quarta-feira, 8 de abril de 2009

Stiglitz e o simulacro de capitalismo de Obama

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O simulacro de capitalismo praticado por Obama

por Joseph Stiglitz, no New York Times*

reproduzido em 05/04/09 na revista eletrônica Sin Permiso**


Os 500 bilhões de dólares ou mais propostos pelo governo Obama para lidar com os bancos frágeis foram descritos por alguns nos mercados financeiros como uma proposta ganhadora três vezes: sim, sim e sim. Na realidade, é uma proposta ganhadora sim, sim e não: ganham os bancos, sim, ganham os investidores, sim, mas não os contribuintes.

O Tesouro espera nos tirar da crise através da imitação do fracassado sistema de que o setor privado se serviu para levar o mundo à catástrofe, com uma proposta baseada em uma sobrecarga do setor público, excesso de complexidade e falta de transparência.

Vamos nos deter um momento para relembrar o que causou em primeiro lugar a presente crise. Os bancos fizeram com que nossa economia entrasse em dificuldades pela via do super-alavancamento, ou seja, usando volumes relativamente pequenos de capital próprio e endividando-se muito para comprar ativos imobiliários de altíssimo risco. Nesse processo, usaram instrumentos manifestadamente complexos, como as obrigações de dívida colateralizadas.

[Essas obrigações, conhecidas como CDOs, são papéis cujo valor era sustentado pela dívida de mutuários que deixaram de pagar as prestações da casa própria. São esses e outros títulos "tóxicos", ou seja, repentinamente desvalorizados, que contaminaram o sistema financeiro e aos quais se batizou de 'bens tóxicos' ou 'ativos tóxicos ou podres']

A perspectiva de obter elevadas compensações proporcionou incentivos aos executivos para atuar miopemente e correr risco excessivos, não para emprestar dinheiro com prudência. Os bancos cometeram todos esses erros sem que ninguém os advertisse, também porque boa parte do que faziam era feito "fora dos balanços contábeis".

Na teoria, o plano do governo se baseia em deixar que o mercado determine os preços dos "ativos tóxicos" dos bancos, incluindo empréstimos imobiliários excepcionais e títulos baseados nesses empréstimos. Mas a realidade é que o mercado não pode por um preço nos ativos tóxicos em si, mas apenas nas opções de compra desses ativos.

E uma coisa não tem a ver com a outra. O plano do governo, na verdade, é de assegurar [com dinheiro público] quase todas as perdas. Posto que aos investidores privados se empresta o grosso das perdas, o que eles vão precificar serão os ganhos em potencial. Isso é exatamente o mesmo que se fosse dada a eles uma opção.

Considere-se um ativo que tem as mesmas probabilidades de valer ou zero ou 200 dólares ao final de um ano. O "valor" médio do ativo é de 100 dólares. Ignorando os juros, esse é o preço pelo qual se venderia esse bem em um mercado competitivo. É o que "vale" o ativo. Com o plano do secretário do Tesouro Timothy Geithner, o governo emprestaria cerca de 92% do dinheiro necessário para comprar o ativo, mas só receberia 50% de todos os ganhos e absorveria quase todas as perdas. Pequeno sócio!

Suponha-se que uma das associações público-privadas que o Tesouro prometeu criar [para comprar os ativos tóxicos] esteja disposta a pagar 150 dólares pelo ativo em questão. Isso é 50% a mais que seu valor verdadeiro e o banco ficaria encantado de vendê-lo. Assim, o sócio privado [comprador] coloca 12 dólares e o governo entra com o resto: 12 dólares em "valor líquido", mais 126 dólares em forma de empréstimos garantidos.

Se em um ano resultar que o verdadeiro valor do ativo é zero, o sócio privado perde 12 dólares e o governo perde 138. Se o verdadeiro valor é 200 dólares, o governo e o sócio privado dividem em partes iguais os 74 dólares que restam depois de pagar o empréstimo de 126 dólares. Nesse cenário cor de rosa, o sócio privado mais que triplica seu investimento de 12 dólares. Mas o contribuinte, que arriscou 138 dólares, ganha só 37 dólares.

Nem em um mercado imperfeito deveria se confundir o valor de um bem com o valor da opção sobre a alta do preço de um bem.

Mas os norte-americanos se arriscam a perder ainda mais do que estes cálculos sugerem, por causa de um efeito conhecido como "seleção adversa". Os bancos escolhem os empréstimos e os títulos que desejam vender. O que querem é se livrar dos piores bens e sobretudo dos ativos que acreditam superestimados pelo mercado (e, por isso, facilmente sobrevalorizados pelo banco).

Mas o mercado tende a considerar isso, o que levará à diminuição do preço que está disposto a pagar por esses artivos. Somente a vontade do governo de arcar com grandes perdas pode superar o efeito dessa "seleção adversa". Com o governo absorvendo as perdas, o mercado não se preocupa se os bancos estão escolhendo vender seus piores ativos, já que o governo arca com os custos.

O problema principal [dos bancos] não é de falta de liquidez. Se fosse, o que funcionaria seria um plano muito mais simples: liberar fundos a eles sem garantia. O problema verdadeiro é que os bancos fizeram maus empréstimos em cascata e se alavancaram enormemente. Perderam seu capital e esse capital precisa ser substituído.

Vender os bens tóxicos por valores de mercado não funcionará. Só a venda desses ativos acima do preço fará com que haja uma recapitalização adequada dos bancos. Mas pagar a mais [pelos papéis podres] só transfere as perdas para o governo. Em outras palavras, o plano Geithner só funcionará se os contribuintes tiverem enormes perdas.

Alguns norte-americanos temem a possibilidade de que o governo "nacionalize" temporariamente os bancos, mas essa opção seria preferível ao plano Geithner. Além disso, o FDIC [seguradora estatal que garante os depósitos bancários] já assumiu o controle de bancos quebrados e o fez bem. Já nacionalizou grandes instituições como o Continental de Illinois (assumido em 1984 e devolvido a mãos privadas alguns anos mais tarde) e o Washington Mutual (assumido em setembro passado e imediatamente revendido).

O que o governo Obama está fazendo é bem pior que a nacionalização: é um simulacro de capitalismo, privatização de ganhos e socialização de perdas. Uma "sociedade" em que um sócio rouba outro. E as associações -- com o setor privado em posição de controle -- geram incentivos perversos, piores até que aqueles que nos levaram à crise.

Assim sendo, que atrativo tem propostas como essa? Talvez seja o tipo de mecanismo de Rube Goldberg, tão apreciado em Wall Street: complicado e não transparente, suscetível de facilitar enormes transferências de riqueza aos mercados financeiros. No momento, evitou que o governo fosse de novo ao Congresso pedir o dinheiro de que precisa para estabilizar nossos bancos e adiar a nacionalização.

Mas já estamos sofrendo as primeiras consequências de uma crise de confiança. Quando se tornaram evidentes os altos custos do plano do governo, a erosão da confiança será ainda maior. E então, a tarefa de recriar um setor financeiro dinâmico e ressuscitar a economia se tornará mais árdua.

*Joseph Stiglitz é professor de teoria econômica da Universidade de Columbia, foi presidente do Conselho de Assessores Econômicos entre 1995 e 1997 e ganhou o prêmio Nobel de Economia em 2001.

**Tradução amadora e comentada do Viomundo a partir de versão em espanhol

Fonte: Vi o Mundo

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