quinta-feira, 9 de abril de 2009

A inviabilidade da paz na Palestina

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por Lejeune Mirhan*

Já falamos muito do novo governo de Israel. É provável que nunca um governo tenha tido tantos deputados em sua base de apoio. São 74 ao todo. E nunca Israel teve tantos ministérios. São 33 ministros, sendo que seis são deputados-ministros. Fala-se na mídia que é uma base heterogênea, da extrema direita fascista até a dita centro-esquerda. Que futuro a paz pode ter nesse cenário?


Netanyahu toma posse no Knesset

"Processos de Paz"

Coloquei aspas nesse subtítulo de forma proposital. Quando se fala que o "processo de paz" corre risco com esse novo governo, induz a maioria dos leitores, com conhecimentos medianos sobre a questão palestina, a chegar à conclusão que existia um processo em andamento. Ledo engano. Os ditos “processos de paz”, que se iniciaram em Madri em 1991 e concluiu-se com o acordo com a OLP em Oslo em 1993, há muito tempo foram interrompidos (1).

Não é a primeira vez que Netanyahu vai governar Israel. Ele o fez entre os anos de 1996 e 1999. Um governo desastroso, no geral, tanto política como economicamente. Um de seus maiores erros e uma afronta ao povo palestino foi tentar, em setembro de 1996, construir um túnel por baixo da sagrada Mesquita de Al Aksa, abalando ainda mais as suas já frágeis estruturas. Isso gerou imensa revolta na cidade de Jerusalém. Em outubro desse mesmo ano ele aprovou a construção de milhares de novas residências em terras palestinas, mais colônias, fortificou 33 delas e construiu 13 rodovias para interligar essas colônias, para uso exclusivo de judeus. Netanyahu nunca defendeu a solução de dois estados. É radicalmente contra isso. Nestes dez anos que ficou na oposição, fortaleceu e se convenceu ainda mais dessa posição.

Do ponto de vista do povo palestino, nestes 61 anos da Nabka (Catástrofe, em árabe; 14 de maio de 1948, criação de Israel) pouco importa se um governante israelense pertence ao Partido Trabalhista, Likud ou ao mais recente Kadima (racha do Likud). São todos praticamente iguais. Não há quase diferenças entre eles. E para provar isso, veja o discurso de Ehud Barak, proferido há exatos dez anos, em 1999, quando ele substituiu o atual Netanyahu: “Digo-lhes que é chegado o tempo da paz – não a paz da fraqueza, mas a paz com poder e segurança; não a paz às expensas da segurança, mas paz que traga segurança. Trataremos de nos separar rapidamente dos palestinos, mediante quatro linhas vermelhas de segurança: Jerusalém unificada sob soberania de Israel, como capital eterna de Israel. E ponto final. Sob nenhuma condição voltaremos às fronteiras de 1967. Nenhum exército estrangeiro, a oeste do rio Jordão. E a maioria dos colonos em Judeia e Samária viverão em prédios construídos ali, sob soberania de Israel [grifos nossos]. (sic)"

Nada disso mudou. Essas posições mantém-se cristalizadas, sejam expressas pelos políticos trabalhistas (que uns equivocadamente ainda acham que são “socialistas” ou mesmo social-democratas) ou membros do Kadima ou Likud, bem mais à direita. Como diz Baroud em seu belo artigo citado, para os quase 1,4 mil mortos em Gaza pouco importa se as bombas que caíram sobre suas cabeças foram disparadas por este ou aquele partido de centro ou de direita. Morreriam de qualquer forma.

Um governo heterogêneo

Netanyahu é de extrema direita. Avigdor Liebermann também, beirando ao fascismo. Ele mesmo é colono em terras palestinas. A diferença do partido que ele lidera com o Shas, é que ele expressa uma direita laica, não religiosa e os outros são judeus ultra-ortodoxos com relação à religião. Defendem a manutenção do caráter judeu do Estado de Israel.

Um dos intelectuais judeus a que mais admiro na atualidade é, sem dúvida, Uri Avnery, escritor israelense. Uma interessante análise ele tem feito sobre a chamada heterogeneidade do novo governo, com seus 74 deputados. Nesse governo conviverão fascistas de direita com gente dita de centro-esquerda; secularistas com ultra-religiosos. Para ele, Netanyahu fez isso de forma muito consciente. Uma situação de equilíbrio ideal. O chefe de governo pode lançar mão ora de deputados de um lado ora de outro e manter-se como uma espécie de equilibrista entre as várias correntes (2).

São cinco as grandes lideranças do novo governo: Netanyahu, do Likud, Barak, do Labor, Liebermann, do Beitenu, Ellie Yishai, do Shas e Danny Hershkovitz, do Lar Judeu. Considerando Barak o “mais moderado”, mas que na prática é homem de direita, da para ver que essa “turma” tem espectro ideológico extremamente conservador.

Segundo Avnery, eles têm pelo menos três unanimidades: 1. São totalmente contra a criação do Estado Palestino, em qualquer que seja o território; 2. Não conversam com o Hamas e 3. Apoiam decisivamente a ocupação e a expansão da colonização. Ora, assim nos resta indagar: como podemos ter alguma esperança com a paz? Não podemos.

Aqui há um agravante: Barak foi quem cunhou pela primeira vez a frase que ficou famosa: “não temos parceiros para a paz”. Foi assim desde Arafat. Este foi desmoralizado, foi atacado, foi humilhado, chegou a ficar sitiado, preso na sede do governo da Autoridade Palestina em Ramallah na Cisjordânia. Ninguém negociava a sério com a OLP. Isso porque na verdade Israel não quer e nunca quis a paz. Tudo é dissimulado. É um jogo de cena, de declarações dúbias, com sentido distorcido, figurado. Tudo é mascarado. Fala-se mentiras com ares de verdade. É um jogo da política mais falsa que pode existir.

Aqui vem uma conclusão de Avnery com a qual estou plenamente de acordo. Israel hoje se moveu bem mais á direita do que já se situava. Em contrapartida, o Império do Norte, os Estados Unidos, moveram-se ao centro. Há sinais de algum progressismo no novo governo americano. Como há um absoluto consenso entre israelense que o papel dos Estados Unidos é primordial para Israel, a equação não se fechará, apesar de toda a unanimidade no governo direitista de Israel, pelo fator que é Barak Obama.

Obama quer resolver a questão palestino-israelense. Ou melhor, ele precisa resolver essa questão. Não pode querer manter-se em conflito em várias partes do mundo, sustentar pelo menos 865 bases militares no planeta, seguir ocupando dois países, administrar um conflito quase secular (palestinos), em meio a uma imensa crise econômica que sangra em trilhões de dólares o já combalido tesouro estadunidense. É preciso distensionar.

Várias promessas de campanha de Obama ele poderá cumprir. Uma delas ele cumpriu no último final de semana. Disse, em campanha, que antes dos cem dias de seu governo, ele discursaria em um país muçulmano. Ele que tem nome muçulmano (Barak Hussein). E cumpriu. Falou em Ancara, capital da Turquia, um governo secular em um país quase que 100% islâmico. Mas mais do que isso. Recep Erdogan é amigo dos Estados Unidos, mas com excelente trânsito com o mundo árabe e com os palestinos. Vamos ver se ele cumprirá o que escreveu em sua página de campanha, no sentido de que a Turquia reconheça o massacre dos armênios de 1915, quando 1,5 milhão de armênio foram mortos. Foi à Turquia, mas silenciou-se sobre esse tema. Mas, esta ainda no início de governo.

Como dialéticos temos que ver na essência e não somente na aparência. Não acreditaremos no que Netanyahu falará ao mundo. Ele vai tentar enganar até o presidente dos Estados Unidos. Obama poderá ser o marido traído, como diz Avnery, ou enfrentar o poderoso lobbie judaico americano e tentar uma solução de Dois Estados, Dois Povos, defendida até pelo seu antecessor de direita, que foi Bush Jr.

Quanto a isso, somente os próximos meses é que nos responderão a essa questão. De minha parte, espero que Obama deseje, sinceramente, uma paz verdadeira e justa. Netanyahu, sabemos, não deseja.

Notas:
(1) Boa parte das informações contidas no artigo desta semana, extrai do excelente trabalho de Ramzy Baroud, cujo título é “Netanyahu e o futuro do ‘processo de paz’”, que pode ser lido no endereço: http://www.counterpunch.org/baroud03272009.html

(2) Veja excelente artigo de Avnery “Biberman & Co” de 29 de março de 2009, que pode ser lido na página: http://zope.gush-shalom.org/home/en/channels/avnery/1238277190/


*Lejeune Mirhan, Presidente do Sindicato dos Sociólogos do Estado de São Paulo, Escritor, Arabista e Professor Membro da Academia de Altos Estudos Ibero-Árabe de Lisboa, Membro da International Sociological

Fonte: Vermelho

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