sábado, 24 de outubro de 2009

A regulamentação da medicina

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A regulamentação da medicina
Por Tovar Nogueira Fonseca

Nassif,

Escrevo com muita saudade da leitura do blog e do convívio com a comunidade, mas estive nos últimos 30 dias em Brasília totalmente absorto na tentativa de modificar o insano Projeto de Lei (PL) 7703/06, o Projeto do Ato Médico, que foi aprovado pela Câmara dos Deputados no dia 22 último.

Para quem não sabe o PL 7703/06 vem a regulamentar a profissão de médico, que por tão importante que é em nossas vidas, nunca foi regulamentada no Brasil, ou seja, vem sendo desenvolvida sem regulamentação pela natureza indispensável de sua existência.

Então qual foi o problema com este PL? No meio do caminho, alguém teve a “brilhante” idéia de fazer do PL uma bela reserva de mercado. Enquanto a Lei que regulamenta a Odontologia (minha primeira profissão) diz o que o dentista pode fazer (habilidades e competências) a Lei do Ato Médico elenca um sem número de procedimentos exclusivos dos médicos, expropriando competências comuns a outras profissões e colocando os demais profissionais de saúde como seus subordinados.

Enquanto na Lei que regulamenta a Biomedicina a redação de suas habilidades e competências declara suavemente “Sem prejuízo do exercício das mesmas atividades por outros profissionais igualmente habilitados na forma da legislação específica”, o PL 7703/06 tem aproximadamente 4/5 de sua redação descrevendo procedimentos exclusivos. Troca a moderna multidisciplinaridade pela atrasada exclusividade.

Se na regulamentação de minha profissão (Dentista) houvesse sido postulado que tudo o que acontece na boca fosse exclusividade do Dentista (a princípio não parece plausível?), hoje não atenderiam as disfunções têmporo-mandibulares (DTM) os fisioterapeutas, psicólogos, acupunturistas, médicos e fonoaudiólogos, todos prestando bons serviços a população.

Mas os médicos pensam que somente eles podem diagnosticar. Será que como Dentista não saberei fazê-lo? Será que um psicólogo não saberia diagnosticar uma psicose? Um fisioterapeuta com cinco anos de formação não sabe diagnosticar e indicar tratamento ao seu paciente dentro de suas habilidades e competências? O fonoaudiólogo também não o fará? Apesar da regulamentação da odontologia não ser pautada em “exclusividades”, alguém já viu algum fisioterapeuta pegando em brocas para abrir um dente? Tutela é a palavra de ordem deste PL.

O pior, é que nenhum médico coloca no papel o diagnóstico de paciente algum. Querem o que não praticam. Peçam a seu médico um diagnóstico por escrito de que você tem uma simples gripe. Jamais o terão.

A questão do diagnóstico é simples. Não podendo diagnosticar, não posso prescrever. Sem poder prescrever, só posso tratar a partir da indicação de alguém que prescreva. Adivinhe para quem vai a indicação? Para o pobre fisioterapeuta que trabalha a salário de R$ 800,00 dentro da clínica do médico, ou que se sujeita a pagar porcentagem sobre seus atendimentos (a título de “aluguel” do espaço físico), como ocorre em uma famosa cooperativa médica, que não aceita fisioterapeutas como responsáveis por suas próprias clínicas e se estes quiserem prestar serviços a esta cooperativa, terão que pagar uma porcentagem de 30 a 50% do bruto a algum médico para ¨assinar” pelo seu estabelecimento.

Neste PL, foram expropriados dos farmacêuticos/bioquímicos e dos biomédicos, os exames citopatológicos, dos fisioterapeutas tiraram a fisioterapia ventilatória e a indicação de órteses e próteses, além do diagnóstico de seu campo de trabalho. Do fonoaudiólogo sua capacitação para o diagnóstico. Estas são as expropriações das quais eu tenho conhecimento, mas acredito que tenham havido ainda outras. Deixaram o texto nebuloso quanto à Acupuntura, para imediatamente depois da publicação da Lei, tentar a sua exclusividade na Justiça, onde os médicos já foram derrotados uma vez (no STJ) e tenho muita fé, serão novamente.

Onde foi para a multidisciplinaridade? Ela está prevista no texto, desde que o médico seja o chefe. Entramos na contra-mão da saúde, voltamos a ter um feitor nos hospitais.

Talvez por isto o principal articulador deste PL tenha sido Ronaldo Caiado (DEM), auxiliado por Eleuses Paiva (DEM), Inocêncio de Oliveira (PR), Darcísio Perondi (PMDB), Colbert Martins (PMDB), Lelo Coimbra (PMDB), Leonardo Vilela (PSDB), Rafael Guerra (PSDB) e Carlos Manato (PDT), além do luxuoso auxílio dos petistas Arlindo Chinaglia, Cândido Vacarezza e Henrique Fontana, que mandaram às favas o “Trabalhador” do nome de seu partido e disseram sim à a escravidão profissional das treze outras profissões da saúde.

Ontem vi no Jornal Nacional o vice-presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM) dizer que o diagnóstico correto é muito importante. Concordo totalmente com ele, mas jamais com a mensagem subliminar passada, de que somente os médicos estão devidamente capacitados para tal.

Mas voltando ao início da mensagem, qual a importância de regulamentar a profissão de médico hoje? Eles estão sem carteira de trabalho? Não podem se aposentar? Estão sendo coagidos no trabalho? Não. O único e exclusivo motivo de se fazer este PL é submeter as demais profissões da saúde à tutela dos médicos.

Se você tem um filho, irmão, cônjuge ou alguma pessoa que goste fazendo uma graduação na área da saúde que não seja medicina, por favor, o alerte. Ele não está fazendo um curso superior e sim um curso técnico, pois não mais terá autonomia alguma em sua vida profissional.

Fonte: Luis Nassif Online

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