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O Morro dos Macacos e as armas
Enquanto existir guerra, haverá esperança. Esta frase sai da boca de Alberto Sordi, no papel de traficante de armas de fogo: o filme é de 1974, com o título Finché c’è Guerra c’è Speranza. Quando rodado o filme, 30% da população africana estava envolvida em conflitos intestinos.
Na sexta-feira 16, uma facção do Comando Vermelho (CV), saída, segundo a polícia, do Morro São João, tentou se apropriar de “bocas de fumo” do Morro dos Macacos, território controlado pela organização rival conhecida por Amigos dos Amigos (ADA). Na verdade, repetiu-se o enredo de um clássico da tragédia vivida pela população pobre do Rio de Janeiro e que sempre resulta na morte de civis inocentes: três jovens que voltavam de uma festa foram fuzilados e a polícia os apresentou como “soldados” de facção criminosa. O pedido de desculpa só veio quando os caixões desciam à sepultura.
Mais uma vez assistiu-se ao mesmo enredo de filme. Em abril de 2004, o conflito entre CV e ADA ocorreu na Rocinha e a disputa era pelo maior entreposto de drogas proibidas do Brasil. A família Garotinho, com o varão querendo a função de general de modo a comandar o Exército, prometeu uma guerra contra o tráfico. Só que a Guerra da Rocinha prometida pelo casal Garotinho virou batalha de Itararé, ou seja, como aquela, simplesmente não aconteceu. Enquanto o casal fazia inconstitucionais exigências ao governo federal, a criminalidade organizada aproveitou para subtrair 22 fuzis do arsenal das Forças Armadas.
No confronto, no Morro dos Macacos, chamou a atenção a derrubada de um helicóptero da polícia, alvejado por arma de grosso calibre. O helicóptero era semiblindado e três dos ocupantes morreram. A respeito, apanho na minha hemeroteca um velho recorte do jornal O Globo, edição de 14 de maio de 2007, com duas notícias que, agora, servem para mostrar a irresponsabilidade das autoridades que determinaram, no conflito no Morro dos Macacos, o emprego de helicóptero apenas blindado no assoalho, a transformar policiais em camicases involuntários: 1. “A Secretaria de Segurança Pública do Rio planeja comprar um novo modelo de helicóptero para enfrentar os traficantes. O motivo: o modelo deve ser totalmente blindado. O parcialmente blindado não atende mais às necessidades policiais, já que os traficantes estão cada vez mais bem armados.” 2. “Armas de longo alcance em poder de traficantes vêm obrigando pilotos de helicópteros de empresas de táxi-aéreo a mudarem as rotas para evitar tiros de fuzis.”
No Rio de Janeiro, as organizações criminosas de matriz pré-mafiosa continuam a enriquecer e contam com o suficiente para corromper autoridades e adquirir potentes armas de fogo. Por outro lado, conseguem expandir os territórios e aumentar o controle social. Para aumentar os lucros, entram em guerra para conquistar territórios sob controle de outra associação delinquencial. No caso da intromissão das forças de ordem, também são atacadas, como sucedeu no sábado 17 no Morro dos Macacos.
A velocidade imprimida pela criminalidade organizada para atingir as suas metas é infinitamente superior à empregada pelo Estado no contraste a esse fenômeno. Em boa hora, o governo de Sérgio Cabral substituiu a inócua e perigosa política de war on drugs, de inspiração W. Bush. No México, só neste ano, ela produziu mais de 4 mil mortes e mais da metade das vítimas eram civis, sem qualquer vínculo com os cartéis de drogas.
Cabral substituiu a guerra nos morros, onde a população ficava entre o fogo cruzado de policiais e traficantes, por um policiamento pacificador, de reconquista de territórios e retomada do controle social. O seu governo conta com o apoio federal na reurbanização das favelas, estratégia fundamental. Só que a implantação da “polícia da paz” mostra-se irritantemente lenta. Enquanto isso, o crime migra e se expande.
Quanto às armas e munições, o mercado movimenta anualmente 29 bilhões de dólares. Como as máfias fazem o jogo geopolítico de muitas potências, embolsam 35% do lucro. Só para exemplificar: a CIA prendeu o seu colaborador Sarkis Soganaliam, o maior traficante de armas do mundo. Isso porque ele, sem sua autorização e aliado a Vladimiro Montesinos (eminência parda da ditadura Fujimori e aliado da CIA), vendeu armas para as Farc.
Para nossa vergonha, o Brasil integra o terceiro maior grupo de fabricantes de armas. Para exportar armas, basta a expedição do chamado Certificado de Destinação Final. Se constar que o destino é Angola, nenhum órgão internacional controla a chegada. O armamento poderá, portanto, desembarcar no “narco-Estado” da Guiné Equatorial. E o crime organizado tem interpostos, como no Paraguai, cujos mercadores atendem brasileiros por telefone e internet.
Fonte: Carta Capital
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