domingo, 19 de abril de 2009

"Folha" rumo ao esgoto: ficha de Dilma era falsa? Debate em SP lembra papel dos jornais na ditadura

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por Rodrigo Vianna

Participei neste fim-de-semana de debate organizado pelo "Fórum dos Ex-presos Políticos de São Paulo". O tema: "O papel da mídia na democracia e durante a ditadura militar".

O encontro ocorreu no "Memorial da Resistência", sede do antigo DOPS - base policial comandada, durante a ditadura, pelo Delegado Fleury, conhecido torturador de presos.

Abri minha participação ressaltando um fato sintomático: o debate acontecia no mesmo dia em que a "Folha" abriu manchete em alto de página para destacar que pode ter usado uma ficha falsa do DOPS para "colar" em Dilma Roussef o selo de "terrorista".

Depois de estampar a ficha na primeira página, "Folha" agora avisa que vai checar se é verdadeira!

A tal ficha foi usada para ilustrar "reportagem" sobre a participação da ministra no sequetsro que nunca existiu: o sequestro do ex-ministro Delfim Netto. O selo "capturado" não era comum em fichas desse tipo no DOPS. Documento pode ter sido forjado por sites de "extrema-direita". A "Folha", pelo visto, mantem as velhas parcerias...

Estava já evidente que a tal "reportagem" fora feita sob encomenda para ser usada no programa politico de 2010. O uso de uma falsa ficha do DOPS seria apenas um passo a mais na caminhada da "Folha" rumo ao esgoto. Veja os detalhes aqui: http://www.vermelho.org.br/base.asp?texto=54571.

Suspeito que atitudes como essa por parte de um jornal que, poucas semanas antes, usou a expressão "ditabranda" para se referir à ditadura brasileira, serviram para mobilizar mais gente em torno do tema.

Talvez por isso a presença de público tenha sido tão grande no debate de sábado. Eu imaginava uma reunião pequena, com 30 ou 40 ex-militantes contando suas histórias. A sala recebeu mais de 150 pessoas - incluindo muitos jovens: estudantes, trabalhadores e sindicalistas da nova geração.

Claro que lá estavam também veteranos militantes, que contaram suas experiências e trouxeram relatos importantes. Francisco de Oliveira Prado, Chicão, afirmou: "fui preso na OBAN; mas queriam me trazer para o DOPS pra depor; sabe como eu vim da Rua Tutóia para DOPS? Num carro da "Folha"!"

Tive a honra de compor a mesa, ao lado de Alípio Freire (jornalista, editor do Brasil de Fato, e ex-preso político) e Beatriz Kushnir (autora de "Cães de Guarda", livro que narra com detalhes a promiscudade entre o grupo "Folha" e a ditadura).

Não vou reconstituir tudo o que se discutiu lá. A fala de Beatriz trouxe dados valiosos sobre a promiscuidade entre jornalistas e censores durante a ditadura. Alípio ressaltou o "cinismo" da "Folha" ao falar em ditabranda.

Li para o público editoriais e manchetes dos jornais brasileiros, publicados em abril de 64: todos comemoravam o golpe contra um presidente constitucional, João Goulart. Ou seja, a "Folha" não foi a única a colaborar com a ditadura. Foi, "apenas", o jornal que chegou mais longe na colaboração, emprestando até carros de entrega de jornal para transportar presos politicos.

Centrei minha fala no seguinte tema: a ideia de que a imprensa deve ser neutra, independete, plural é algo recentíssimo na história brasileira. Trata-se de uma máscara ideológica com a qual os jornais passaram a se apresentar ao público no pós-ditadura.

A "Folha" foi a pioneira, vendendo a imagem de "pluralismo" e "independência" (e assim - de quebra - escondia o passado nebuloso). Obrigou outros diários (e até TVs) a correrem atrás dessa "imagem". Ou miragem?

Isso durou duas décadas, aproximadamente. Do ano 2000 pra cá, a imprensa vem retirando a máscara. A pioneira foi a Veja, seguida por Globo, Folha e os outros.

A questão é: que vantagem levam em baixar a máscara? Não seria mais conveniente - pra eles - seguir vendendo a imagem da "neutralidade"?

Essa questão ainda merece mais reflexão.

Mas o fato é que estão baixando as máscaras. Diogo Cão, Cidadão Frias Ratzinger e outros são ótimos pauteiros: ajudam o público a entender melhor como opera a chamada "grande mídia". Ao dizerem que "não somos racistas", por exemplo, fazem a sociedade debater o tema. Ao escreverem editoriais sobre a "ditabranda", levam os mais jovens discutirem a ditadura (incluindo o papel que a própria "Folha" teve na ditadura).

Sem querer - por incompetência ou vaidade - prestam um grande serviço ao público. Portanto, deixemos essa turma trabalhar: eles não percebem como são didáticos para os brasileiros!

Os jornais (no mundo) nasceram como órgãos de defesa de opinião, eram feitos para divulgar teses de facções politicas (foi assim, por exemplo, na Revolução Francesa: Robespierre, Danton, Desmoulins tinham seu jornais e , com eles, tentavam conquistar público para suas teses; não havia a ilusão de "neutralidade").

No debate do último sábado, lembrei - no caso brasileiro - de um dos primeiros diários publicados no Rio, em 1823, pelos Andrada (José Bonifácio e irmãos): "O Tamoio" era um jornal de opinião, feito para travar debate na Assembléia Constitunte que se instalava no pós-independência.

Ao longo de décadas, e séculos, os jornais foram assumidamente órgãos de facção. O que vemos hoje no Brasil é apenas a volta da mídia ao velho leito. Nada mais que isso.

Será que devemos pedir que a mídia volte a ser "plural"? Devemos escrever cartas para os jornais? Isso não seria ingenuidade?

Ou devemos construir outra imprensa: nos blogs, sites e internet?

2010 vai mostrar como a velha mídia brasileira levará ao limite esse movimento de regressão ao partidarismo aberto. A ficha de Dilma foi só o aperitivo.

Devemos implorar que a mídia não seja aquilo que ela nasceu para ser? Seria como implorar ao carrasco: por favor, não corte minha cabeça...

Fonte: O Escrevinhador

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