terça-feira, 7 de abril de 2009

Obama e o genocídio na Turquia

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Problema de Obama na Turquia: genocídios

por Robert Fisk

The Independent, UK


Trata-se de cumprir promessas de campanha. Barack Obama não prometeu discursar de uma "capital muçulmana" antes de completados seus 100 primeiros dias? Teria de ser país moderado, seguro. Onde melhor, se não da nação islâmica/secular de Mustafa Kemal Ataturk, a Turquia, cujos governantes conversam tanto com Síria quanto com Israel, com o Iran tanto quanto com o Iraque? Mas quando a cavalaria de Obama tomou o rumo do coração do Império Otomano, na noite de ontem, ele e seus pomposos corneteiros iam rezando para que o presidente não tenha de usar a palavra-G, G, de genocídios.

Bem, se não fosse agora para a Turquia, só lhes restaria pisar campo muito mais perigosamente minado dia 24 de abril, para honrar outra promessa de campanha: chamar de "genocídio" o massacre de 1,5 milhão de cristãos armênios, em 1915, pela Turquia. Os candidatos Clinton e Bush Jr. fizeram a mesma promessa, à caça dos votos dos armênios; imediatamente quebraram a promessa, quando os generais turcos ameaçaram bloquear o acesso às bases aéreas norte-americanas e pôr fim aos negócios EUA-Turquia depois que os candidatos fossem eleitos.

Não se trata de mera disputa acadêmica na qual Obama possa escolher não entrar: é arriscado confronto com a verdade histórica, um pântano explosivo de ossos e velhas fotografias – além de alguns poucos sobreviventes –, entre os quais o presidente dos EUA tem de andar com dignidade, ou recuar sob escândalo e vergonha; e todo o Oriente Médio estará atento, à espera dos resultados.

Para os palestinos – muitos dos quais, ironicamente, são muçulmanos sunitas, a mesma religião dos turcos otomanos assassinos – é questão crucial.

Se Obama não pode correr o risco de ofender os aliados turcos dos EUA, sobre uma perseguição antiga de 94 anos... Que chance há de que se arrisque a ofender Israel, aliado muito mais poderoso dos EUA; e condene a ocupação de terra palestina; as colônias ilegais que não param de crescer na Cisjordânia; e a já rotineira destruição de casas de palestinos que impedem que se crie um Estado palestino?

Começando dia 24/4/1915, o exército e as milícias de Enver Pasha cercaram quase toda a comunidade armênia, massacraram centenas de milhares de homens e desencadearam marchas da morte de mulheres e crianças pelos desertos de Anatolia e pela região que hoje é o norte da Síria. Historiadores especialistas, entre os quais muitos israelenses que estudam o genocídio de judeus, concordam que as valas de execução em massa, a degola, os estupros e sequestros em massa – com uso também de primitivas câmaras de sufocamento – foram, sim, genocídio sistemático.

E é importante lembrar exatamente o que Obama publicou em seu website de campanha, em janeiro de 2008. "O genocídio de armênios não é alegação, opinião pessoal ou hipótese teórica; é fato amplamente documentado e comprovado por impressionante corpo de evidências históricas. Os EUA merecem um presidente que diga a verdade sobre o genocídio de armênios e reaja contra todos os genocídios. Quero ser esse presidente." Não há, portanto, meio fácil de escapar do prometido. Ou, pelo menos, parecia que não houvesse.

Fato é que o governo já começou a inventar vias para escapar. "Nesse momento", disse mês passado Mike Hammer, um dos porta-vozes do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca, "estamos focados em como, sem parar de avançar, os EUA podem ajudar a Turquia e a Armênia a construir algum acordo sobre o passado ". É muito significativo que Obama tenha autorizado esse tipo de declaração, com todos os clichês sobre "avançar" e "construir acordos".

Nem palestinos nem árabes em geral tentaram – nem deveriam tentar – comparar o massacre de 1915 e o tratamento que Israel dá hoje aos palestinos, mas há semelhanças históricas que os preocupam, com muita razão.

Os turcos alegam que começaram a matar armênios na cidade de Van como reação à ação de insurgentes armênios apoiados por uma superpotência regional, naquele caso a Rússia czarista, que atacaram os turcos na Anatólia leste. Israel alegou que bombardeou Gaza em dezembro e janeiro passados porque "terroristas" palestinos, apoiados por uma superpotência regional (o Iran), lançavam foguetes contra israelenses.

Os paralelos políticos não são exatos, é claro, mas Israel sequer pode discuti-los, dado que, oficialmente, em primeiro lugar, recusa-se a admitir o genocídio dos armênios.

Mas, no que tenha a ver com Obama, há outros pontos de pressão. Funcionários dos EUA e da Turquia já estão discutindo modos pelos quais Ancara poderia contribuir para a retirada militar dos EUA, do Iraque. E Obama deseja desesperadamente que a Turquia o ajude a abrir uma brecha no mundo muçulmano, pela quais Obama tentará curar as feridas devastadoras causadas ali pelo governo Bush.

Fonte: Vi o Mundo

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