segunda-feira, 20 de abril de 2009

Pelo financiamento público das campanhas eleitorais

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Pelo financiamento público das campanhas eleitorais

Ricardo Young, presidente do Instituto Ethos, analisa as relações entre o setor privado e o poder público e aponta caminhos para os interessados em participar do processo político de maneira ética.

Agosto está chegando. Mesmo que não consultássemos o calendário, saberíamos pelas manchetes dos jornais: a corrupção entrelaçada com a política volta a ocupar o noticiário e isso sempre acaba em “coisa grande” no mês de agosto, reza o folclore político brasileiro.

Os dois mais recentes envolvem as grandes obras civis e mesmo os futuros empreendimentos que dependem dos planos diretores das cidades.

Estes fatos merecem uma reflexão à luz da ética e da transparência nos negócios, pilares da responsabilidade social empresarial.

Tanto a operação “Castelo de Areia” quanto a doação feita pela Associação Imobiliária Brasileira feita a vereadores, esta última dentro da lei, trazem à tona a seguinte constatação: não há como discutir uma mudança na relação governo x setor da construção civil / imobiliário enquanto o único grande cliente e motor do segmento for o poder público. Nas condições de hoje, empreiteiras e imobiliárias precisam “capturar” o setor público de qualquer maneira para garantir a continuidade dos negócios. Então, os financiamentos eleitorais, dentro da lei ou como caixa-dois, representam o seguro para as obras e os negócios em andamento; ao mesmo tempo, partidos políticos e órgãos públicos, beneficiários destes recursos, tornam-se avalistas das obras e transformam as empresas em reféns dos seus próprios projetos.

Com eleições a cada dois anos – e a possibilidade de revisão dos contratos com a mudança de comando ou legislatura –, este círculo vicioso permanece constantemente alimentado. A fragilidade é tal que nenhuma construtora ou imobiliária é de capital aberto.

De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), apenas duas construtoras distribuíram a todos os partidos, nas últimas eleições, entre 6 e 11 milhões de reais. Nos últimos cinco anos, onze operações da Polícia Federal envolveram doações irregulares para caixa de eleições.

Por mais controles que se façam, não há como resolver esta corrupção endêmica. A questão vai além da vontade individual ou unilateral do político, do partido ou do servidor público. Em que pese a atuação da Polícia Federal, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), do Tribunal de Contas da União (TCU), da Controladoria Geral da União (CGU), dos tribunais de contas locais e de outros órgãos governamentais; em que pese a obrigatoriedade da prestação de contas dos partidos políticos e da maior transparência dos gastos de todos os órgãos de governos, já passou da hora de agir. Precisamos mudar os financiamentos de campanhas eleitorais e os processos de licitação pública.

O Instituto Ethos não é contra as doações a partidos políticos. Pelo contrário, considera que estes recursos são importantes para a livre circulação de idéias e para o amplo debate das questões que dizem respeito a todos os brasileiros. Mas é preciso impor limites estritos, pois, na verdade, o dinheiro acaba indo para as mãos de poucos políticos que, assim, acabam por controlar o próprio orçamento, seja federal, estadual ou municipal.

É preciso estabelecer novas relações entre o setor privado e o poder público no que tange a campanhas eleitorais e licitações. E o segmento de construção civil, alvo e réu na maioria dos processos, deveria dar o exemplo e adotar um posicionamento setorial em favor do financiamento público de campanhas e tornar transparente para a sociedade o montante doado, por meio de relatório próprio.

Eu sei, muita gente já está de cabelo em pé e os argumentos são plausíveis. O financiamento público continuaria ineficaz contra o caixa-dois. No entanto, ele tornaria as empresas mais expostas ao escrutínio dos eleitores. Hoje, só ficamos conhecendo as quantias astronômicas que movimentam as máquinas partidárias se e quando há alguma operação policial.

O atual sistema é perverso: ele vai consolidando a chantagem como forma de se fazer política, enredando empresários, políticos e servidores numa teia na qual todos são reféns de todos. Com isso, destrói-se a supremacia da coisa pública como finalidade última da vida política. Os grandes investimentos sociais dos quais somos tão carentes ficam à mercê dos interesses particulares e mesquinhos.

Não será dos políticos que virá a solução. É a sociedade que precisa se mobilizar e os empresários comprometidos com a responsabilidade social, que já tomaram à frente de tantas outras demandas cidadãs, precisam protagonizar mais uma: o financiamento público das campanhas políticas. E a punição violenta para todos os beneficiados com o caixa-dois.

Fonte: Carta Capital

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