quinta-feira, 9 de abril de 2009

Finalmente

::

por Alon Feuerwerker


O governo finalmente se mexeu, demitiu o presidente do Banco do Brasil e deu sinais de que vai lutar para reduzir o spread bancário. Gol de Luiz Inácio Lula da Silva. Vamos ver se vai funcionar, mas só o fato de o governo ter tomado a iniciativa já merece aplausos. O assunto vem sendo martelado aqui há meses, e nada tenho a acrescentar. O mercado reagiu mal, o que é bom. As ações do banco caíram, por causa das projeções de queda na lucratividade. Ótimo. Está mesmo na hora de bancos lucrarem menos. Ou então, se querem lucrar mais, que emprestem a mais gente, ganhando um pouquinho com cada um. Isso seria civilizado. Que o BB aumente sua participação no mercado. O Brasil sairá ganhando. Ainda que tenhamos de ouvir as lamúrias dos advogados do nosso capitalismo de mentirinha, que sob a máscara da defesa da livre-concorrência advogam mesmo é para os cartéis e oligopólios. Apenas para registrar, trechinho de um post do já distante 8 de outubro de 2008, no comecinho da crise (Estatais, graças a Deus).
    O título deste post? Trata-se de uma homenagem ao Banco do Brasil e à Caixa Econômica Federal. Espero que nos ajudem a sair desta. Graças a Deus, não conseguiram privatizá-los, quando isso estava na moda.

::

E o physique du rôle?

O PT descia o sarrafo nos bancos e hoje anda de mãozinha dada com o cartel. Com tucanos e democratas seria diferente?

Um efeito palpável da crise é a revogação de vetos, a queda de barreiras que impediam o debate de certos assuntos. Um tema que deixou o índex é o spread bancário, a diferença entre o juro que se cobra de quem pega emprestado e o juro pago ao poupador. O spread brasileiro é de longe o campeão mundial da usura. Mas nunca tinha entrado para valer na pauta da opinião pública. Habituamo-nos a achar um escândalo o deputadozinho embolsar alguns trocados com falcatruas na verba indenizatória. E é mesmo. Já o banco cobrar, sei lá, 10% ao mês no cheque especial por um dinheiro que lhe custa 1% sempre nos pareceu normal. Coisas do Brasil.

Mas nada resiste aos fatos. Após um longo torpor, a megacrise mundial das finanças empurrou o tema dos juros para o primeiro ponto da agenda nacional. O crédito secou e ficou ainda mais caro. O crescimento brasileiro na Era Lula deve-se em boa medida ao crédito abundante. Com mais crédito, o governo criou a demanda -e os empresários saíram atrás dos clientes. Empresários munidos daquele “espírito animal” de que costuma falar o ex-ministro Delfim Netto. Mas o fenômeno tem duas mãos. Se as torneiras do crédito estão secas e a confiança do consumidor anda em baixa, é natural que os empresários se retraiam e deem prioridade ao caixa, em vez do market share.

O debate sobre os juros não é fácil de ser travado. Há todo um aparato ideológico a repetir incansavelmente que o alto spread nacional se deve à inadimplência. Ou seja, os bons pagadores pagam pelos maus. Isso é martelado como verdade absoluta. Falta porém a comprovação científica. Será que somos o povo mais caloteiro do mundo? Que números provam isso? A academia, aliás, começa a ir na contramão da tese. Um estudioso do assunto, o economista e professor da USP Márcio Nakane, após analisar tecnicamente as possíveis relações de causalidade entre spread e inadimplência no Brasil, descobriu que não se pode culpar a inadimplência passada pelo spread. Mas, vejam só!, o professor concluiu também que é possível dizer o inverso: que o spread é causa de inadimplência.

Mesmo sem ter estudado economia, qualquer cidadão sabe disso. Entrou para valer no cheque especial? Peça a Deus por sua alma. Ou então prepare-se para a quebra. Enrolou-se no empréstimo consignado? Reze, mas reze muito por um milagre. Aliás, o consignado é um exemplo das contradições da política de Lula. É bom que a modalidade tenha se expandido? É ótimo. Mas por que cobrar um spread de, digamos, 20 pontos percentuais numa modalidade praticamente sem risco? Ainda mais se o tomador é um funcionário público?

Infelizmente, parece faltar ao governo a vontade necessária para atacar o problema de frente. E isso quando temos em palácio gente que passou a vida dizendo que se chegasse ao poder daria um jeito nos bancos. Aliás, é hora de o PT abrir o olho. Num sistema como o nosso, com mandatos de oito anos na prática (com um plebiscito no meio), o nome que representa a tentativa de um terceiro período consecutivo para o mesmo grupo político precisa responder a uma pergunta simples mas potencialmente letal. Se diz que vai fazer tal e qual coisa, por que então não fez nos oito anos em que ocupou a cadeira? O povo é sábio.

Sempre há porém um jeitinho de construir o discurso para explicar os porquês. O PT pode dizer que o juro alto é herança estrutural, e que lamentavelmente não foi dado ao partido poder suficiente para mexer nesse vespeiro. A solução? Mais quatro anos para o PT. E com mais musculatura. Seria engenhoso. Transformar a fraqueza em força. Resta saber se colaria. Mas o PT tem outra carta na manga. O eleitor olha para a oposição e não vê nela o physique du rôle, para usar a expressão dos franceses quando querem designar alguém adaptado ao papel que desempenha. O PT descia o sarrafo nos bancos e hoje anda de mãozinha dada com o cartel. Com tucanos e democratas seria diferente?

Coluna (Nas entrelinhas) publicada no Correio Braziliense.

Fonte: Blog do Alon Feuerwerker

::

Share/Save/Bookmark

Nenhum comentário: