domingo, 12 de abril de 2009

Qual Dubai? O da Cantanhêde ou o do Independent?

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por Luiz Carlos Azenha, no Vi o Mundo

Quem notou foi o Leo, que indicou o blog em que a crítica foi publicada (que você pode acessar clicando aqui.)

Resumo da ópera: a colunista da Folha escreveu sobre o emirado de Dubai, no dia 09 de abril de 2009, como se fosse um paraíso na terra. Enquanto isso, o jornal britânico The Independent publicou um artigo, no dia 07 de abril, intitulado "O lado sombrio de Dubai". Em resumo, diz que a cidade é construída e mantida com trabalho escravo.

Eu, que conheço Dubai, não faria turismo lá nem pago. A Eliana ou não sabe, ou finge que não sabe, que Dubai é hoje uma das pontes entre a Europa e a Ásia. Por isso, tem capacidade de atrair turistas com facilidade muito maior que o Brasil: as passagens são mais baratas e muita gente faz uma escala lá para descansar. Eu, por exemplo, a caminho do Vietnã, passei uma noite em Dubai. Tenho certeza que fui contado como "turista". Mas eu não pedi para parar lá. O vôo seguinte, da Emirates, só saía no dia seguinte. O texto da Eliane:

Jatos e jatinhos

por Eliane Cantanhêde, na Folha de S. Paulo

DUBAI - O Brasil tem cerca de 190 milhões de habitantes, um litoral extraordinário, a Amazônia, o Pantanal, rios, cachoeiras, montanhas e um clima invejável o ano inteiro. Mas só atraiu 5 milhões de turistas estrangeiros em 2008.

Já o pequeno, e em certa medida "fake", Dubai, com 1,4 milhão de habitantes, recebeu 10 milhões de turistas de todas as regiões do mundo no ano passado e, com eles, dólares e euros. Teve até de importar mão-de-obra especializada, inclusive competentes jovens brasileiros.

O que Dubai tem que o Brasil não tem? Essa é fácil. Tem decisão política, infraestrutura, planejamento. E não tem sujeira nem violência. O fato de ser uma faixa habitada entre os encantos do deserto e o mar muito azul, com calor todo o ano, ajuda, claro. Mas não chega a ser realmente decisivo. Mais do que as condições naturais, em que jamais poderia competir com o Brasil, pesam as decisões governamentais que tanto faltam no nosso país.

De um lado, o xeque Mohammed al Maktoum preserva a identidade e os direitos básicos dos cidadãos; de outro, investe tudo no turismo e corta impostos. Para começo de conversa, Dubai tem a sua própria companhia aérea, a Emirates, privada, com rotas para todos os continentes. Depois, ele atraiu com terrenos e incentivos as grandes redes hoteleiras do mundo, e os hotéis são fantásticos, para todos os gostos e bolsos. O marketing é a alma do negócio. E do país.

O petróleo, hoje, só responde por 3% a 5% do PIB, contra 20% do turismo. O xeque pode ser o símbolo do passado, com seu regime, seus trajes e suas manias, mas é bem mais moderno do que os políticos brasileiros, em muitos sentidos. No Brasil, os políticos querem jatinhos só para eles próprios voarem por aí.

Em Dubai, o xeque tem lá os seus jatos, mas garante as condições para que os jatos privados (como os recursos, públicos ou não) levem turistas, desenvolvimento e bem-estar para a população. Resultado: não se vê um pobre na rua.

*****

E aqui a abertura do texto do Independent -- a íntegra, em inglês, está aqui:

The dark side of Dubai

09/04/2009

Dubai deveria ser o shangrilá do Oriente Médio, um monumento brilhante para o empreendedorismo árabe e o capitalismo ocidental. Mas enquanto os tempos duros chegam na cidade-estado que surgiu das areias do deserto, uma história mais feia está emergindo. Por Johann Hari.

O rosto largo e sorridente do sheik Mohammed -- o governante absoluto de Dubai -- se projeta sobre sua criação. A imagem dele está em prédio-sim-prédio-não, prensado entre símbolos corporativos mais familiares como Ronald McDonald e o Coronel Sanders. O homem vendeu Dubai ao mundo como uma cidade das Mil e Uma Noites, um shangrilá do Oriente Médio protegido das tempestades de areia que atravessam a região. Ele domina o cenário que imita o de Manhattan, sorridente entre as pirâmides de vidro e os hotéis construídos como se fossem pilhas de moedas douradas. E lá está ele, no prédio mais alto do mundo -- uma agulha fina, que avança sobre o céu como nenhuma outra construção na história.

Mas alguma coisa fez piscar o sorriso do sheik Mohammed. Os guindastes que estão em toda parte fizeram pausa, como se tivessem parado no tempo. Há incontáveis prédios meio-acabados, aparentemente abandonados. Nas construções mais arrojadas -- como no vasto hotel Atlantis, um castelo cor-de-rosa gigante construído em mil dias por 1,5 bilhão de dólares em uma ilha artificial, onde água de chuva vaza no teto e os azulejos despencam. Essa Terra do Nunca foi construída no Nunca-Nunca -- e agora as rachaduras começam a aparecer. De repente ela se parece menos com Manhattan no sol do que com a Islândia no deserto.

Assim que o ritmo maníaco de construção parou e o redemoinho perdeu velocidade, os segredos de Dubai aos poucos começam a vazar. Esta é uma cidade construída do nada em apenas algumas décadas de crédito e ecocídio, supressão e escravidão. Dubai é uma metáfora viva em metal do mundo globalizado neoliberal que pode finalmente ter desabado -- na história.

[...]

III. Escondidos à vista

Existem três Dubais diferentes, girando em torno uma da outra. Há os estrangeiros, como Karen; há os emirados, liderados pelo sheik Mohammed; e há a sub-classe de estrangeiros que construiu a cidade e que está presa lá. Ficam escondidos à vista de todos. Você os vê em todo lugar, em uniformes azuis sujos, tomando broncas dos superiores, como uma gangue de presos -- mas você é treinado para não olhar para eles. É como um mantra: o sheik construiu a cidade. O sheik fez a cidade. Trabalhadores? Que trabalhadores?

Todas as noites, as centenas de milhares de jovens que construiram Dubai são mandados de ônibus dos lugares de construção para um bairro de concreto que fica a uma hora de viagem, onde entram em "quarentena". Até anos recentes eles iam e voltavam em caminhões de gado, mas os expatriados [os executivos estrangeiros que são atraídos por altos salários em Dubai] reclamaram que a cena pegava mal, agora os trabalhadores são transportados em ônibus de metal que funcionam como estufas no calor do deserto. Eles suam como esponjas lentamente espremidas.

Sonapur é um bairro de quilômetros e quilômetros de prédios idênticos de concreto. Cerca de 300 mil homens vivem amontoados aqui, em um lugar cujo nome em hindu significa "cidade do ouro". No primeiro acampamento em que eu paro -- com cheiro de esgoto e suor -- os homens me cercam, dispostos a dizer a alguém, a qualquer um, o que está acontecendo com eles.

Sahinal Monir, um homem magro de 24 anos, é de um dos deltas de Bangladesh. "Para fazer você vir, dizem que Dubai é um paraíso. Mas quando você chega vê que é um inferno", ele diz. Há quatro anos, um agente de emprego chegou à vila de Sahinal no sul de Bangladesh. Ele disse aos homens que havia um lugar onde poderiam ganhar o equivalente a 400 euros por mês trabalhando das nove às cinco em construção. Era um lugar onde eles teriam acomodação, comida de qualidade e onde seriam bem tratados. Tudo o que teria que fazer era pagar adiantado o equivalente a 2.300 euros por um visto de trabalho -- um pagamento que Sahinal recuperaria rapidamente depois dos primeiros seis meses de trabalho. Então, Sahinal vendeu a terra da família e fez um empréstimo para seguir para o paraíso.

Assim que ele chegou ao aeroporto de Dubai, o passaporte foi tomado pela companhia construtora. Ele nunca mais viu o documento. Foi informado bruscamente de que trabalharia 14 horas por dia no calor do deserto -- onde os turistas ocidentais recebem a recomendação de não ficar nem mesmo cinco minutos no verão, quando a temperatura atinge 55 graus -- pelo equivalente a 90 euros mensais, menos de um quarto do salário que havia sido prometido a ele [em Bangladesh]. Se você não gostar, foi informado, pode ir para casa. "Mas como posso voltar? Vocês estão com o meu passaporte e eu não tenho dinheiro para a passagem de volta", ele disse. "Então é melhor trabalhar", foi a resposta.

Sahinal ficou em pânico. A família dele -- filho, filha, mulher e pais -- estava esperando pelo dinheiro, animada com a realização de Sahinal. Mas ele teria de trabalhar dois anos só para pagar o custo da viagem até aqui -- e tudo para ganhar menos do que ganhava em Bangladesh.

Ele me mostra o quarto. É pequeno, com beliches de três andares, onde ele vive com outros 11 homens. Todos os seus pertences estão na cama: três camisas, uma calça extra e um celular. O quarto cheira mal, porque os lavatórios no canto do acampamento -- buracos no chão -- estão entupidos com excrementos e nuvens de mosquitos negros. Não há ar-condicionado ou ventilador, assim o calor é "impossível. Você não dorme. Tudo o que você faz a noite é suar e coçar". No alto verão, as pessoas dormem no chão, no telhado, onde quer que possam rezar por alguma brisa.

A água é entregue no acampamento em grandes recipientes e não é dessalinizada apropriadamente: é salgada. "Nos faz doentes, mas não temos nada mais para beber", ele diz.

O trabalho é "o pior do mundo". "Você tem de carregar tijolos e blocos de cimento de 50 quilos no pior calor imaginável. É calor como nada. Você sua tanto que não faz xixi, por dias ou semanas. É como se todo o líquido saísse de você pela pele e você cheira mal. Você fica zonzo e doente mas não pode parar, a não ser por uma hora, à tarde. Você sabe que se derrubar alguma coisa ou se escorregar pode morrer. Se você tira um dia por causa de doença, seu salário será descontado e você ficará preso aqui por mais tempo".

Leia o texto todo. Vai notar que enquanto a colunista da Folha faz propaganda de Dubai, o Independent faz Jornalismo.


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