quarta-feira, 3 de junho de 2009

Sobre o 'discurso do Cairo', de Obama, dia 4/6

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por Robert Fisk ( 2/6/2009), no jornal The Independent


A maioria dos árabes sabe que o 'discurso do Cairo', de Obama, dia 4/6, fará pouca diferença. O que o que o mundo árabe quer ouvir é que Obama retirará seus soldados das terras muçulmanas.

Cada dia mais, a coisa soa como a velha cantoria que os rapazes de Bush cantarolavam. Não somos contra o mundo muçulmano. De fato, somos ativamente a favor dos muçulmanos. Queremos que tenham democracia... só até certo ponto. Amamos os árabes "moderados" e estendemos a mão e queremos ser amigos deles. Desculpem-nos, o negócio do Iraque. Desculpem – só até certo ponto – o negócio do Afeganistão, e esperamos que vocês entendam aquele pequeno "surge" em Helmand, onde só há vilas de muçulmanos, com paredes finas como papel. E, ah, sim, cometemos erros.

O mundo todo parece estar à espera para ver se Barack Obama cantará a mesma cantoria. Mas não acredito que os árabes estejam tão entusiasmados quanto o resto do mundo.

Não encontrei sequer um árabe no Egito – nem, tampouco, no Líbano, aliás – que realmente acredite que o discurso de Obama no Cairo, na 5ª-feira, dito "de grande alcance" no Ocidente, venha a fazer alguma diferença.

Os árabes viram Obama dar ordens a Bibi Netanyahu – nada de colônias, dois Estados já – e viram Bibi traiçoeiramente anunciar, no dia em quem Máhmude Abbas, o político mais incolor do mundo árabe, estava na Casa Branca, que o projeto colonial israelense na Cisjordânia prosseguirá normalmente. Isso, os árabes viram.

E vejam, por favor, que Obama escolheu o Egito para o mais recente discurso aos muçulmanos, país comandado por um potentado já muito velho – Hosni Mubarak, 80 anos – que usa sua polícia secreta como exército privado para prender defensores dos direitos humanos, políticos da oposição e qualquer um, de fato, que desafie as regras do chefão. E até aqui, ninguém falou de tortura. É muito pouco provável que esse detalhezinho apareça no sermão de Obama. E também é pouco provável que Obama comente a orgia de degolas na Arábia Saudita, quando bater papo com o rei Abdullah na 4ª-feira.

Então, amigos, onde está a novidade? Os árabes, como vejo muito bem, desprezam profundamente o que faz de Washington Washington – o lobbying, a política do poder, a falsificação de todas as confianças e amizades, tudo convertido em linguagem Rooseveltiana – mesmo que os norte-americanos comuns não sejam só isso. Os árabes sabem que os "novos" EUA de Obama são muito suspeitamente muito parecidos com os EUA de Bush e seus rapazes e senhoras.

Primeiro, Obama falou aos muçulmanos pela televisão Al-Arabiya. Depois, falou aos muçulmanos em Istambul. Agora, quer outra vez falar aos muçulmanos no Cairo.

Suponho que Obama dirá: "Prometo nada decidir antes de consultar os árabes e os judeus", além de mais promessas a respeito de ser amigo dos árabes. O problema é que isso foi, exatamente, o que Franklin Roosevelt disse ao rei Abdul Aziz no convés do USS Quincy em 1945, quer dizer: os árabes já ouviram essa conversa. Acho que também ouviremos que o terrorismo ameaça tanto os árabes quanto Israel – outro dos motes de repetição de Bush; – e, sendo Obama presidente recém empossado, é provável que toque aquela do "não abandonaremos os amigos".

Mas para quê? Acho que o que o mundo árabe quer ouvir – não os líderes, é claro, porque os líderes gostam de ter uma nova base aérea dos EUA em suas propriedades – é que Obama retirará todos os seus soldados de terras muçulmanas e deixará livres os muçulmanos (podem ficar os médicos, os professores e as organizações norte-americanas de ajuda humanitária). Só que, por motivos óbvios, Obama não pode dizer nada disso.

Obama pode e com certeza o fará, tentar o mote de sua cantoria global-árabe; que todas as nações árabes serão englobadas na nova paz do Oriente Médio, uma ressurreição da extraordinariamente equilibrada oferta dos sauditas de pleno reconhecimento de Israel, em troca de Israel voltar às fronteiras do acordo de 1967, nos termos determinados pelo Conselho de Segurança da ONU, resolução n. 242. Obama discutirá isso com o rei Abdullah, na 4ª, sem dúvida alguma.

E todos concordarão bem-comportadamente e os jornais e as ditaduras árabes tirarão o chapéu para o cara e o New York Times aprovará estrepitosamente.

E o governo de Israel encarará tudo isso com o mesmo desprezo com que Netanyahu tratou a exigência que Obama lhe fez, de parar de construir colônias para judeus em terra árabe e, de volta ao lar, em Washington, o Congresso fulminará tudo. Então Obama talvez entenda, como os potentados árabes já entenderam, que bela retórica e promessas de paraíso-já nunca, jamais, em tempo algum, apagam a realidade.

Fonte: Vi o Mundo

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