos extremistas, em relação ao conflito com os palestinos.

Fonte: Vi o Mundo

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