terça-feira, 14 de abril de 2009

Vitória do humor vira piada nos EUA

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Ultrajantemente engraçado, Al Franken (foto) foi popularizado no passado pelo “Saturday Night Live” da NBC. Ao contrário de outros comediantes, investiu cada vez mais na política e numa sátira devastadora de políticos e pregadores hipócritas e corruptos, especialmente personalidades da direita religiosa - como os tele-evangelistas Pat Robertson e Jerry Falwell, então donos de programas de TV. Franken venceu eleição para o Senado, em Minnesota. Republicanos declaram guerra para tentar evitar que ele assuma a cadeira.

Primeiro foi a Flórida. Agora é a vez de Minnesota fazer a eleição nos EUA virar piada. E não porque o democrata Al Franken, que acaba de ser declarado de novo - agora por um painel de três juízes - o vencedor da cadeira para o Senado, um comediante da TV. Mas por causa da obsessão do republicano Norm Coleman, com amplo apoio de seu partido, de rejeitar o resultado no tapetão dos tribunais.

Coleman, ex-prefeito de St. Paul, cargo para o qual fora eleito da primeira vez como democrata e progressista (bandeou-se depois para a direita mais extremista dos republicanos), cumpriu um mandato no Senado (de 2003 a 2009) como beneficiário da morte em acidente aéreo durante a campanha, do senador democrata Paul Wellstone, alvo da difamação adversária. Agora a lambança foi ainda maior.

Na medida em que as pesquisas, durante a campanha, expunham sua sistemática queda na preferência do eleitorado e a ascensão de Franken, Coleman veiculava mais comerciais sórdidos, do baixo nível, preparados pelo estrategista de Bush, Karl Rove. Nos ataques Franken era acusado de planejar o “assassinato de empregos” no estado - e ainda de atrasar o pagamento da pensão da ex-mulher.

Fox News e talk shows em cena

A direção republicana, consciente da ameaça de perda de cadeiras no Senado, injetou milhões em Minnesota para salvar ao menos a reeleição de Coleman. E quando veio um resultado duvidoso a 5 de novembro, segundo o republicano tinha vantagem de 215 votos (num eleitorado de 3 milhões), o candidato republicano “festejou” às pressas, mesmo sabendo que em casos assim tinha de esperar a recontagem automática.

Ao mesmo tempo, entrou em cena o exército da extrema direita republicana na mídia nacional. Nos papéis centrais, o rei do talk show de rádio Rush Limbaugh, alvo da sátira devastadora de Franken num livro; e o campeão de audiência no horário nobre da Fox News, Bill O’Reilly, atingido pelo humor corrosivo de Franken em outro livro. Segundo eles, o comediante estava roubando votos.

Mas know how de roubo de votos quem tem são os republicanos - em especial votos fraudados de eleitores ausentes, uma das técnicas usadas pelo partido para inverter o resultado da eleição de 2000 na Flórida, que deu Casa Branca a Bush. Eles insistem na repetição obsessiva do expediente, mas todas as recontagens mostraram o contrário: a vitória fora de Al Franken, com vantagem ligeiramente maior: 312 votos.

Aparentemente Coleman já percebia que era impossível mudar o resultado final, pois até arranjou outro emprego - o de conselheiro, regiamente remunerado, da Republican Jewish Coalition (Coalizão Judaica Republicana), parte do milionário lobby israelense nos EUA. Mas a ordem do partido foi retardar ao máximo a declaração do resultado, privando os democratas de uma cadeira.

A vingança da direita republicana

A comissão apuradora deu a vitória a Franken a 5 de janeiro, ratificada depois no tribunal. E agora veio a confirmação de um painel de três juízes. Mas Coleman contesta de novo. Como em 2000, houve milhares de votos irregulares de supostos eleitores ausentes (sem os requisitos legais, como carimbo de Correio e testemunhas). Democratas monitoraram tudo, já que fora assim o roubo da Flórida para Bush.

A alegação republicana de que 4400 deixaram de ser contados foi rejeitada pelo painel de três juízes. Eles declararam unanimente que a apuração foi “honesta, precisa e imparcial”. Os juízes rejeitaram duas tentativas de Coleman de subtrair votos de Franken a pretexto de terem sido contados a mais. “Não acho que ataques a tribunais e ao processo eleitoral seja argumento válido”, disse Franken.

Uma decisão do mais alto tribunal do estado só ocorreria no final de maio - ou depois. E se houver recurso à Suprema Corte federal, não se sabe quando a decisão virá. Enquanto isso, Minnesota já está há quatro meses sem uma das duas cadeiras que tem no Senado. Coleman parece menos confiante nos próprios advogados, dada a impossibilidade jurídica, do que no barulho dos destemprados talk shows.

O rei do talk show de rádio, hoje encarado por alguns como o real líder republicano, não perdoa o best seller que Franken dedicou a ele em 1996: Rush Limbaugh is Big Fat Idiot (Limbaugh é um Gordão Idiota). Cinco anos depois, Franken enfeitou a capa de outro livro com O’Reilly, Ann Coulter, Bush, Cheney e a rede Fox Título: Lies - And the Lying Liars Who Tell Them (Mentiras - e os mentirosos que as dizem).

A “conduta imprópria” do partido

Ultrajantemente engraçado, Franken foi popularizado no passado pelo “Saturday Night Live” da NBC. Ao contrário de outros comediantes, investiu cada vez mais na política e numa sátira devastadora de políticos e pregadores hipócritas e corruptos, especialmente personalidades da direita religiosa - como os tele-evangelistas Pat Robertson e Jerry Falwell, então donos de programas de TV.

A rede Fox News, ofendida pela maneira corrosiva como era tratada por Franken no livro Lies, cuja capa ridicularizava o slogan repetido por ela como marca do jornalismo duvidoso que pratica (fair and balanced: honesto e equilibrado), lançou oneroso processo judicial contra o comediante, acusando-o de uso indevido da marca. Mas o desfecho foi a derrota embaraçosa do império Murdoch.

Agora o Partido Republicano insiste em gastar dinheiro na esperança de que os democratas fiquem o maior tempo possível sem aquela cadeira no Senado. Até um importante senador republicano - Orrin Hatch, vice-presidente do Comitê Senatorial Nacional do partido – discordou dessa linha. Declarou que “esse tipo de conduta imprópria não devia ser adotada pelo partido”.

No seu tempo de senador, Coleman estava sempre na tela Fox News. Adotava as causas da mídia de Murdoch, como a campanha em tom macarthista que culpava Kofi Annan, secretário geral da ONU, pelas irregularidades do programa Petróleo por Comida. Mas uma investigação presidida por Paul Volcker, ex-presidentre do banco central dos EUA, isentou Annan de qualquer responsabilidade nas irregularidades.

Blog do Argemiro Ferreira

Fonte: Carta Maior

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