segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Reserva Indígena Raposa Serra do Sol: Nas Mãos da Justiça

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por MARINA SILVA


Nas mãos da Justiça

HÁ COISAS em nossa casa que prezamos muito. Mas, se um incêndio ameaçá-la, deixamos tudo de lado e nos agigantamos para chegar até o quarto e salvar os filhos.
Alguns temas da vida nacional são comparáveis ao quarto dos filhos porque guardam o fundamento, o profundo, o que separa o essencial do apenas importante. Às vezes não é fácil percebê-los, pois falta sensibilidade e sobra pragmatismo. A diversidade cultural é um deles. Está no cerne da identidade brasileira e, de alguma forma, nos orgulhamos dela e a exibimos em expressões artísticas, esportivas, em imagens, natureza e história.
Em algumas situações, porém, acaba-se salvando o enfeite da sala em prejuízo do quarto dos filhos. E, nesse passo, vamos comprometendo nossa continuidade, perdendo elos que nos tornam únicos e definem nosso peculiar pertencimento no mundo. Digo isso a propósito da proximidade de momento de enorme significado para o país: a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a homologação da terra indígena Raposa Serra do Sol em área contínua. Não nos iludamos; está em jogo não apenas uma pendenga entre índios e não-índios na sociedade de Roraima. Quem está na berlinda são todos os brasileiros, em sua capacidade de proteger, pelas mãos do Estado, a preciosa esfera dos valores culturais e imateriais da nação.
A população de Roraima não chega a 400 mil habitantes. Para os cerca de 350 mil não-índios há quase 11 milhões de hectares de terras disponíveis, diz estudo do Instituto Socioambiental. Comparando, Pernambuco tem 9,8 milhões de hectares para cerca de 8 milhões de habitantes.
A defesa das nossas fronteiras na Amazônia sempre receberam grande contribuição das comunidades indígenas. Por exemplo, pela incorporação de seus jovens ao Exército para ações em áreas aonde ninguém quer ou sabe ir.
Assim, não há razão concreta, de natureza social ou de segurança, para desconstituir a terra indígena Raposa Serra do Sol. A decisão do Supremo, seja qual for, dirá algo relevante sobre o compromisso do Estado na defesa de uma das principais raízes de nossa identidade cultural, e sobre seu dever de protegê-la, mesmo contrariando interesses ou remando contra marés de incompreensão momentâneas.
O Estado brasileiro vem a duras penas tentando dar conta de seu dever na questão indígena. A Constituição de 1988 foi o grande teste do Legislativo. O Executivo vem tomando medidas importantes, embora acumule enorme passivo.
Agora, está nas mãos do Judiciário. Este é, talvez, o teste mais importante até aqui porque ratificará o que foi alcançado ou abrirá um caminho de grave retrocesso.

Fonte: Folha de São Paulo

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