segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Por um novo modelo agrícola

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Por um novo modelo agrícola


por João Paulo Rodrigues*, no site do MST

De um lado, famílias acampadas fazem um protesto desesperado com a derrubada de pés de laranja, plantados ilegalmente em área grilada da Cutrale, no interior de São Paulo. De outro, o censo agropecuário aponta que vem aumentando a concentração de terras no país. Qual o maior escândalo nacional criado pela mídia brasileira? Claro, a derrubada dos pés de laranja.

O avanço do capital financeiro e de grandes conglomerados empresariais na agricultura, com a sustentação de uma mídia burguesa concentrada, operou o casamento de dois problemas estruturais do nosso país, em torno do agronegócio. O censo agropecuário de 2006 do Instituto Brasileiro de Geografi a e Estatísticas (IBGE) colocou uma luz sobre os dois modelos agrícolas em disputa: o agronegócio e a agricultura familiar e camponesa.

Há tempos denunciamos por meio das nos sas lutas que a terra estava ficando mais concentrada e que a vida dos trabalhadores rurais estava piorando com o avanço do agronegócio. Agora, o censo mostrou que a concentração de terras aumento, com o índice Gini alcançando 0,872 para a estrutura agrária brasileira, superior aos índices apurados nos anos de 1985 (0,857) e 1995 (0,856).

O chamado agronegócio representa 15,6% dos estabelecimentos agrícolas, embora monopolize 75,7% da área agrícola. Com isso, impõe ao país um modelo sustentado no latifúndio, na monocultura extensiva e no interesse de atender o mercado externo. Ou seja, o mesmo modelo aplicado por cinco séculos.

O censo mostra que a agricultura familiar, ocupando apenas 24% da área agrícola, produz 38% da riqueza desse setor produtivo; emprega 75% da mão de obra no campo; responde por 87% da produção nacional de mandioca, 70% do feijão, 46% do milho, 38% do café , 34% do arroz, 21% do trigo, 58% do leite, 59% do plantel de suínos, 50% das aves e 30% dos bovinos.

A forma como a mídia tratou os acontecimentos da ocupação da fazenda da Cutrale só pode ser compreendida dentro dos marcos de disputas desses dois modelos de agricultura. Os dados do censo agropecuário e o que representam ficaram em segundo plano.

Foi montado um aparato midiático para impactar a sociedade com imagens que foram fabricadas. A chamada grande mídia eximiu-se do dever de informar a sociedade. Tomou partido e foi conivente com uma farsa montada para criminalizar as famílias que acamparam naquela fazenda.

As famílias que ocuparam a fazenda da Cutrale afirmaram que não promoveram depredação na fazenda e muito menos tocou nos pertences e nas moradias dos trabalhadores que residem na área. Não é procedimento do nosso movimento desrespeito aos funcionários das fazendas ocupadas. Defendemos, inclusive, que eles entrem na luta pela Reforma Agrária para deixarem de ser
explorados.

Queremos aproveitar este momento para fazer um amplo debate com os militantes progressistas, com os partidos de esquerda, organizações dos trabalhadores e com toda a sociedade brasileira sobre o melhor projeto para a nossa agricultura, que tenha como base a soberania alimentar, distribuição de riquezas e a sustentabilidade ambiental.

O agronegócio já mostrou que a sua existência é uma combinação do que temos de mais moderno e atrasado. Capital financeiro aplicados em grandes empresas avançam com a depredação ambiental, trabalhadores mantidos em regime de semi-escravidão, concentração da renda e da riqueza, anistia
das dívidas dos ruralistas a cada cinco anos, expulsão de milhares de famílias do campo, são apenas alguns exemplos do que nos custa a manutenção do modelo do agronegócio.

Apesar de o setor agroexportador ser responsável pelo saldo na balança comercial, não se pode ignorar que é a custos econômicos, sociais e ambientais.

A partir dos anos 1990, com as transformações ocorridas na economia capitalista, sob o rótulo do neoliberalismo, os grupos agroindustriais transnacionais e o capital financeiro tomaram conta agricultura brasileira, de olho em nossas reservas de riquezas naturais e dos enormes lucros decorrentes da exportação dos produtos primários brasileiros.

No entanto, os métodos para enfrentar os que se opõem não mudaram. Apenas receberam uma aliada, a mídia. É necessário, perseguir, criminalizar e, se possível, extinguir os que ousam se opor ao agronegócio e defendam a agricultura familiar e a soberania alimentar do nosso país e, principalmente, quem ousa organizar os pobres do campo.

Para completar o espetáculo circense, os três parlamentares, paladinos do atraso, defensores do latifúndio, entraram imediatamente em cena para tentar constituir uma nova Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) contra o MST.

O deputado federal do Demo-GO, Ronaldo Caiado, chegou a dizer que essa CPI é para averiguar se o MST recebe dinheiro do governo para repassar à candidatura da ministra Dilma Roussef. Nada pode ficar mais evidente, no ato falho do parlamentar Caiado.

Um novo modelo agrícola, baseado na pequena agricultura e na Reforma Agrária, depende de um novo modelo econômico de desenvolvimento, voltado para o atendimento das necessidades do povo brasileiro. Para isso, precisamos de mudanças estruturais e um projeto popular para o Brasil.

Convocamos os militantes a enfrentar a ofensiva dos setores mais conservadores e oligárquicos da sociedade, nas lutas dos movimento sociais e no debate político de um novo modelo agrícola, que esteja de acordo com os interesses e necessidades do povo brasileiro.

Certamente a escolha recairá sobre uma agricultura que garanta a produção de alimentos saudáveis, assegure a preservação ambiental e promova a distribuição da riqueza e renda produzida. Conquistas incompatíveis para os trabalhadores dentro do modelo do agronegócio.

*João Paulo Rodrigues é integrante da coordenação nacional do MST.

Fonte: Vi o Mundo / MST

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