segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Obama enfrenta paranóia alimentada desde Thomas Jefferson

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Ícone histórico, a Gadsden flag foi adotada por facções paranóicas da direita americana, diz Drummond
Ícone histórico, a Gadsden flag foi adotada por facções paranóicas da direita americana, diz Drummond


Obama enfrenta paranóia alimentada desde Thomas Jefferson

por Carlos Drummond*
De Campinas (SP)

A presença, em manifestações recentes contra o projeto de Barack Obama para a saúde, de um símbolo com mais de três séculos de existência assustou apoiadores do presidente dos Estados Unidos. A Gadsden flag - bandeira amarela com a imagem de uma serpente pronta para dar o bote - remete ao patriotismo da guerra contra os ingleses, no século dezoito e à discordância em relação ao governo, mas incorpora outros significados. Com o passar dos anos, passou a representar também o conservadorismo do Sul racista e, mais recentemente, a resistência da elite financeira a qualquer regulação estatal.

O ressurgimento do ícone em meio a caricaturas e cartazes apontando o primeiro presidente negro dos Estados Unidos como nazista, socialista, escória da humanidade, bruxo africano e bandido -- personificado no Coringa, principal criminoso dos filmes do Batman -- mostraria que os protestos estão assumindo o caráter de uma verdadeira campanha, supostamente em defesa dos valores do país.

A frase sob a serpente - "Don't tread on me"; literalmente: "Não pise em mim" - se refere à preparação dos americanos para revidar ataques aos valores mais importantes da sociedade.

O nome da bandeira se deve ao do seu suposto criador, coronel Christopher Gadsgen, integrante do comitê da Marinha no período das primeiras expedições contra os ingleses. O coronel era da Carolina do Sul, mesmo estado do congressista Joe Wilson, tornado mundialmente famoso por interromper, em setembro deste ano, um discurso de Obama com o grito de "você está mentindo"!

Manifestações racistas ainda são comuns na Carolina do Sul, onde grupos lutam pela retirada da "bandeira confederada" - a bandeira atual dos Estados Unidos -- da Casa Branca. Em junho a ativista republicana Rusty DePass ganhou notoriedade ao dizer, no site de relacionamento Facebook, que um gorila fugitivo do zoológico de Riverbanks era provavelmente um ancestral de Michelle Obama. Em fevereiro Mike Green, funcionário da empresa de consultoria Starboard Communications disse que o presidente Obama decidira taxar a aspirina porque ela era branca e funcionava. Mike foi contratado pelo candidato republicano a governador Gresham Barrett.

Racismo, aversão ao Estado, nacionalismo, xenofobia, individualismo e anticomunismo são algumas das manifestações associadas à Gadsden flag. A bandeira foi adotada por facções paranóicas da direita americana que atribuem o atentado de 11 de setembro de 2001 a uma articulação organizada nos próprios Estados Unidos, reivindicam a extinção do Fed, o banco central americano e estocam ouro para se preparar para a crise final da economia mundial, relatou o jornalista Daniel Nasaw, do Guardian Weekly.

A imagem central da vertente paranóica da política americana é a de uma conspiração permanente, vasta e sinistra, apoiada em uma máquina gigantesca de influência posta em movimento para solapar e destruir o modo de vida americano, afirma o historiador Richard Hofstadter. A suposta conspiração incluiria o domínio da mídia, dos sindicatos, das escolas, da Justiça e dos parlamentos do país.

O clímax dessa conspiração teria ocorrido durante os governos do presidente Franklin Delano Roosevelt, autor do New Deal e da recuperação da Grande Depressão da década de 1930. O governo teria minado o capitalismo livre ao colocar a economia sob o comando do governo federal, o que prepararia o caminho para o comunismo. A história mostra um quadro bem diferente e as pesquisas apontam Franklin Roosevelt como o presidente mais admirado pelos americanos depois de Abraham Lincoln. A paranóia, entretanto, ignora por definição a realidade dos fatos.

Outra onda notável de paranóia política surgiu logo depois do pós-guerra e prolongou-se na década de 1950, protagonizada pelo senador Joseph McCarthy. Havia uma perseguição sem critério e sem limites, insuflada pelo político, a supostos comunistas e espiões soviéticos presentes nos sindicatos, na mídia e no meio artístico. Uma campanha aterrorizava os cidadãos quanto ao risco iminente de domínio do país e do mundo pelo comunismo, o que serviu de justificativa para todo tipo de arbitrariedade na busca dos supostos subversivos. O fenômeno, denominado McCarthysmo, provocou rupturas na sociedade americana.

A origem da paranóia política, no século vinte, seria a tributação da renda iniciada em 1913 por meio de uma emenda constitucional, considerada pela direita como a origem de todos os males do país.

Entretanto, as raízes do fenômeno vão mais fundo, até o movimento de reação européia à Revolução Francesa, no percurso mapeado por Hofstadt. Um sentimento de pânico quanto a uma possível disseminação da derrubada sangrenta da monarquia levou à reação de nobres, professores, artistas e clérigos, eventualmente organizados em associações que proliferaram, por exemplo, nos estados germânicos. O movimento, que encontrou ressonância na maçonaria e entre homens como Goethe e Pestalozzi, não ia muito além de uma versão do racionalismo iluminista. Aportou na Nova Inglaterra, nos Estados Unidos, em 1979, por meio de textos do cientista escocês John Robinson, produzidos a partir de compilações de fontes germânicas. Esta e outras peças reacionárias européias iriam alimentar a resistência à democracia propugnada pelo terceiro presidente dos Estados Unidos, Thomas Jefferson, principal redator da Declaração da Independência do país.

*Carlos Drummond é jornalista. Coordena o Curso de Jornalismo da Facamp.

Fale com Carlos Drummond: carlos_drummond@terra.com.br


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