quinta-feira, 22 de outubro de 2009

O partido de Murdoch

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A Casa Branca acusa a Fox News de mentir e manipular, enquanto cresce a polarização dos meios de comunicação nos EUA.


O partido de Murdoch
Por Eduardo Graça, de Nova York

Barack Obama, David Axelrod. Do outro, o principal executivo da Fox, Roger Ailes. O tema central da conversa foi a decisão da atual administração de considerar o canal de televisão do magnata Rupert Murdoch como parte ativa da oposição ao governo democrata. Os ataques da direita mais raivosa ao primeiro presidente negro da história norte-americana são constantes e fartamente noticiados mundo afora. Mas é a reação da equipe de comunicação de Obama e seu uso da rede de diários e canais de televisão abertamente progressistas na grande imprensa ianque que começam a despertar a atenção de analistas.

O aumento da polarização na mídia norte-americana no primeiro ano do governo Obama beneficiou tanto os mais conservadores – a Fox deve terminar o ano com uma audiência média de 1,2 milhão de espectadores, recorde em sua história de vida – quanto o flanco assumidamente liberal. A MSNBC ultrapassou pela primeira vez a CNN e ocupou o segundo lugar no horário nobre, com a sequência de telejornais apresentados por três âncoras à esquerda da Casa Branca: Chris Matthews (que chegou a cogitar uma candidatura ao Senado pela Filadélfia), Keith Olbermann e Rachel Maddow. Ao contrário do que se esperava, a eleição de um democrata não diminuiu a força de publicações que aumentaram sua circulação no combate ao governo Bush, como as revistas Mother Jones e The Nation e os websites The Huffington Post e Daily Kos.

“Quando liberais são atacados de modo tão furioso pelos conservadores, a audiência progressista segue buscando na grande imprensa argumentos para defender-se. A polarização, no fim das contas, mostra ter um lado positivo para o processo democrático, embora seja inegável que a grande imprensa na terra de Tio Sam é menos objetiva e menos justa do que poderia ser”, diz Eric Zorn, uma das estrelas da página de opinião do Chicago Tribune.

Quando dois ativistas conservadores travestiram-se de investidores interessados em abrir um bordel e buscaram auxílio da Associação das Organizações Comunitárias para Reformas Urgentes (Acorn, em inglês), um dos grupos mais importantes na cooptação de eleitores de baixa renda nos EUA, fundamentais para a eleição de Obama no ano passado, jornais como o Wall Street Journal (também de Murdoch) e programas jornalísticos do canal Fox exigiram o fim dos vínculos entre o governo federal e as lideranças comunitárias.

Especialmente depois que as imagens revelaram funcionários da associação a ensinar os falsos microempresários a burlar o Fisco e abrir sem grande alarde seu “centro de entretenimento adulto”, a imprensa conservadora exigiu que o Congresso suspendesse todos os programas de parceria do governo federal com a organização. Estima-se que, desde 1994, a Acorn tenha recebido 54 milhões de dólares de Washington.

No mesmo dia que o anúncio era feito raivosamente pela Fox, Rachel Maddow, da MSNBC, dava o contraponto em irado editorial no jornal das 9: “Não pensem vocês que os conservadores se transformaram agora em paladinos da moral. A questão aqui não é o uso de dinheiro público para financiar empreendimentos suspeitos, mas barrar um grupo que consegue fazer com que os pobres votem”.

Depois de o debate sobre a reforma do sistema de saúde galvanizar a imprensa conservadora, a equipe de comunicação do governo Obama resolveu reagir. Além do encontro com o executivo da Fox houve um investimento em solidificar as relações com a chamada “mídia progressista”. “Quando o debate passa a ser sobre se o governo está ou não querendo matar a avó dos cidadãos as regras normais de aproximação do governo com a imprensa caem por terra”, disse à revista Time o subdiretor de Comunicação do governo federal, Daniel H. Pfeiffer.

Nos programas de maior audiência da Fox, como o de Glenn Beck, o presidente Obama foi até mesmo acusado de “racista”. Para Paul Waldman, correspondente sênior da revista American Prospect e dono de uma empresa de consultoria de comunicação, figuras tidas como de extrema-direita na imprensa norte-americana acabaram se movendo para o centro por conta da intensificação da polarização nos primeiros meses do novo governo democrata. “Hoje, você pode achar um Bill O’Reilly, até então a grande estrela da Fox, por exemplo até razoável quando se trata do debate da reforma da saúde pública. Ele, ao menos, não traz afirmações falsas ou contribui para mitos como o de que a reforma é voltada para os imigrantes não documentados ou destinada a criar um abatedouro para cidadãos idosos”, afirma.

A reação da Casa Branca e, especialmente, da mídia mais liberal ao ataque conservador, na opinião de Goldman, foi tardia. “Tradicionalmente, a imprensa conservadora é mais forte nos EUA. Pense em Rush Limbaugh. Não há nada que chegue perto dele em termos de audiência. E todos sabem que, quando o governo troca de mãos, o outro lado, naturalmente, se fortalece. A administração Obama adoraria mobilizar todo o exército que foi para as ruas contra Bush em 2008 e pressionar para as reformas da saúde. Mas, como se vê, mesmo com toda a máquina de comunicação do governo à sua disposição, é tarefa complexa”, diz.

As recentes movimentações da Casa Branca impressionaram, porém, o analista. Além de oferecer dados concretos que jogavam por terra argumentos apresentados pela direita, o exército de Obama passou a atacar diretamente seus críticos no blog presidencial, com um post dedicado exclusivamente às mentiras da Fox, reproduzido nos quatro cantos da blogosfera, em que tentava grudar na rede de Murdoch a imagem de “não patriótica” por condenar a campanha de Obama a favor da fracassada candidatura de Chicago às Olimpíadas de 2016.

A chefe de Pfeiffer, Anita Dunn, seria a responsável pela política de tolerância zero que impera na Casa Branca, depois de oito meses de governo, vetando inclusive entrevistas de figuras do alto escalão a órgãos conservadores. E a principal razão para a Fox pedir o encontro com Axelrod em Manhattan. Segundo Dunn, a ação da imprensa conservadora nos EUA é jornalismo opinativo mascarado de noticiário. “Claro, eles estão falando para a sua audiência. Mas isso não significa que temos de assistir sem fazer nada”, disse em recente entrevista. A Time lembra que Dunn, a única mulher no grupo especializado em mídia que migrou da campanha de Obama para a Casa Branca em janeiro, é a responsável por uma política de comunicação que dá grande ênfase ao planejamento do ciclo de notícias explorado pela mídia.

Eric Zorn diz que nos EUA, ao contrário do Brasil, a discussão sobre as relações entre a imprensa e o poder público se dão em torno da crise dos jornais impressos e a ameaça à democracia acarretada pelo virtual desaparecimento de títulos como seu Chicago Tribune, às voltas com um pedido de falência. Os diários, enfatiza, ainda são os líderes nas denúncias de desvios e excessos do poder público em todas as instâncias e são os únicos, na cadeia da notícia, a pagarem o salário de repórteres exclusivamente para manter seus olhos abertos em relação ao manejo do bem público.

Goldman diz que a retórica tanto de comentaristas, como Glenn Beck, quanto de presentes na cobertura de jornais como The Wall Street Journal parece guiada por uma raiva latente, um irracionalismo contra a derrota nas eleições que, aí sim, seriam semelhantes à reação da mídia brasileira ao governo Lula desde 2002. Nos dois casos, pontua o analista, os riscos, para a mídia, são o alienamento de leitores/ouvintes além de seu campo ideológico e, em casos extremos como o da Fox, o de enfrentar um boicote de anunciantes, enervados com o desrespeito à inteligência do espectador.

Das páginas de opinião do Chicago Tribune, Eric Zorn aponta para a importância de se dar cor ao noticiário. E reforça que “o jornalismo mais partidário, no caso dos EUA, em que você tem meios dos dois lados, é fundamental para que as pessoas apreendam de fato a substância dos debates nos temas de grande interesse público. Por mais irritante e superficial que o jornalismo ideológico pareça ser, ele é vital para a saúde da sociedade. E os progressistas serão muito importantes para as eleições de meio-termo em 2010, especialmente depois de os conservadores colocarem o dedo no gatilho e carregar suas armas contra a Casa Branca”.

Fonte: Carta Capital

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