domingo, 19 de abril de 2009

As guerras vêm e vão. A Inglaterra (e os EUA) continuam na mesma.

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por Robert Fisk, no
The Independent


O Ministério do Medo estará sendo reaberto? Pensei – quando Lord Blair finalmente se foi, e George Bush deixou a Casa Branca – que essa instituição teria sido fechada para sempre, que talvez nos permitissem algumas horinhas de sossego nas campinas ensolaradas. Mudança? Esperança? Inspiração? Mas... não. A semântica dos nossos chefes está voltando à de antes, como sempre. Nada de campinas ensolaradas. Apenas outra idade das trevas, do medo e do terror.

Há poucos meses, o seguinte discurso à moda Bush soaria desgastadamente familiar. "Sejamos claros: Al-Qaeda e seus aliados – os terroristas que planejaram e apoiaram os ataques de 11/9 – estão no Paquistão e no Afeganistão. Muitos informes de segurança já avisaram que a Al-Qaeda está ativamente planejando outros ataques em nosso território, escondida em seu paraíso no Paquistão. Se o governo afegão cair em mãos dos Taliban – ou se não detiver a Al-Qaeda – o Paquistão voltará a ser base de terroristas que matarão o maior número de americanos que conseguirem." Eu sei. Claro que não é discurso de Bush. É discurso-clone dos discurso de Bush: é discurso de Obama.

E também os ingleses já estamos revertendo aos discursos à moda de Blair: "Organizações terroristas contemporâneas planejam usar armas químicas, radioativas e até nucleares. Tecnologias modificadas e roubo e contrabando de materiais explosivos tornam esses planos mais realistas hoje do que no passado recente..." Sim senhor! É informe do Home Office aos cidadãos ingleses, você, eu. Bombas sujas. Armas biológicas, segundo os rapazes e as moçoilas do serviço de Inteligência do Home Office inglês – a mesma turma, presumivelmente, que nos fez engolir as armas de destruição em massa e sirenes de alerta a cada cinco minutos, há seis anos; só que, agora, a serviço de Lady Jacqui.

Acho que foi Churchill quem preveniu os ingleses, em 1940, sobre uma nova idade das trevas "ainda mais sinistra e talvez mais destacada à luz de uma ciência pervertida".

Não por acaso, os dois alertas acima apareceram com três dias de intervalo, um depois do outro, mês passado. Vejam como o Taliban já está em confronto com a Al-Qaeda, como as terras do Oriente Médio estão sendo empurradas cada vez mais para o leste. Antes, era Iraque, Iran e Afeganistão. Agora, é Afeganistão e Paquistão. E observem também que as bombas no metrô de Londres foram repentinamente transformadas em bombas sujas, envenenamentos e radioatividade. A região de fronteira entre Afeganistão e Paquistão é hoje "o lugar mais perigoso do mundo", segundo Obama.

Muito bem. Contem essa ao Raj[1]. Não foi Sir Mortimer Durand quem definiu a fronteira – então chamada "Linha Durand" – para separar Índia e Afeganistão? E não foi sempre "o lugar mais perigoso do mundo" (exceto, suponho, a "Palestina", a qual, pelas razões de sempre, não foi citada no discurso de Obama do dia 27/3). Por acaso não foi ali, na mesma estrada, poucos quilômetros adiante, no desfiladeiro de Cabul, que todo o exército britânico foi massacrado, em 1842?

Foi ali também que, em 1893, Lord Roberts falou da "inadiável tarefa de ampliar nossa influência e estabelecer a lei e a ordem naquela parte da fronteira onde a anarquia, os assassinatos e os assaltos sempre reinaram supremos até nossos dias. (...) Há cerca de 40 anos, a política de não-interferência em relação às tribos, desde que não nos importunassem, talvez tenha parecido prudente e inteligente, embora limitadora e insuficiente para os objetivos de um maior poder civilizatório".

É, sim. É. Obama está falando hoje dessa mesma fronteira "porosa" – e comecem a contar o número de vezes que a expressão "fronteira porosa" aparecerá nos jornais, nas próximas semanas.

O problema é que os amaldiçoados pashtun de hoje conhecem a região pelo nome de Pashtunistão e não reconhecem a "linha Durand" – como aliás tampouco reconheceram no século 19.

E onde milhões de pessoas não reconheçam uma fronteira, nem todos os cavalos e todos os soldados de todos os reis (ou de presidentes Obamas) jamais conseguirão modificar coisa alguma.

"Insistiremos na necessidade de agir – de um modo ou de outro – nos casos em que tenhamos informação sobre alvos terroristas de alto nível", prometeu Obama. Se o Paquistão não agir, os EUA agirão.

Hã-hã. Nos tempos do império inglês, atravessamos a Linha Durand, do Raj para o Afeganistão. Hoje, Obama quer mudar o script e invadir na direção oposta, do Afeganistão para o velho Raj. E com apenas mais 20 mil soldados extra.

Meu colega John Griffiths andou pesquisando arquivos soviéticos em Moscou, sobre as tentativas que os russos fizeram para acabar com o "terrorismo" no Afeganistão, usando "surges" e ataques rápidos de fronteira. Aí vai uma análise produzida na Soviet Frunze Military Academy, sobre os "terroristas" que os russos enfrentaram no Afeganistão ao longo de oito sangrentos anos:

"Vários dos princípios de combate foram extraídos da essência das táticas dos mujahedin[2]. Primeiro, evitam sempre contato direto com forças superiores a eles ou com exércitos regulares que os possam vencer. Segundo, os mujahedin praticamente jamais aceitam combate posicional regular; quando ameaçados ou cercados, abandonam as posições. Terceiro, em todas as modalidades de combate, os mujahedin operam com o fator surpresa. Quarto, os mujahedin sempre usam o terror e o condicionamento ideológico, tanto nos contatos com populações pacíficas quanto nos contatos com representantes dos governos locais."

Os rapazes da Academia Frunze concluíram que seus "terroristas" gostavam de combater no escuro, moviam-se rapidamente pelas montanhas escarpadas da fronteira (que, para Obama é "a região mais perigosa do mundo"), operavam uma rede muito ampla de informantes e antecipavam detalhes dos movimentos secretos das unidades soviéticas. E então? O que isso nos faz lembrar?

Em livro que está no prelo, Griffiths recomenda que o relatório Frunze seja posto sobre a mesa de todos os presidentes dos EUA, eternamente aberto nessa página.

Será que jamais aprenderemos? O Paquistão muçulmano está explodindo, aí, à frente dos nossos olhos. Enquanto isso, Israel – quando não está ocupado em roubar mais terra dos muçulmanos palestinos na Cisjordânia – reclama que o Iran (não o Paquistão) seria a maior ameaça à paz mundial. O primeiro-ministro de Israel já nem quer ouvir falar de Estado palestino.

E nós? O que deveríamos estar fazendo? Deveríamos estar tentando curar as feridas da Cachemira, da "Palestina", do Curdistão, do Líbano. Mas... não! Lá se vão os ingleses, outra vez, embarcar noutra aventura. Há de tudo: venenos, bombas sujas, tudo. O lugar mais perigoso do mundo. Lá vamos nós... diretamente, goela abaixo, pela garganta da passagem de Khyber[3].

NOTAS:

[1] "Raj", aí, refere-se ao império inglês no continente indiano, entre 1858 e 1947. Ver http://en.wikipedia.org/wiki/British_Raj

[2] Mujahidin é a forma plural de mujahid; traduz-se literalmente do árabe como "combatente" ou "alguém que se empenha na luta (jihad)"; tem sido traduzido freqüentemente como "guerreiro santo" (ver http://pt.wikipedia.org/wiki/Mujahidin).

[3] Sobre o desfiladeiro (passagem) de Khyber, entre o Afeganistão e o Paquistão, ver aqui.

O artigo original, em inglês pode ser lido aqui.

Fonte: Vi o Mundo

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