segunda-feira, 20 de abril de 2009

Doações eleitorais ou investimentos de curto prazo?

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Passado um quarto de século muita coisa mudou. Vejo listas de empreiteiras de obras públicas, por exemplo, pondo fortunas em candidatos de diferentes partidos. Sabem que, qualquer que seja o resultado eleitoral, terão os seus interesses empresarias assegurados.

Sempre me intrigou esse negócio de doações para campanhas eleitorais.
Ao ler nas folhas que tal empresa havia dado tantos milhões de reais
para determinado candidato, perguntava a mim mesmo: qual o interesse?
Altruísmo, civismo, compromisso com o fortalecimento da democracia? E
me contentava com a explicação de que afinal aquele candidato
representaria no Parlamento os interesses dos doadores.

Na volta à democracia, no início dos anos 1980, até que dava para
acreditar nisso. Senti na pele o problema. Em 1982, participei como
candidato a Vereador em São Paulo, do pleito que combinou a escolha
dos representantes parlamentares nos municípios, estados e União com a
primeira eleição direta para os governos estaduais desde 1965. E que
foi também a estréia eleitoral do PT, meu partido.

Lembro de participar de inúmeros debates com candidatos adversários.
Em universidades, sindicatos, igrejas, jornais, rádio e televisão
(apesar da famigerada Lei Falcão) discutíamos os problemas da cidade.
Do trânsito ao esporte, passando obviamente pela saúde e pela
educação. Na redação de um jornalão um candidato do PMDB também não se furtava às criticas e, muitas vezes, concordava comigo. Mas quando o
tema era o transporte coletivo ele tergiversava ou simplesmente se
calava. Soube depois que sua campanha era majoritariamente bancada
pelas empresas de ônibus, concessionárias dos serviços de transporte
coletivo na capital. Seu nome se espalhava em faixas e cartazes por
toda a cidade.

De minha parte, os recursos pingavam numa lista de doações organizada
pelos colegas jornalistas e professores da PUC que separavam alguns
cruzeiros dos salários minguados para ajudar na campanha. Faziam isso,
suponho, porque conheciam o candidato e viam nele um possível
porta-voz das suas próprias idéias e desejos sociais. Festas pagas
também ajudavam, mas não muito. Às vezes gastava-se mais do que se
arrecadava. Valia pela animação e pela sensação de se estar
participando do início de uma fase nova da história do Brasil. Mas as
faixas e os cartazes eram minguados.

Até ai, apesar da desproporção absurda existente entre os recursos
doados às campanhas pelos empresários de ônibus e pelos colegas
jornalistas e professores, pode-se dizer que os candidatos
representavam aqueles que os financiavam. E, em alguns casos, a
diferença de recursos materiais era compensada pela mobilização
ideológica, levando candidatos sem apoios empresariais a ter mais
votos do que aqueles fornidos de dinheiro.

Passado um quarto de século muita coisa mudou. Vejo listas de
empreiteiras de obras públicas, por exemplo, pondo fortunas em
candidatos de diferentes partidos. Sabem que, qualquer que seja o
resultado eleitoral, terão os seus interesses empresarias assegurados.
As conseqüências podem ser vistas em diversos setores da sociedade. Na
educação privatizada, na saúde pública sucateada e nas cidades
inviáveis.

Fiquemos neste último exemplo, onde a compra de candidatos torna os
resultados mais visíveis. Bairros inteiros de São Paulo têm seus usos
modificados para atender a sanha dos financiadores de campanha que,
por eles, loteavam até o Parque Ibirapuera. Ruas calmas de unidades
habitacionais unifamiliares onde, num quarteirão, moram no máximo cem
pessoas, transformam-se numa penada em paliteiros abrigando milhares
de paulistanos. São igualmente milhares de carros trafegando no mesmo
espaço onde antes eles não chegavam a centena, para não falar das
sobrecargas nas redes elétrica (transformadores explodindo nos postes
a todo o momento), hidráulica, de saneamento e telefonia.

Nada disso interessa às empreiteiras. O objetivo delas é apenas
comercial. E para isso contribuem com as campanhas de vereadores e
prefeitos sabendo que os seus interesses serão ardorosamente
defendidos. Já os dos cidadãos...

Fecha-se um circuito nefasto no qual o candidato é um simples
intermediário entre as empresas e os eleitores. Chega-se à beira do
estelionato eleitoral na medida em que o cidadão vota num candidato,
ou mesmo num partido, quando na verdade o que ele está levando ao
poder são os interesses de uma empresa ou de todo um setor
empresarial. Claro que há exceções, mas infelizmente elas estão
ficando cada vez mais raras.

De forma transversa, voltamos à democracia censitária do Primeiro
Reinado quando a Constituição outorgada, em 1824, por D.Pedro I
estabeleceu o direito de voto apenas para homens com renda acima de
determinado patamar. Hoje todos votam, mas só se elegem os que
conseguem ?doações eleitorais? acima de patamares cada vez mais
elevados. As exceções mencionadas servem para manter a aparência da
igualdade democrática.

Fica claro, portanto, que a expressão "doação eleitoral" usada pela
Justiça e pela mídia não passa de um mero eufemismo. Na realidade
trata-se de investimento de curto prazo para quem financia campanhas
eleitorais. Os dividendos são quase automáticos, recebidos através da
manutenção de privilégios privados em detrimento dos interesses gerais
da sociedade.

O financiamento público das campanhas, articulado com a implantação do
voto distrital misto, são instrumentos óbvios para reduzir essas
práticas anti-democráticas. Mas quem deveria tomar as iniciativas de
mudança são os mesmos parlamentares "eleitos" pelos grupos
interessados apenas em manter tudo como está. A convocação de uma
Assembléia Nacional, eleita sem os vícios aqui apontados e voltada
para objetivos específicos e claramente definidos, é mais do que
urgente. Será pedir muito?

*Laurindo Lalo Leal Filho, sociólogo e jornalista, é professor de Jornalismo da ECA-USP e da Faculdade Cásper Líbero. É autor, entre outros, de “A TV sob controle – A resposta da sociedade ao poder da televisão” (Summus Editorial).

Fonte: Carta Maior

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