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Boicote dos EUA a Durban II: tiro pela culatra
por Barbara Crossette, The Nation, 20/4/2009
O governo Obama e os EUA viverão anos, doravante, acossados pelos efeitos danosos de ter decidido boicotar conferência internacional da ONU sobre o racismo e a intolerância, iniciada ontem em Genebra.
Um parágrafo, distribuído pelo Departamento de Estado no sábado à noite, quando todos estavam prestando atenção ao encontro em Trinidad e Tobago. Lá, paradoxalmente, a Casa Branca estava felicíssima por declarar à imprensa a importância que o presidente atribui à diversidade racial e ao multiculturalismo.
Mas o grande teste não foi Trinidad. É Genebra, onde se trata de acompanhar os resultados de outra conferência, em 2001, em Durban, Africa do Sul, cujo discurso foi marcado por rejeição à Israel e ao ocidente. Daquela vez, EUA e Israel retiraram-se da conferência, antes de o documento final ser assinado; e, lá, o documento falava de temas e em termos que têm íntima relação com o que pensam muitos norte-americanos.
Para a conferência de revisão que se realiza hoje em Genebra, muitos países trabalharam durante meses, em negociações duríssimas, para conseguir que se apagasem do relatório todas as ofensas, até construir um documento que os EUA poderiam assinar – e esperança que cresceu com o primeiro presidente afro-norte-americano.
Em vez de considerar toda essa luta, os EUA deram as costas a essa chance de trabalhar para melhorar sua imagem em todo o mundo em desenvolvimento, chance muito mais rica do que qualquer tour europeu que o presidente tente.
Washington fugiu de uma confrontação que muitos ativistas dos direitos humanos em todo o mundo, onde a repressão é sempre mais terrível, teriam agarrado com unhas e dentes. Muitas nações em todo o mundo muito teriam a ganhar se se ouvisse uma palavra de tolerância, do presidente Obama. Agora... os criadores de caso tomaram conta de tudo. Esse 'triunfo' – que é derrota da tolerância –, lhes dará renovada energia para os próximos fóruns da ONU.
Nos EUA, houve reação imediata das organizações que lutam pelos direitos humanos e de outros grupos ativistas. Em declaração à CNN, representante do "Congressional Black Caucus", movimento de negros, declarou-se "profundamente decepcionado" pela decisão. "Se os EUA tivessem mandado uma delegação de alto nível, em que se visse a riqueza da diversidade, então sim, haveria importante mensagem, a todo o mundo, de que somos capazes de dar bom exemplo", disse o grupo. "Em vez disso, os EUA optaram pelo boicote a conferência, decisão que não faz avançar a luta contra o racismo e a intolerância. De fato, os EUA deram um passo atrás."
Para Juliette de Rivero, representante em Genebra do grupo Human Rights Watch, "O boicote só interessa aos que desejam que a conferência fracasse. Serve aos interesses dos que não querem derrotar o racismo nem trabalham para proteger direitos."
A Alta Comissária da ONU para Direitos Humanos, Navi Pillay, sul-africana que conseguiu que vários países (muitos dos quais aliados dos EUA) voltassem a trabalhar para produzir documento aceitável, que desde o início queria que a conferência fosse efetiva e global, e que muito trabalhou para que todas as discussões não se concentrassem exclusivamente no Oriente Médio, declarou-se "chocada e profundamente desapontada" ante o boicote decidido pelos EUA. (...)
Na ONU, houve esperanças, até o último instante, de que os EUA participariam da conferência, ainda que com representação de nível médio. Depois, todos passaram a temer, embora ainda se desse a Obama o beneficio da dúvida, que os europeus acompanhassem os EUA, no boicote. (...)
É compreensível que os EUA, envolvido em difícil negociação entre Israel e a Palestina, temesse ofender um governo israelense que ainda resiste a qualquer conversação. Mas não foi o que o Departamento de Estado declarou publicamente, nem o que o mundo inferiu da atitude dos EUA. Para todo o mundo, do Oriente árabe à Ásia e à Indonésia, a inferência foi rápida e automática: os EUA, mais uma vez, curvaram-se aos interesses de Israel. (...)
Nesse contexto, o presidente do Iran, Máhmude Ahmadinejad, único chefe de Estado presente, fez discurso histórico, hoje.
Disse que a Europa e os EUA mandaram judeus para Israel para colonizar terras palestinas e lá implantar um governo "racista". Vários diplomatas retiraram-se da sala, o que ampliou o desastre em que se converteu a conferência, do ponto de vista das Relações Públicas.
Uma delegação norte-americana, que levasse mensagem de Obama, teria feito alguma diferença? Os críticos dizem que não. Nicole Lee, diretora-executiva do Fórum TransAfrica, de Washington, muito argumentou a favor de os EUA participarem dessa conferência. Em mensagem de março, em que sugeriu que todos escrevessem a todos, em Washington, exigindo que os EUA participassem de Durban II, ela lembrou frase do Procurador Geral dos EUA, Eric Holder, para quem os EUA são "uma nação de covardes" quando se trata de discutir raça e racismos.
O que Nicole Lee escreveu então ainda soa verdadeiro: "A decisão de boicotar a "Durban Review Conference" confirma a dificuldade que os EUA têm para discutir o racismo e, além disso, também mina todos os progressos obtidos por todos os grupos e todos os governos, em todo o mundo, que tanto lutam, há tanto tempo, contra o racismo e a intolerância. E infelizmente para muitos nos EUA levanta suspeitas sobre as lentes sempre racistas com as quais o governo Obama está desenvolvendo e implementando suas políticas."
O artigo original, em inglês, pode ser lido aqui.
Fonte: Vi o Mundo
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