quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Política internacional - O Brasil está no jogo

::



Os EUA se mostram vacilantes, enquanto os golpistas hondurenhos perdem terreno e o prestígio do Itamaraty cresce aos olhos do mundo.


O Brasil está no jogo

Por Antonio Luiz M. C. da Costa

No caso do retorno do presidente José Manuel Zelaya a Honduras, o interesse do Brasil e demais países da América Latina é transparente: não deve haver mais golpes de Estado na América Latina. Ponto. Não interessa se há ditaduras na África, no Oriente Médio ou em Cuba. E é igualmente claro que o que houve em 28 de julho foi um golpe de Estado, que em três meses degenerou de ditadura disfarçada para aberta.

Muitos outros pontos fundamentais para o entendimento da crise permanecem. Obscuros, porém. Principalmente o papel dos Estados Unidos: parecem ora apoiar o regime de Roberto Micheletti, ora lavar as mãos, ora se posicionar pela restauração de Zelaya. Quando este foi expatriado de pijama para a Costa Rica, o voo de 354 milhas não pediu escala técnica, mas o avião parou em Soto Cano, base dos EUA em Honduras. Alguém ali foi informado ou consultado sobre o que convinha fazer com o líder deposto?

Depois, os EUA recusaram-se a reconhecer o golpe, suspenderam parte da ajuda a Honduras e expulsaram os diplomatas hondurenhos que aderiram a Micheletti – inclusive sua filha Bianca –, mas também fizeram menos do que podiam para criticar e pressionar o regime. Mesmo depois de o primeiro chanceler golpista, Enrique Ortez, menosprezar o presidente dos EUA como “esse negrinho Obama que não sabe onde fica Tegucigalpa”.

Quando Zelaya apareceu na embaixada do Brasil, a ambiguidade aumentou. A secretária de Estado, Hillary Clinton, embora criticasse tentativas anteriores de regresso do presidente, reuniu-se com Oscar Arias (presidente da Costa Rica e Prêmio Nobel da Paz que tentara, sem sucesso, convencer os golpistas a negociar) para dizer: “Agora que Zelaya voltou, seria oportuno recolocá-lo em sua posição sob as circunstâncias adequadas, seguir com a eleição marcada, ter uma transição pacífica e levar Honduras de volta à ordem constitucional e democrática” e exigiu o fim do assédio à embaixada brasileira, à qual a vizinha embaixada dos EUA dava apoio logístico. Micheletti esbravejou: “Esperemos, pelo bem de dona Hillary e do senhor Arias, depois do prazer que tiveram com a chegada de Zelaya, que não haja consequências a lamentar”.

Por outro lado, Susan Rice, embaixadora dos EUA na ONU, tentou (sem sucesso) evitar que o Brasil levasse o caso da embaixada ao Conselho de Segurança. E no dia 27, Lewis Amselem, embaixador dos Estados Unidos na OEA, barrou um consenso pela condenação do regime hondurenho, chamou o retorno de “irresponsável e tolo”, ridicularizou Zelaya por agir como “se estrelasse um filme antigo” e responsabilizou “aqueles que facilitaram sua volta” pela violência. Amselem, ex-assessor do SouthCom herdado do governo Bush Jr., trabalhou na embaixada na Guatemala de 1988 a 1992 e fez o que pôde para encobrir o massacre de indígenas e o sequestro, tortura e violação de uma freira estadunidense.

No mesmo dia, o Departamento de Estado condenou o estado de sítio, pediu respeito à embaixada brasileira e o embaixador dos EUA em Honduras, Hugo Llorens, cubano-americano também nomeado por Bush Jr., reuniu-se com políticos e empresários de Honduras para reafirmar que os EUA condenam o golpe e querem a restauração das garantias constitucionais e do governo legítimo (em até quinze dias, segundo um candidato presente), sob pena de não reconhecer um presidente eleito nas atuais circunstâncias.

O ministro do Interior de Micheletti, Oscar Raúl Matute, se disse surpreso com a “falta de consonância”, e não é para menos. O governo dos EUA parece dividido quanto ao que fazer em Honduras. Para o instituto liberal Council on Hemispheric Affairs, “o pessoal de Bush faz a política hondurenha do governo Obama”, mas a cisão não segue necessariamente linhas tão claras. O Jewish Institute for National Security Affairs, que é conservador, mas inclui democratas, pressionou Hillary para reconhecer o golpe, e mais de um analista sugeriu que esta se sente desconfortável em apoiar a restauração de Zelaya. A base de Soto Cano é importante demais para os EUA quererem desagradar frontalmente os militares hondurenhos.

Inexperiente, isolado e sem saber a qual faceta dos EUA se agarrar, o regime golpista primeiro se mostrou agressivo e desafiador, depois recuou de maneira constrangedora. Após a decretação do estado de sítio, da proibição de manifestações da oposição e do fechamento de seus dois únicos canais de rádio e tevê – o que fez da campanha eleitoral uma piada –, deputados, militares e os candidatos presidenciais que apoiaram o golpe começaram a lavar as mãos ou retirar seu apoio. Micheletti, que antes dera um ultimado de dez dias ao Brasil caso não levasse ou entregasse Zelaya, mandou um “abraço” a Lula e prometeu não invadir a embaixada. Depois de ter impedido de desembarcar em Honduras e expulsado para Miami e Costa Rica uma missão da OEA que veio negociar, voltou atrás e aceitou sua vinda. E acenou com a possibilidade de suspender em breve o estado de sítio, em vez de mantê-lo por 45 dias, a maior parte do que resta da campanha eleitoral.

Também parece ter ficado sem efeito o ultimato de dez dias para Espanha, México, Argentina e Venezuela se desfazerem de suas embaixadas a menos que reconhecessem explicitamente seu regime. Tratou-se de uma tentativa de Micheletti de fazer parecer ao público interno que a volta dos demais embaixadores (a pedido da própria chanceler de Zelaya, para ajudar na negociação) era um reconhecimento e só uns poucos se recusavam a apoiá-lo. Foi uma péssima ideia, visto que esses países são dos mais importantes para Honduras, muito mais que a nação centro-americana para eles.

Ante o enfraquecimento e as dúvidas dos golpistas, os empresários, que os apoiavam e dias antes falavam em subornar com descontos em suas lojas os eleitores que votassem para ajudar a animar o processo desacreditado pela comunidade internacional, passaram a propor alternativas de acordo, apesar de os termos ainda serem inaceitáveis a Zelaya. Com a paralisação de atividades pelos toques de recolher e o bloqueio pelo governo dos aeroportos e estradas internacionais, o custo Micheletti está ficando alto demais.

O comandante das Forças Armadas, general Romeo Vázquez, lavou as mãos e só faltou dizer que estava apenas obedecendo ordens (“a deposição não partiu de nós”). O Congresso e o TSE pediram a revogação do estado de sítio e os candidatos presidenciais que apoiaram o golpe subiram no muro e não sabem para que lado descer.

Enquanto isso, o Itamaraty recebeu apoio do secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, do seu par na OEA, José Miguel Insulza, e de quase todos os governos do mundo. No jornal espanhol El País, o diplomata e ex-ministro chileno Jorge Heine criticou o ex-chanceler mexicano Jorge Castañeda – para o qual o Brasil se portava como anão ao batalhar “por um país pouco decisivo” (entrevista ao Estado de S. Paulo) – e elogiou o Itamaraty por liderar a busca de uma solução. A diplomacia mexicana, aliás, foi criticada por seus parlamentares por sua passividade ante a crise no “país pouco decisivo” (um país absurdo que não devia existir, segundo Roberto Pompeu de Toledo na megalonanica Veja) e só olhar para os EUA, deixando escapar sua tradicional liderança na região.

Para a revista estadunidense Time, o Brasil é “Um novo contrapeso aos EUA”: se um acordo sair, sua imagem como poder regional vai decolar, e se não, ao menos ganhará pontos com a esquerda. Para o jornal britânico The Independent, “O Brasil sobe e sobe: mais rápido, mais forte, mais alto”: além de elogiar a ação brasileira na Unasul, na ONU e no G-20, considera que sua atuação em Tegucigalpa pegou os EUA no contrapé e expôs uma fenda entre Obama e uma vacilante Hillary.

Foi mesmo? Outros analistas acreditam que o Brasil agiu com conhecimento prévio e aprovação dos EUA – o que explicaria a inédita ousadia do Itamaraty. Para priorizar a reforma da Saúde e o Afeganistão ante uma oposição cada vez mais histérica e intransigente, o governo Obama teria optado por delegar ao Brasil esse problema complexo e delicado. O certo é que o prestígio e a diplomacia brasileira estão crescendo aos olhos de quase todo o mundo, exceto, é claro, a direita estadunidense e seus satélites, incluindo Micheletti e a mídia e oposição conservadoras brasileiras.

Fonte: Carta Capital

::


Share/Save/Bookmark

Nenhum comentário: