quarta-feira, 10 de junho de 2009

Sobre o novo AI-5 Digital que está a caminho!

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Um novo AI-5

Espalha-se na rede um movimento contra o projeto do senador Eduardo Azeredo que, segundo os críticos, vai limitar a liberdade de expressão.

Por Leandro Fortes

Aprovado no senado na madrugada de 9 de julho de 2008, o texto substitutivo ao projeto de lei sobre crimes digitais no Brasil transformou-se no alvo de uma guerra virtual entre os defensores de duas ideias essencialmente legítimas. De um lado, a liberdade de expressão. De outro, a necessidade de combater crimes cibernéticos.

O substitutivo do senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG) cria uma série de normas e procedimentos para combater os chamados cibercrimes, notadamente os roubos de senha de acesso a contas bancárias e à difusão de pornografia infantil na internet. O projeto ainda precisa ser aprovado na Câmara dos Deputados.
Aparentemente, o texto está repleto de boas intenções. Segundo os críticos, daquelas que o inferno está abarrotado. As mudanças propostas pelo senador definem como crimes procedimentos de acesso à rede antes mesmo de o Brasil ter estabelecido um marco regulatório civil sobre o tema. Apelidado de “AI-5 Digital” por grupos de ativistas da internet, o texto poderá transformar provedores de acesso em centros de espionagem e delação, além de favorecer interesses privados de bancos, fabricantes de softwares e indústrias que sofrem com as transformações precipitadas pela rede, entre elas as gravadoras.

Azeredo e seu substitutivo são alvo de um abaixo-assinado virtual com quase 150 mil assinaturas, disponível na internet. A coleta de assinaturas é parte de uma crescente reação ao projeto entre os mais assíduos usuários da rede. Há hoje no Google cerca de 290 mil referências de sites e blogs agregados ao movimento de reação ao “AI-5 Digital”. Antecedidos de uma intensa troca de e-mails, postagens em blogs e discussões on-line via chats e fóruns virtuais, vários eventos têm sido organizados em espaços físicos reais, Brasil afora, para discutir e rejeitar o projeto.

No ano passado foram realizados atos em Curitiba, Porto Alegre e São Paulo. O mais recente ocorreu em Belo Horizonte, na segunda-feira 1º de junho, no Teatro Cidade. O próximo, ainda sem data marcada, será no Rio de Janeiro. Em BH, o encontro nasceu de uma parceria dos sindicatos dos jornalistas e dos professores. Em São Paulo foi colocado nas ruas pelas mãos de um coletivo de ativistas.

No evento da capital mineira foi possível reunir três dos mais destacados críticos do projeto, o advogado Túlio Vianna, de Minas Gerais, o cientista político Sérgio Amadeu, de São Paulo, e o mineiro radicado nos Estados Unidos Idelber Avelar, professor de Literatura Latino-Americana na Universidade de Tulane, em New Orleans. O trio mobiliza, via blogs pessoais, twitters e e-mails, milhares de internautas em torno do tema. Em comum, a certeza de que o texto é fruto de uma poderosa convergência de lobbies econômicos com potencial para se tornar, uma vez aprovado definitivamente, em um entrave para a livre expansão do internet no Brasil, além de um atentado direto à liberdade de expressão.

Um dos pontos de discórdia é o artigo 22 do substitutivo, que obriga os servidores de internet a manter “em ambiente controlado e de segurança”, pelo prazo de três anos, todos os dados de comunicação eletrônica, com origem, data e referência de conexão feita pela rede de computadores, a fim de fornecê-los à polícia, mediante requisição judicial. Mais ainda: os provedores serão também obrigados a informar, “de maneira sigilosa”, denúncias que tenham recebido com indícios de prática de cibercrime. Na prática, esse expediente poderá provocar a quebra de privacidade e minar projetos de democratização de acesso livre à internet, como a implantação de redes sem fio em ambientes públicos, segundo os críticos.

Para Amadeu, os provedores vão se tornar “centros de vigilância” e serão obrigados a fazer juízo de questões relativas a processos penais. Também seria inviabilizada a vida de milhares de pequenas lan houses, de onde metade dos 6 milhões de internautas brasileiros costuma acessar a internet, e dos telecentros comunitários espalhados pelo Brasil, símbolos da política de inclusão digital.

Segundo o cientista político, a medida é, na verdade, uma exigência do lobby internacional de direitos autorais (copyright) capitaneado, no Brasil, pela Associação Antipirataria de Cinema e Música (APCM). “A ideia sempre foi a de confundir as rotinas gerais da rede com pirataria, colocar isso como um problema moral”, afirma Amadeu.

A inspiração do senador Azeredo é a Convenção de Cybercrimes assinada, em 2001, em Budapeste, na Hungria. Montada pelos lobbies de fabricantes de softwares e de direitos autorais da Europa, a convenção não foi assinada por nenhum país latino-americano nem pela maioria das grandes nações em desenvolvimento, como China e Índia. A recusa em fazer parte desse clube partiu do Itamaraty, sob o argumento de que o Brasil não assina convenções das quais não participou do processo de discussão. “Os artistas, com a internet, passaram a poder se relacionar diretamente com seus fãs, o que tem aumentado a diversidade cultural, mas derrubado a rentabilidade, por exemplo, das gravadoras”, analisa Amadeu. “Agora, querem criminalizar essa relação”, afirma.

A intenção dos lobbies de direitos autorais e de fabricantes de softwares seria, de acordo com Amadeu, impedir a livre circulação de ideias e bens virtuais pela rede de computadores. “Só assim podem impedir o cidadão comum de parar um projeto como esse (o substitutivo de Azeredo), com tantos e poderosos interesses econômicos”, alega. “Não é à toa que colocamos o apelido de AI-5 Digital, porque o que se quer é estabelecer um Estado de exceção a partir de uma agenda oculta por trás desse projeto.”

No texto do substitutivo, o artigo 285-A prevê pena de um a três anos de cadeia para quem invadir uma rede de computadores protegida por “expressa restrição de acesso”. A medida, embora vise coibir uma atividade ilegal e resguardar a privacidade dos usuários da rede, parece expressar um exagero jurídico. “É melhor invadir o domicílio de alguém, pois a pena, no caso, é de um a três meses”, ironiza o advogado Vianna, especialista em direito informático. Ele ressalta, ainda, que os termos do parágrafo único do artigo, que aumenta em um sexto a pena de quem, ao invadir o sistema alheio, se valer de nome falso. “O senador partiu do princípio de que existe alguém que pratica esse tipo de ação usando o próprio nome”, afirma. Para Vianna, é preciso, antes de pensar em questões penais, estabelecer uma lei que garanta ao usuário navegar com privacidade, com definições claras sobre, por exemplo, as regras de compartilhamento de arquivos.

Em busca de apoio, Azeredo costuma argumentar que a lei vai reforçar o combate ao abuso sexual de menores. Mas, a essa altura, é uma preocupação desnecessária. Graças à CPI da Pedofilia, presidida pelo senador Magno Malta (PR-ES), uma lei de combate ao crime foi sancionada em novembro de 2008. A nova legislação aumentou a pena máxima de crimes de pornografia infantil na internet de seis para oito anos de cadeia, além de estabelecer punições mais rígidas para a aquisição, posse e divulgação de material pornográfico.

Em outro front da discussão, Azeredo é acusado de usar o substitutivo para satisfazer os interesses do sistema financeiro. Isso porque, ao responsabilizar exclusivamente provedores e usuários pelas invasões de sistemas de informática, o substitutivo poderá inverter uma lógica de proteção ao consumidor já consolidada. Atualmente, os bancos têm ressarcido, sem maiores problemas, os clientes cujas contas bancárias foram esvaziadas por criminosos virtuais. O texto do senador tucano tem potencial para inverter essa lógica. Ou seja, culpar o usuário por não ter proteção adequada para evitar o assalto de hackers. E aí entra outra indústria interessada no assunto, a dos fabricantes de softwares, justamente um dos pilares da Convenção de Budapeste.

“O maior interesse é dos bancos”, afirma Vianna. Segundo ele, os sistemas de segurança bancários no Brasil são precários, baseados em acessos via senhas de quatro a oito dígitos, facilmente quebradas por hackers. “O problema é do banco, não do usuário.” A solução, diz o advogado, seria investir em uma política massiva de assinatura digital, não clonável, mas de custo alto de aplicação. “Mas os bancos preferem pagar os prejuízos causados pelos criminosos do que arcar com esses custos e oferecê-los, de graça, a seus clientes. Por conta do projeto de Azeredo, até isso eles poderão deixar de fazer.”

O primeiro projeto de lei de combate a crimes cibernéticos foi apresentado pelo ex-governador da Paraíba Cássio Cunha Lima, em 1994, então deputado federal pelo PSDB. Antes, portanto, do advento da internet no Brasil, em 1995. Na época, foram identificados dois crimes básicos, o de acesso ilegal a sistemas interligados de informática e a manipulação de dados por meio de roubo de senhas. O assunto foi arquivado pela Câmara dos Deputados, em 1998, com o fim do mandato de Cunha Lima. Em 1999, o texto foi ressuscitado pelo ex-deputado Luiz Piauhylino (PDT-PE) e se transformou no Projeto de Lei 84, base do texto mais tarde modificado, ao longo de dez anos de trâmite no Congresso, até chegar à versão de Azeredo.

Aprovado na Câmara, em 2003, o projeto foi encaminhado ao Senado Federal e Azeredo foi designado como relator. Em 2005, ainda sem alterações relevantes, foi aprovado na Comissão de Educação, depois de discutido em audiência pública. Seria enviado à sanção presidencial, em junho de 2005, quando, justamente, o ex-deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) detonou as denúncias do chamado “mensalão”. A crise política deixou o Congresso paralisado por quase um ano. Além de diversos parlamentares do PT e de partidos da base governista, também o relator Azeredo foi pego de roldão no escândalo. Acusado de liderar o mensalão em Minas Gerais, em acordo com o publicitário Marcos Valério de Souza, Azeredo foi obrigado a renunciar à presidência do PSDB.

O senador tucano continuou relator do projeto, mas o trâmite voltou à estaca zero. No Senado, o projeto passou, novamente, pelas comissões de Educação, Ciência e Tecnologia, Constituição e Justiça, e Assuntos Econômicos. Em julho de 2008, com as modificações definidas no relatório de Azeredo, foi reenviado à Câmara. Lá, tramita, ao mesmo tempo, pelas comissões de Ciência e Tecnologia, Segurança Pública, e Constituição e Justiça. Aprovado nas comissões, será encaminhado ao plenário, sem prazo, ainda, para a votação definitiva.

“A reação ao projeto é fruto de ignorância”, dispara José Henrique Portugal, assessor de Azeredo (o senador, em viagem aos Estados Unidos, não pôde atender o repórter). Ex-funcionário da multinacional IBM e ex-diretor do Serpro, estatal federal de processamento de dados, Portugal é especialista em tecnologia da informação. Embora o substitutivo tenha a assinatura e o aval político e técnico de Azeredo, a redação do texto final ficou a seu cargo. No embate com os ativistas de rede contrários ao projeto, Portugal também substitui o chefe, dado à discrição e ao folclórico axioma mineiro de trabalhar em silêncio.

Na noite de 1° de junho, em Belo Horizonte, foi pessoalmente panfletar em frente ao Teatro Cidade, acompanhado do ex-deputado estadual Amilcar Martins. O texto, embora distribuído sem identificação de origem, foi escrito a quatro mãos com a assessora de imprensa de Azeredo, Isabela Tavares. Eles negam todas as acusações feitas contra o substitutivo, inclusive a intenção de punir os usuários. Só os criminosos estão na mira, dizia o texto distribuído na porta do teatro.

Fonte: Carta Capital

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