quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Lula fala sobre mercado, coalizão e imprensa

::

por Luis Nassif

Boa entrevista de Lula ao Kennedy Alencar, na Folha (clique aqui para ler e íntegra).

Perguntas educadas, pertinentes, incômodas, onde Lula pode expor sua opinião sobre Sarney, Lina, alianças, BrOi, Vale, câmbio e Banco Central.

Nenhuma novidade em relação aos últimos discursos, mostrando que o modelo político de Lula consolidou-se.

Chamo a atenção para dois pontos.

O primeiro, o câmbio.

Kennedy levanta as críticas de José Serra ao câmbio. Lula mata a questão com uma resposta:

- Eles ficaram oito anos no poder e não fizeram nada.

Ah, outro dia o Elio Gaspari fez uma coluna mostrando o grande momento de Serra contra o câmbio: uma audiência no Senado em que a resposta dele a uma pergunta sobre o câmbio (da era FHC) foi… o silêncio.

Sou testemunha de que, em off, Serra era loquaz contra o câmbio. Mas nunca teve coragem de vocalizar publicamente essa posição. Mesmo depois de governador, foram pouquíssimas as ocasiões em que se manifestou sobre o tema, porque preso a essa loucura de ser pautado pela mídia fernandista – que só sabe repetir o mantra de que o câmbio é o mercado que dá, que não se pode interferir no mercado e outros refrões derrubados pela crise. E, como se sabe, câmbio apreciado é vitamina na rentabilidade da mídia impressa e televisa – porque papel e filmes são cotados em dólares.

Muito antes da crise lembrei, aqui, o exemplo de Ronaldo Reagan. Durante anos ficou falando sozinho, mas com enorme intuição para os novos tempos que se avizinhavam. Quando os novos tempos chegaram, ele era o dono do discurso.

Serra jamais teve essa grandeza ou visão de se antecipar aos novos tempos com uma defesa enfática de um novo modelo de inserção cambial e de ativismo da política econômica. Nas declarações à revista Piauí – no perfil de Serra – FHC desenha um perfil de Ministro da Fazenda, não de um estadista, de um burocrata temeroso de dar qualquer passo mais ousado.

Graças a esse tipo de oposição, mesmo praticando uma política desnecessariamente ortodoxa no BC, Lula conseguiu ser o antidiscurso do que praticou nesse período. Com uma oposição dessas, fica fácil.

E aí se entra em uma questão interessante.

Em off, Serra nunca foi identificado com a Casa das Garças – o locus do lobby mercadista conduzido pelo antigamente celebrado acadêmico Edmar Bacha. Em off, Aécio Neves tem muito mais identificação.

No entanto, em uma campanha política, será facílimo pespegar em Serra a pecha de seguidor da cara malanista de FHC; e muito mais difícil em Aécio.

Os temas em aberto

Há inúmeros temas a serem explorados. O fato do Brasil ter se saído bem na última crise não foi obra do Banco Central. Se dependesse do BC, o país teria entrado de cabeça em uma crise das contas externas. Nasm se fosse com FHC, mergulharia em uma recessão de graves proporções, porque a única fórmula que FHC ousava era arrocho fiscal em qualquer circunstância.

Lula foi salvo por ter apostado suas fichas na Fazenda.

Mesmo assim, foi o BC quem determinou a política econômica nos anos anteriores. Conta-se, agora, o que o Brasil deixou de perder. Mas deixa-se de lado a enorme perda acumulada no PIB, na renda nacional, na inclusão social, na falta de investimentos, com seis anos de política monetária desnecessariamente rígida.

Outro ponto são os limites do pragmatismo para a governabilidade. Não dá para embarcar no idealismo vazio de que é possível governar sem coalizão. Aliás, um dos grandes méritos de FHC foi ter montado o modelo de governabilidade do qual Lula se vale agora – e a imprensa insiste em esquecer essa outra herança de FHC.

Ora, se a governabilidade tem um preço a pagar, a contrapartida a ser oferecida ao país é o da reforma política que livre governantes dessa armadilha. E pouquíssimo se avançou nessa linha

Do jornalismo-factóide

Com toda uma temática riquíssima a ser explorada, a partir da entrevista, o que a Folha faz? Uma assinatura do El Pais para quem adivinhar. Joga-se uma pegadinha, tira-se uma frase do contexto e entrega-se a Clóvis Rossi a missão de disparar contra o que Lula não disse.

A pegadinha, aliás aparentemente sem intenção de ser pegadinha:

FOLHA – A imprensa não tem de ser fiscal do poder?

LULA – Para ser fiscal, tem o Tribunal de Contas da União, a Corregedoria-Geral da República, tem um monte de coisas. A imprensa tem de ser o grande órgão informador da opinião pública. Essa informação pode ser de elogios, de denúncias sobre o governo, de outros assuntos. A única coisa que peço a Deus é que a imprensa informe da maneira mais isenta possível, e as posições políticas sejam colocadas nos editoriais.

Em nenhum momento está propondo uma imprensa não crítica. O que Lula defende na resposta é que a imprensa informe de maneira isenta, com elogios e denúncias – atenção, Clóvis, Lula defendeu que a imprensa denuncie. Mas que deixe a posição política para os editoriais.

Convoca-se Rossi que conclui sua “análise” da fala de Lula com essa frase lapidar:

Tudo somado, dá para entender por que o presidente prefere que a imprensa não fiscalize o poder, apenas informe. Lula e seu partido trocaram a fiscalização do tempo de oposição pelo gozo do poder uma vez nele instalados.

Tem a piada de um médico que tratava qualquer doença com doses cavalares de um remédio que afetava os rins. Quando perguntavam o por quê daquela imprudência, ele respondia:

- Minha única especialidade são os rins.

Fonte: Luis Nassif Online

::


Share/Save/Bookmark

Nenhum comentário: