quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Os carniceiros da tragédia

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Os carniceiros da tragédia

por Urariano Mota*, em
Direto da Redação

Recife (PE) - Os jornais de hoje revelam, de passagem, que a causa decisiva do desastre da TAM em julho de 2007, em São Paulo, foi a posição incorreta do manete direito, que controla a potência da turbina direita do avião. Agora. Mas enquanto houve sangue fresco e restos de pessoas, o comportamento da mídia não foi assim.

Na época, houve um circo de horrores maior que o número de mortos. Na televisão, nos periódicos, nas revistas, pulavam de alegria diante de mais uma desgraça onde o culpado seria o governo brasileiro. Repórteres obedientes à orientação da pauta, articulistas que viraram autoridades, mais pareciam papa-defuntos. Na Folha de São Paulo, por exemplo, em 19 de julho se publicou:

“O que ocorreu não foi acidente, foi crime

Gostaria imensamente de ter minha dor amenizada por uma manchete que estampasse, em letras garrafais, ‘GOVERNO ASSASSINA MAIS DE 200 PESSOAS’. O assassino não é só aquele que enfia a faca, mas o que, sabendo que o crime vai ocorrer, nada faz para impedi-lo. O que ocorreu não pode ser chamado de acidente, vamos dar o nome certo: crime.... Talvez o presidente não se importe tanto, afinal, quem viaja de avião não é beneficiário de sua bolsa-esmola, não faz parte do seu particular curral eleitoral cevado com o dinheiro que ele arranca de nós. Devem fazer parte das tais ‘elites’, que é como ele escarnece da classe média que faz (apesar do governo) o país crescer”.

E mais se dizia:

“Incompetência, imprudência, tragédia. A despeito das causas do acidente com o Airbus A-320 da TAM, o desastre potencializa a crise da aviação civil, escancara a precariedade do transporte aéreo brasileiro e torna ainda mais urgente uma redefinição ambiciosa e profunda do sistema. É inacreditável que reiteradas demonstrações de inépcia, ao longo de dez meses de crise, não tenham rendido nenhuma demissão no alto escalão do governo Lula”, no editorial.

“E as circunstâncias eram desfavoráveis: chovia, a pista estava escorregadia, as reformas são recentes, faltam as ranhuras (riscos para produzir mais atrito nas rodas).

Pairando sobre o vôo 3054, havia também o Boeing da Gol e dez meses de crise, greve e prisão de controladores, nevoeiros, trocas de acusações, panes de rádios, suspeitas quanto aos radares. Um sistema em xeque. Seus operadores, sob profundo estresse. Pequenos erros podem virar grandes tragédias. E há a falta de comando do governo e a ganância das companhias”.

Para haver justiça, deve ser dito que em toda a grande mídia, dos impressos à televisão, o tom e o clima foram de um oportunismo político sem escrúpulo, que poderia assim ser resumido: “Há desgraça, estou presente. Há cadáveres, vou cheirar sua carniça”.

Os devoradores de mortos pareciam não saber de um limite para o horror. A Rede Globo de Televisão deu um show de teledramaturgia. As chamadas foram um primor de folhetim: “O maior desastre da aviação brasileira ... Duas tragédias em dez meses... Tristeza e indignação na madrugada em São Paulo... A aflição das famílias das vítimas em Porto Alegre... O medo de quem mora próximo a Congonhas”. Eram mostrados fogo, choro, convulsões, desespero, e reconstituições por recursos de computador, que misturados à narração do... repórter ....eram uma aula de insuflar emoção nas... reportagens. Lágrimas, choros, prantos, fotos de crianças mortas, de jovens sem vida no vigor dos seus anos.

Imagens do assessor especial do Presidente foram mostradas, um dia depois, no interior da sua sala, a fazer gestos que significavam coito, “estão fodidos”. Um escárnio, um insulto à memória das vítimas, porque o governo estaria a comemorar uma nova versão para os mortos.

“Olha, foi uma das cenas mais dantescas, mais cruéis que eu já vi. A nação inteira, inteira chorando, o Pan parando pra chorar e o Palácio festejando. O cara levantando as mãos, dizendo que a culpa não é do governo! Claro que é do governo. Agora, mesmo que não fosse do governo, comemorar é uma bofetada no povo brasileiro”, afirmou então o senador Pedro Simon, o paladino da hora.

Mas agora a culpa foi do manete, admitem, sem verniz na cara. Memória de abutre é pequena.

Leia outras crônicas do autor em Sapoti da Japaranduba
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