segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Zelaya, Negroponte e a controvérsia de Soto Cano

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O golpe e a base aérea americana em Honduras


por
NIKOLAS KOZLOFF, no Counterpunch, em 22/07/2009

A mídia corporativa deixou cair a bola outra vez num aspecto-chave da situação em Honduras: a base aérea dos Estados Unidos em Soto Cano, também conhecida como Palmerola. Antes do recente golpe militar o presidente Manuel Zelaya declarou que transformaria a base em aeroporto civil, uma mudança à qual o ex-embaixador [Negroponte] se opunha. Além disso, Zelaya pretendia tocar o projeto com financiamento venezuelano.

Por anos antes do golpe as autoridades hondurenhas discutiam a possibilidade de converter Palmerola em uma aeroporto civil. As autoridades argumentavam que Toncontín, o aeroporto internacional de Tegucigalpa, era muito pequeno e incapaz de lidar com grandes aeronaves comerciais. Uma instalação antiga, datada de 1948, Toncontín tem uma pista curta e equipamento de navegação primitivo. O aeroporto é cercado por montanhas que faz dele um dos aeroportos internacionais mais perigosos do mundo.

Palmerola, por sua vez, tem a melhor pista do país com 8.850 pés de comprimento e 165 pés de largura. O aeroporto foi construído na metade dos anos 80 ao custo de 30 milhões de dólares e foi usado pelos Estados Unidos para abastecer os contras durante a guerra indireta dos Estados Unidos contra os sandinistas da Nicarágua assim como para conduzir operações de contrainsurgência em El Salvador. No ápice da guerra dos contra os Estados Unidos tinham mais de 5 mil soldados estacionados em Palmerola. Conhecida como "o porta-aviões que não afunda" dos contras, a base tinha Boinas Verdes e agentes da CIA que assessoravam os rebeldes da Nicarágua.

Mais recentemente tem havido entre 500 e 600 soldados nas instalações que também servem como base aérea de Honduras e centro de treinamento de pilotos. Com a saída dos Estados Unidos do Panamá em 1999, Palmerola se tornou uma das poucas pistas à disposição dos Estados Unidos em solo da América Latina. A base está localizada a cerca de 30 milhas ao norte da capital Tegucigalpa.

Em 2006 parecia que Zelaya e o governo Bush estavam próximos de chegar a um acordo sobre o futuro de Palmerola. Em junho daquele ano Zelaya voou para Washington para se encontrar com o presidente Bush e o hondurenho pediu que Palmerola fosse convertida em um aeroporto comercial. Bush teria dito que a ideia era "perfeitamente razoável" e Zelaya declarou que uma rodovia de quatro pistas seria construída de Tegucigalpa a Palmerola com fundos dos Estados Unidos.

Em troca de ajuda da Casa Branca com as instalações de Palmerola Zelaya ofereceu aos Estados Unidos acesso a instalações militares que seriam localizadas na área de Mosquitia, perto da fronteira de Honduras com a Nicarágua. Mosquitia alegadamente serve de corredor para drogas que viajam do sul para o norte. Os cartéis de drogas passam por Mosquitia com sua cargas vindas da Colômbia, Peru e Bolívia.

Uma área remota, acessível por ar, mar e rio, Mosquitia é cheia de pântanos e selva. A região é ideal para uso pelos Estados Unidos já que grandes números de tropas poderiam ficar em Mosquitia em relativo segredo. A localização costeira seria boa para dar cobertura aérea e naval consistentes com os alegados objetivos estratégicos dos Estados Unidos de enfrentar o crime, o tráfico de drogas e o terrorismo. Romeo Vásquez, chefe do Estado Maior das Forças Armadas hondurenhas, afirmou que as forças armadas precisavam ter maior presença em Mosquitia porque a área estava cheia de "conflitos e problemas".

Mas que tipo de acesso os Estados Unidos teriam em Mosquitia? O secretário de Defesa de Honduras, Aristides Mejía, disse que Mosquitia não seria necessariamente uma "base clássica com instalações permanentes, só quando precisarmos. Nós pretendemos, se o presidente Zelaya aprovar, expandir operações conjuntas". Aquela declaração aparentemente não foi bem recebida pelo eventual líder do golpe e formando da Escola das Américas Vásquez, que já tinha estado em Washington para discutir os planos futuros para Mosquitia. Contradizendo seu próprio colega, Vásquez disse que a ideia era "estabelecer uma base militar permanente na zona" que guardaria aviões e sistemas de abastecimento. Os Estados Unidos, Vásquez acrescentou, ajudariam a construir as pistas da nova base.

Os eventos em solo, no entanto, forçaram os hondurenhos a tomar uma posição mais assertiva quando à segurança aérea. Em maio de 2008 um acidente terrível aconteceu no aeroporto de Toncontín quando um Airbus A320 da TACA derrapou na pista em sua segunda tentativa de pouso. Depois de derrubar árvores e uma cerca de metal a fuselagem do avião se partiu em três partes perto da pista. Três pessoas morreram e 65 ficaram feridas.

Depois da tragédia as autoridades hondurenhas foram forçadas a evitar pousos na notoriamente perigosa pista de Toncontín. Todos os grandes jatos, elas disseram, seriam transferidos temporariamente para pousar em Palmerola. Ao fazer um tour da base americana Zelaya disse que as autoridades criariam um novo aeroporto civil em Palmerola em sessenta dias. Bush já tinha concordado em deixar Honduras construir um aeroporto civil em Palmerola, Zelaya disse. "Há testemunhas", acrescentou.

Mas construir um novo aeroporto tinha se tornado politicamente complicado. As relações Honduras-Estados Unidos tinham se deteriorado consideravelmente desde o encontro de 2006 entre Bush e Zelaya depois que Zelaya começou a cultivar ligações com a Venezuela enquanto simultaneamente criticava a guerra contra as drogas liderada pelos Estados Unidos.

O próprio embaixador de Bush Charles Ford disse que embora desse boas vindas ao tráfego aéreo em Palmerola os acordos passados deveriam ser honrados. A base era usada por aviões de monitoramento de drogas e Ford disse que "o presidente pode decidir pelo uso de Palmerola quando quiser, mas certos acordos e protocolos devem ser seguidos". "É importante dizer que Toncontín tem a certificação da Organização Internacional de Aviação Civil", Ford acrescentou, tentando acalmar preocupações antigas com a segurança do aeroporto [antigo]. Além disso, o diplomata disse que algumas companhias aéreas não veriam Palmerola como um destino "atraente". Ford não disse mais, nem explicou o que estava querendo dizer exatamente.

Jogando combustível no fogo, o secretário assistente de Estado John Negroponte, um ex-embaixador dos Estados Unidos em Honduras, disse que Honduras não poderia transformar Palmerola em um aeroporto civil "de um dia para o outro". Em Tegucigalpa, Negroponte se encontrou com Zelaya para discutir Palmerola. Falando mais tarde a uma rádio hondurenha o diplomata americano disse que antes de Zelaya embarcar em seus planos em Palmerola o aeroporto tinha que receber certificação internacional para novos vôos. De acordo com a agência EFE Negroponte também usou sua visita a Tegucigalpa para se encontrar com o presidente do Parlamento hondurenho e futuro líder golpista Roberto Micheletti.

Não é preciso dizer que a visita de Negroponte a Honduras foi largamente repudiada por progressistas e ativistas de direitos humanos que rotularam Negroponte de "um assassino" e o acusaram de ser responsável por desaparecimentos durante a passagem do diplomata em Honduras como embaixador (1981-1985). Além disso, a atitude condescendente de Ford e Negroponte provocou sindicatos, grupos indígenas e camponeses que exigiram que Honduras recobrasse sua soberania nacional em Palmerola.

"É necessário recuperar Palmerola porque é inaceitável que a melhor pista da América Central continue nas mãos de militares dos Estados Unidos", disse Carlos Reyes, líder do Bloco Popular, que incluía várias organizações politicamente progressistas. "A Guerra Fria acabou e não há pretextos para continuar a presença militar na região", acrescentou. O ativista disse que o governo não deveria contemplar a troca de Mosquitia por Palmerola porque isso seria uma afronta ao orgulho hondurenho.

Durante o ano seguinte Zelaya tentou converter Palmerola em um aeroporto civil mas os planos do governo não conseguiram atrair investidores internacionais. Finalmente em 2009 Zelaya anunciou que as forças armadas hondurenhas iriam fazer a construção. Para pagar pelo novo projeto o presidente usaria fundos da ALBA e da Petrocaribe, dois acordos comerciais recíprocos promovidos pelo líder venezuelano Hugo Chávez. Previsivelmente a direita hondurenha atacou Zelaya por usar fundos venezuelanos. Amilcar Bulnes, presidente da Associação de Negócios de Honduras disse que os fundos da Petrocaribe não deveriam ser usados no aeroporto, mas para outros fins, sem especificá-los.

Poucas semanas depois que Zelaya fez o anúncio de que as forças armadas fariam a construção em Palmerola os militares se rebelaram. Liderado por Romeo Vásquez, o exército derrubou Zelaya e o deportou. Depois do golpe ativistas pela paz dos Estados Unidos visitaram Palmerola e ficaram surpresos de ver a base ocupada com helicópteros voando para todo lado. Quando os ativistas perguntaram a autoridades americanas se alguma coisa tinha mudado na relação Estados Unidos-Honduras, a resposta foi "não, nada".

A elite hondurenha e a linha dura da direita americana tinham muitas razões para desprezar Manuel Zelaya, como discuti em artigos anteriores. A controvérsia sobre a base de Palmerola certamente deu a eles mais munição.

*Nikolas Kozloff é autor de Revolution! South America and the Rise of the New Left (Palgrave-Macmillan, 2008)

Fonte: Vi o Mundo

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