domingo, 4 de outubro de 2009

Da desobediência civil na Palestina

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por
Neve Gordon, no Counterpunch


Neve Gordon é chefe do departamento de política e governo na Universidade Ben-Gurion do Negev e autor de Israel’s Occupation (University of California Press, 2008).

Uma vez, em 1846, Henry David Thoreau passou uma noite na cadeia, porque se recusou a pagar seus impostos. Foi o seu modo de opor-se à Guerra EUA-México e à instituição da escravidão. Poucos anos depois, publicou seu ensaio "A desobediência Civil", que desde então tem sido lido por milhões de pessoas, também muitos israelenses e palestinos [em português, em http://www.culturabrasil.pro.br/zip/desobedienciacivil.pdf]. Kobi Snitz leu.

Kobi Snitz é um anarquista israelense que cumpriu pena de 20 dias de cadeia porque se recusou a pagar uma multa de 2.000 shekel [c. 900 reais].

Snitz, 38 anos, foi preso com outros ativistas na pequena vila palestina de Kharbatha, em 2004, quando tentavam impedir a demolição da casa de um destacado membro do comitê popular local. A demolição visava a intimidar e a punir o líder local que, algumas semanas antes, começara a organizar manifestações semanais contra o muro da vergonha. As manifestações e a tentativa de impedir a demolição daquela casa foram atos de desobediência civil.

Em carta que escreveu e enviou aos amigos na véspera de ser encarcerado, Snitz escreve que "Eu e outros que foram detidos comigo não somos culpados de coisa alguma, exceto de nos opormos às políticas, essas sim criminosas, do Estado." Snitz também explica que pagar a multa seria reconhecer uma culpa, reconhecimento que considera degradante. Por fim, conclui a carta insistindo que a punição que recebeu é trivial, se comparada ao castigo imposto aos adolescentes palestinos que resistem à ocupação. Aqueles, palestinos de 14, 15, 16 anos, escreve ele, são seguidamente detidos por 20 dias, antes mesmo de haver qualquer acusação ou processo legal formalizado.

Snitz não exagera.

Relatórios das organizações palestinas de Direitos Humanos "Stop the Wall" [http://www.stopthewall.org/] e "Addameer" [http://www.addameer.org/index_eng.html] documentam as modalidades de repressão que Israel aplica nas vilas palestinas que resistem à anexação de suas terras. Os dois grupos mostram que, sempre que uma aldeia decide lutar contra a construção do muro, toda a comunidade é castigada. Além da destruição de casas, dos toques de recolher e de outras modalidades de restrição à movimentação das pessoas, o exército de Israel sempre usa de violência contra os manifestantes – e concentra-se nos mais jovens –, com espancamentos, gás lacrimogêneo e uso de munição letal e 'não-letal' contra eles.

Desde 2004, 19 pessoas (9 crianças) foram mortos nos protestos contra o muro. Os grupos de ativistas dos Direitos Humanos descobriram que em quatro pequenas vilas palestinas – Bilin, Nilin, Masara e Jayyous – 1.566 palestinos foram feridos em manifestações contra o muro. Apenas em cinco vilas, foram presos 176 palestinos, por protestar contra a anexação; nas ações de repressão e nas detenções, as crianças e os mais jovens são 'alvos preferenciais'. Os números reais de feridos e presos são sem dúvida ainda maiores, considerando que aí só se consideram com confrontos em algumas poucas aldeias.

Cada número, é claro, tem sua história. Considere-se, por exemplo, a prisão de Mohammed Amar Hussan Nofal, 16 anos, detido com 65 pessoas da mesma vila de Jayyous, dia 18/2/2009. Segundo seu depoimento, foi inicialmente interrogado durante duas horas e meia, na escola da vila.

"Perguntaram se eu havia participado das manifestações; tentei negar. Perguntaram então se eu havia jogado um coquetel Molotov [contra eles]. Disse que não – e era verdade. Meus pais estavam lá e viram tudo. Podem confirmar que não joguei coquetel Molotov em ninguém. Depois, confessei que participara da manifestação, mas não que jogara coqueteis Molotov."

Depois de apanhar porque se recusou a posar para uma fotografia com um cartão de identificação com números e palavras escritas em hebraico, Nofal foi mandado para Kedumim e interrogado novamente por várias horas. Durante o interrogatório, um "Capitão Faisal" (pseudônimo do funcionário do serviço secreto) tentou recrutar o adolescente para que passasse a trabalhar para a Polícia israelense.

"O Capitão ameaçou prender meus pais e toda minha família, se eu não aceitasse colaborar. Respondi que podiam prender a cidade inteira – porque nada seria pior do que me converter em espião. Ele disse que confiscaria as autorizações e minha família ficaria proibida de colher azeitonas."

O único crime de Nofal foi protestar contra a expropriação das terras ancestrais de sua família. Passou três meses na cadeia. Nesse período, a Administração Civil recusou-se a renovar as permissões de trabalho de vários de seus parentes que trabalham em Israel.

Comparado ao que aconteceu a Nofal e acontece a milhares de outros palestinos, Kobi Snitz está, de fato, pagando preço muito menor. Mas seu ato é simbolicamente importante, não apenas por manifestar solidariedade com seus companheiros palestinos, mas também porque ele, como milhares de palestinos, decidiram seguir os ensinamentos de Henry David Thoreau e praticar atos de desobediência civil, como meio para resistir às políticas imorais de Israel e a subjugação de todo um povo.

O problema é que o mundo sabe muito pouco sobre a desobediência civil como arma de resistência. Quem pesquisa no Google, a partir de "violência palestina", encontra logo 86.000 páginas. Mas quem procure a partir de "desobediência civil palestina" só acha 47 páginas! – embora os palestinos, há muitos anos, resistam mediante atos de desobediência civil contra a ocupação israelense.

Thoreau sentiria muito orgulho da luta de Nofal, Snitz e seus ativistas. É importante que a imprensa e a comunidade internacional comecem a reconhecer o heroísmo desses desobedientes.

Fonte: Vi o Mundo / Counterpunch(english)

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