terça-feira, 13 de outubro de 2009

A realidade olímpica

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A realidade olímpica

por Guilherme Scalzilli - Publicado no
Amálgama.

Os debates sobre a escolha do Rio de Janeiro para sediar as Olimpíadas de 2016 começaram empobrecidos por radicalismos apaixonados. Entre a cegueira patriótica e o rancor político-partidário, há pouco espaço ao meio-termo responsável. Infelizmente, a maioria dos analistas critica a própria candidatura brasileira com distorções que nada acrescentam à complexa preparação da efeméride.

Podemos dividir as objeções equivocadas em três enunciados simplificadores, que assumem formatos variáveis segundo as circunstâncias, inclusive nas discussões sobre a próxima Copa do Mundo: a) os brasileiros são indignos do privilégio; b) o país não está preparado para tanto; c) possuímos outras prioridades ou urgências.

A primeira falácia reflete um complexo de inferioridade típico do imaginário colonizado. Bastaria relembrar seus muitos desdobramentos culturais, sociais e até geopolíticos para rejeitá-lo como estupidez provinciana. Preconceito semelhante permeia a ideologia do neo-udenismo grosseiro e elitista que transformou parte da imprensa corporativa em panfleto eleitoral.

A seguir temos uma espécie de amplificação desse princípio. Agora é a nação que, refletindo seus habitantes, possui inaptidão congênita para as delícias do chamado “primeiro mundo”. Corrupção, incompetência e dificuldades estruturais ameaçam qualquer evento internacional, mas os nossos obstáculos nasceram intransponíveis. Enquanto uns alegam que faltam benfeitorias, outros apontam que as existentes estão fadadas a superfaturamento e abandono. Acomodamo-nos ao subdesenvolvimento lucrativo e previsível, enquanto seus porta-vozes se locupletam.

O terceiro preceito utiliza retórica bem-intencionada, mas ignora os ganhos potenciais para a saúde, a educação e a cidadania proporcionados pelo esporte. Mesmo que discutamos investimento público (o privado virá apenas por causa dos Jogos), como distinguir os gastos obrigatórios dos supérfluos? Alguém pode propor a suspensão dos campeonatos de futebol para bancar a alfabetização, ou que hospitais sejam construídos com as fortunas “torradas” em exposições e festivais de cinema, teatro e dança. E, afinal, para quê realizar eleições tão onerosas se há tantas carências? Fechemos logo o Congresso para salvar nossos velhinhos...
Mas tais deturpações são irrelevantes agora. Encaremos as contingências do fato consumado, compreendendo que o enorme triunfo político do presidente Lula não será ofuscado por eventuais impropriedades cometidas em administrações futuras. O ônus de qualquer fracasso incidirá coletivamente, acima de limitações partidárias. É demasiado tarde para mesquinharias políticas.

Acima de tudo, evitemos os perigos da condescendência. Para empreendimento dessa importância é fundamental promover um amplo choque de civilidade, a começar pelo cidadão comum. Por exemplo, os imbecis que vaiaram Lula na abertura do Pan-americano (e depois cinicamente comemoraram sua vitória olímpica) retornarão às arquibancadas. E os motoristas cariocas precisam entender que europeus acreditam em faixas de pedestres. Porém, enquanto os governantes se contentarem com favelas muradas, ônibus disfarçados de “metrô de superfície”, lagoas e praias infectas e banditismo policial, o padrão de qualidade continuará baseado no improviso, no paliativo, na malandragem “ishpérrta”.

A eleição pelo Comitê Olímpico representou uma derrota das superstições que sempre refrearam a audácia e o espírito empreendedor fundamentais para qualquer projeto nacional digno. Resta impedir que aqueles vaticínios trágicos se realizem.

Fonte: Blog do Guilherme Scalzilli

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