domingo, 4 de outubro de 2009

EUA-Irã: Uma crise inventada (III)

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EUA-Irã: Uma crise inventada (III)


O argumento do Irã

por Jack A Smith, no Asia Times Online


Inúmeras matérias jornalísticas, esse ano, têm repetido que o Irã não está fabricando armas atômicas. Por exemplo, em artigo da Newsweek “Intelligence Agencies Say No New Nukes in Iran", de 16/9 (em http://www.newsweek.com/id/215529), lê-se:

“A comunidade de inteligência dos EUA informou à Casa Branca que o Irã não reiniciou seu programa de desenvolvimento de armas nucleares” – disseram à Newsweek dois funcionários dos programas de não-proliferação. Antes, as agências já haviam informado que Teerã encerrara o programa em 2003.”

Os funcionários, que não se quiseram identificar, disseram que as agências de inteligência dos EUA já haviam informado os estrategistas da Casa Branca e outras agências, que o status do trabalho iraniano de desenvolvimento e produção de armas nucleares não fora alterado desde a publicação do relatório “National Intelligence Estimate (NIE)” sobre “Capacidades e Intenções Nucleares do Irã”, em novembro de 2007. Conforme partes divulgadas daquele relatório, as agências norte-americanas de inteligência classificavam como “altamente confiáveis” informes de que, no início de 2003, as unidades militares iranianas trabalhavam para desenvolver uma bomba atômica; e de que, no outono daquele ano, “o Irã encerrou seu programa de armas atômicas”.

O documento dizia que, embora as agências norte-americanas entendam que o governo iraniano “mantém aberta, no mínimo, a opção de desenvolver armas atômicas”, a inteligência dos EUA, em meados de 2007, ainda tem “razoável confiança” de que continuam suspensos os esforços para desenvolver armas.

Um daqueles dois funcionários disse que o governo do presidente Obama montou um sistema pelo qual as agências de inteligência abastecem os estrategistas políticos, inclusive o presidente, com dados e avaliações estratégicas regularmente atualizados, como as conclusões que se lêem no NIE-2007 sobre o Irã. Ainda segundo os mesmos funcionários, a mais recente atualização encaminhada aos estrategistas políticos é essa de agora – que cobre dois anos além do período do NIE-2007. – Atualmente, portanto, as agências de inteligência dos EUA continuam persuadidas de que o Irã não retomou o trabalho de desenvolvimento de armas nucleares.

“A conclusão é essa. Mas, como todas as demais conclusões de relatórios, está sempre sendo reavaliada à luz de novas informações e sempre que se considere relevante para testar pressupostos antigos” – disse à Newsweek um daqueles funcionários. Dennis Blair, diretor da Agência Nacional de Inteligência dos EUA – o público mais ‘interno’ dos ‘públicos internos’ – depôs em audiência no Congresso, em fevereiro, e declarou que não havia qualquer evidência de que o Irã estivesse produzindo o urânio altamente enriquecido necessário para armas nucleares.

A edição de setembro-outubro do “Boletim dos Cientistas Atômicos” [ing. Bulletin of Atomic Scientists] publicou entrevista com Mohamed El-Baradei, ex-diretor já aposentado da Agência Internacional de Energia Atômica [ing. International Atomic Energy Agency (IAEA)], na qual El-Baradei diz que “não encontramos qualquer evidência objetiva de que Teerã tivesse em andamento qualquer programa de armas nucleares. (...) Não sei porque, agora, fala-se do programa nuclear do Irã como se fosse uma ameaça ao mundo.”

“Em vários sentidos, acho que a ameaça foi inflada. Sim, há motivo para nos preocupar com as futuras intenções do Irã; e o Irã deve ser mais transparente com a IAEA e a comunidade internacional (...). Mas a ideia de que acordaremos amanhã, e o Irã terá uma bomba atômica, não tem base real nem decorre de fato algum, até hoje” (BAS)

Na edição de 21/9 da revista Newsweek, lê-se que “as discussões sobre o objetivo do programa nuclear secreto do Irã esquentaram tanto, que funcionários da ONU têm visto similitudes entre o atual momento e os dias que antecederam a invasão do Iraque, em termos da proliferação de informação distorcida.” O artigo prossegue:

Em mensagem privada de e-mail, da semana passada, à qual Newsweek teve acesso, Tariq Rauf, alto funcionário sênior da Agência Internacional de Energia Atômica da ONU, escreveu que a mídia dominante está repetindo os erros que cometeu em 2003, quando [os grandes jornais e redes de televisão] divulgaram “histórias sem qualquer comprovação nem fundamento, sobre o Iraque e as armas de destruição em massa. – Hoje, estão fazendo exatamente o mesmo, sobre a IAEA e o Irã."

E Rauf acrescentava que “a escalada no teor das mensagens parece vir de algumas fontes (conhecidas)" (Newsweek).

A mensagem não especificava as fontes, mas funcionários europeus e dos EUA na ONU já haviam acusado os israelenses de exagerar o andamento do desenvolvimento nuclear do Irã.

Dia 22/2, o diário indiano de grande circulação Hindu informou que “o Irã não enriqueceu o urânio para finalidades bélicas, informaram os inspetores da Agência Internacional de Energia Atômica”.

A agência noticiosa Austrian Press distribuiu citação de um dos especialistas da IAEA, na qual se lê que todo o urânio que o Irã produziu na usina de enriquecimento em Natanz está cuidadosamente catalogado; e a produção é acompanhada por filmadoras de controle remoto instaladas para vigiar constantemente os estoques.

“Se os iranianos tentarem transportar esses produtos de urânio para alguma locação secreta para submetê-los a reprocessamentos de qualquer tipo, os inspetores da agência saberão”. O mesmo especialista acrescentou que “até o presente, o Irã tem trabalhado em bons termos de cooperação conosco, em todas as inspeções importantes”.

Outra agência de notícias, a France-Presse noticiou, dia 20/9, que “o supremo líder do Irã, aiatolá Ali Khamenei, rejeitou hoje a acusação ocidental de que Teerã trabalha para desenvolver armas nucleares em programa oculto; e repetiu que a República Islâmica proíbe esse tipo de atividade. “Assacam falsas acusações contra o Irã, de produzir armas nucleares. Rejeitamos fundamentalmente as armas nucleares e proibimos a produção e o emprego de armas nucleares” – disse Khamenei, em discurso divulgado por televisão estatal. “Eles próprios sabem que mentem (...), mas é parte da política de incentivar a islamofobia, que rege o comportamento político desse arrogante governo norte-americano”.

De nosso ponto de vista, o Irã não oferece qualquer risco a Israel, aos EUA ou ao mundo árabe sunita. O Irã deseja preservar sua revolução, preza a própria independência e o que vê como sua preciosa República Islâmica. O governo de Mahmud Ahmadinejad e do aiatolá Khamenei entende perfeitamente que as sanções pesadas com as quais os EUA ameaçam o Irã podem provocar agonia e sofrimento extremos à população iraniana; e que as sanções levarão a um enfraquecimento do Estado. Teerã também sabe que, se produzir uma única ogiva atômica, o país será atacado sem piedade.

Os líderes do Irã não são suicidas e sabem que, se Teerã, mais do que produzir, realmente lançar ataque com míssil nuclear em direção a Israel, a retaliação virá massiva, de EUA e Israel – para destruir a sociedade iraniana –, ainda que o míssil seja contido pelo sistema antimísseis dos EUA, que o governo Obama instalará a bordo de navios no Mediterrâneo. (O presidente George W. Bush trabalhou para instalar o sistema na Polônia e na República Checa, como ameaça contra a Rússia, muito mais do que para defender a Europa contra algum ataque iraniano. Ao arrastar os mísseis antibalísticos para o sul, Obama alcançou dois objetivos: tirou a Rússia dos seus calcanhares; e pode oferecer mais uma capa de proteção norte-americana a Israel.)

Apesar da retórica internacional cáustica, os líderes iranianos são essencialmente cautelosos, e trabalham com intenções militares defensivas. O país jamais iniciou qualquer guerra em quase 200 anos; e o povo iraniano não tem qualquer desejo de voltar aos dias de horror, quando o país teve de resistir à guerra que lhe moveu o Iraque, praticamente ao longo de todos os anos 1980s.

Desenvolver armamento nuclear hoje dá reconhecido poder a qualquer país, e é importante fator de defesa contra agressões imperialistas, sobretudo no caso de o país estar no primeiro lugar da lista de inimigos de Washington e de só por pouco não ter sido invadido nos anos Bush.

Mas nos parece que o Irã – ainda que tenha o conhecimento necessário para tanto – não produzirá armas atômicas, porque lhe interessa demonstrar respeito ao Tratado de Não-proliferação de Armas Nucleares [ing. Non-Proliferation Treaty (NPT)], e porque quer sobreviver à hostilidade dos EUA e de Israel. Ao mesmo tempo, contudo, o Irã não ‘planeja’ ser humilhado e destruído por sanções excessivamente restritivas e por condições invasivas de supervisão (que ninguém pensa em aplicar a qualquer outro país regido pelos mesmos termos do mesmo Tratado NPT). Mas o Irã tampouco meterá o rabo entre as pernas, ante ameaças feitas pelos mesmos que criticam o apoio iraniano ao povo palestino e a posição anti-imperialista do governo do Irã.

Se os EUA quiserem de fato e genuinamente resolver suas diferenças com o Irã, há como fazê-lo racionalmente e sem violência. Mas, para tanto, Obama será obrigado a tratar o Irã de igual para igual; terá de aceitar a realidade de que Teerã e Washington pautam-se por diferentes visões de mundo; e, além disso, Obama terá de agir e falar como negociador de boa fé.

Muitos norte-americanos e praticamente todo o planeta depositam altas esperanças em Obama, especialmente depois do governo Bush. Claro que reconhecemos as diferenças e melhorias; mas temos mais dúvidas do que altas esperanças, no que tenha a ver com o rumo da política exterior dos EUA.

Nesse campo, as diferenças são mínimas, só cosméticas – se se comparam (i) a estratégia internacional do governo Obama e (ii) a estratégica que visa à dominação global e à hegemonia norte-americana, sempre baseadas no poderio bélico, e que se repetem em todas as encarnações de todos os governos dos EUA (também no de Obama), desde o fim da II Guerra Mundial.

Queremos, sim, estar errados. Mas para que acontecesse o que tem de acontecer para o bem do mundo, seria preciso que crescesse nos EUA algum potente movimento progressista, de massas, dedicado ao ‘caso Irã’, para desconstruir a visão que as grandes corporações de mídia continuam a construir para a opinião pública nos EUA. Movimento que visasse diretamente à paz no mundo, à igualdade entre todos os povos, à construção de justiça para todos – objetivos realistas e morais, que merecem que se lute por eles.

Quanto às armas nucleares, a única solução verdadeira a ser buscada é o desarmamento total, de todos, sem exceção – posição que, aliás, nos tempos que correm, só o Irã tem trazido à discussão e defendido.

Leia também:

EUA-Irã: Uma crise inventada (I): Os fatos

http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/euaira-uma-crise-inventada/

EUA-Irã: Uma crise inventada (II): Sanções! Sanções! Sanções!

http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/euaira-uma-crise-inventada-ii/

Fonte: Vi o Mundo

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