terça-feira, 21 de abril de 2009

Direitos humanos - Crimes por desacato devem ser abolidos no mundo, diz relator da ONU, Frank La Rue

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Em entrevista a Terra Magazine, o relator para a Liberdade de Opinião e Expressão da ONU, o guatemalteco Frank La Rue, fala sobre os crimes contra a liberdade de expressão. "Eu defendo que os crimes por desacato devem ser abolidos no mundo todo, porque no mundo democrático atual não há lugar para este tipo de crimes", diz La Rue.

"Fundamentalismo é contra liberdade de expressão"

por Juan Francisco Alonso
Caracas (Venezuela)

Em agosto do ano passado, o advogado e jornalista guatemalteco Frank La Rue entrou para a história como o primeiro latino-americano a ser relator para a Liberdade de Opinião e Expressão das Nações Unidas (ONU), cargo ocupado por quem zela para que todos os cidadãos do planeta possam receber e emitir todas as opiniões e informações que desejarem.

No entanto, o ex-comissário presidencial para os Direitos Humanos da Guatemala reconhece que a tarefa não é fácil. Por um lado, porque encara esse desafio com recursos econômicos tão baixos que lhe permitem realizar apenas duas viagens de investigação por ano; e, por outro, porque as ameaças a essa garantia são mutáveis como os vírus.

La Rue, de passagem por Caracas para realizar uma palestra, concedeu esta entrevista ao Terra Magazine minutos antes de partir, e nela evitou manifestar-se a respeito da situação da Venezuela, argumentando que a sua visita era "acadêmica e não de investigação", mas fez referência à situação mundial, à qual classificou de "preocupante".

Como o senhor avalia a situação da liberdade de expressão no mundo?
Registramos progressos, mas ainda existem problemas (...). O mundo está dividido em conflitos étnico-culturais muito sérios. Penso que é preciso criar uma cultura de respeito. Existem estereótipos e povos, como o islâmico, que têm sido estereotipados e marginalizados através dos meios de comunicação. Isso tem que ser corrigido, mas não da forma como querem algumas nações árabes: estabelecendo a censura. A censura não é uma alternativa. Alguns países islâmicos querem estabelecer nas suas leis o crime de difamação religiosa, o qual não existe, porque a difamação procura proteger a honra de uma pessoa, não de uma religião. As religiões podem ser estudadas e comentadas como teorias econômicas e filosóficas. Os fundamentalismos são um atentado contra a liberdade de expressão, mas não apenas os fundamentalismos religiosos, mas os políticos também. Temos que criar uma cultura de pluralismo.

Durante o tempo em que está responsável pelo Relatório, com quais outras ameaças já se deparou?
Para mim é inaceitável que grupos que divergem da opinião dos meios de comunicação ataquem as suas infraestruturas, como vi, por exemplo, em Katmandu (Nepal), onde o atual primeiro-ministro declarou que os meios de comunicação já o criticaram muito antes, mas que agora que está no governo não podem mais fazê-lo. Em minha opinião, essa é uma nova forma de hostilidade contra os meios de comunicação.

Nos países do hemisfério ocidental, como a Venezuela, também há registros de situações semelhantes.
Esta é uma visita de caráter acadêmico e não de investigação. Não vim à Venezuela para realizar qualquer investigação, nem para me manifestar sobre o país. Adoraria fazê-lo, e realmente gostaria de poder conversar com o presidente Hugo Chávez. Aliás, aproveito para solicitar um encontro para conhecê-lo e poder conversar com ele.

Mas a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou recentemente a Venezuela justamente por isso que o senhor chama de "a nova forma de hostilidade contra os meios de comunicação", pois do ano 2000 até agora, dezenas de jornalistas e trabalhadores das emissoras de televisão Radio Caracas Televisión e Globovisión foram agredidos por simpatizantes do governo. No entanto, as autoridades não cumpriram a ordem da Justiça para investigar esses ataques e punir os responsáveis.
Cabe à Justiça dar seguimento ao cumprimento das suas sentenças. Eu tenho o maior respeito pela Justiça, e acredito que ela é o órgão mais avançado que o mundo tem em matéria de liberdade de expressão, mais inclusive do que o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. Incentivo todos os países do hemisfério ocidental a aceitar e aplicar os termos das suas sentenças.

A Venezuela, como outros países da região, ainda não cumprem outro mandado da Corte Interamericana: anular os crimes por desacato; pelo contrário, na reforma do Código Penal, realizada pelo parlamento em 2005, as penas por crimes como injúria e difamação foram endurecidas.
A sensibilidade dos funcionários públicos é um problema sério para a liberdade de expressão. Eu fui funcionário público no meu país e as críticas mais duras que recebi foram das Organizações dos Direitos Humanos, que são a minha origem. Penso que todos os funcionários devem entender que o cargo público supõe estar aberto a críticas, fundamentadas ou não. Um funcionário público não pode ter essas sensibilidades e suscetibilidades, porque o cargo público não pode ser usado para defender a pessoa que o ocupa, mas para buscar o bem comum.

Todos os funcionários, do escalão mais baixo ao mais alto, devem estar absolutamente abertos a receber todas as críticas e a recebê-las com respeito e seriedade, mesmo que não sejam corretas ou fundamentadas. Eu defendo que os crimes por desacato devem ser abolidos no mundo todo, porque no mundo democrático atual não há lugar para este tipo de crimes. Também penso que devem ser eliminados os crimes de difamação para os funcionários no exercício dos seus cargos.

Nos nossos países, parece que há a tendência de proteger excessivamente os funcionários, como se eles tivessem mais direitos que os outros cidadãos. Os funcionários estão acima dos cidadãos?
Penso que os funcionários devem ter certa proteção para impedir que a sua gestão seja dificultada, mas essa proteção pode permitir a crítica, porque essa proteção acaba se transformando em censura e a censura é antidemocrática.

Fonte: Terra Magazine

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