quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Bispo: STF pode criar retrocesso em reserva

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Roosewelt Pinheiro/Agência Brasil
Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) julgam nesta quarta-feira a homologação da reserva indígena Raposa/Serra do Sol
Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) julgam nesta quarta-feira a homologação da reserva indígena Raposa/Serra do Sol

por Diego Salmen

Nesta quarta-feira, o Supremo Tribunal Federal (STF) inicia o julgamento da homologação da reserva indígena Raposa/Serra do Sol, em Roraima. Em jogo, uma área contínua de 1,7 milhão de hectares. Para o bispo D. Erwin Kräutler, o STF pode criar um "retrocesso tremendo" caso altere o atual formato da reserva.

- Se o Supremo entende que a homologação feita pelo presidente Lula não vale, então outras homologações feitas por este governo e governos anteriores não têm valor nenhum - alerta.

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Nascido na Áustria e naturalizado brasileiro há três décadas, D. Erwin está há 43 anos no país. Atualmente é presidente do Cimi (Conselho Missionário Indigenista), órgão vinculado à CNBB (Conferência Nacional dos Bispos) que luta pelos direitos dos povos indígenas em todo o Brasil.

Os ministros irão se debruçar sobre uma ação impetrada pelo senador Augusto Botelho (PT-RR) que questiona o formato contínuo da reserva - homologada em 2005 pelo presidente Lula.

Se o STF aceitar a reserva nos moldes atuais, todos os não-índios terão de sair da região. Uma parcela dos índios e os produtores arrozeiros instalados na área são contrários à iniciativa.

- Isso escancara as portas para que qualquer área indígena homologada tenha um movimento que ponha em dúvida uma homologação feita há anos - afirma o bispo Kräutler, sobre uma eventual decisão do STF contrária à homologação.

Leia a seguir a entrevista com D. Erwin Kräutler:

Terra Magazine - Qual a expectativa para o julgamento no STF?
D. Erwin -
Nós simplesmente estamos torcendo para que o Supremo Tribunal Federal mantenha a homologação e não ceda a nenhuma campanha em favor da homologação de reserva em formato de ilhas para os índios.

O que pode acontecer, caso seja decidido por uma demarcação em formato de ilhas?
Eu nem falo de conflito, mas do precedente que isso constitui para todas as áreas indígenas. Isso escancara as portas para que qualquer área indígena homologada tenha um movimento que ponha em dúvida uma homologação feita há anos.

Isso pode fazer com que antigos proprietários voltem a reivindicar suas terras nessas áreas...
Exatamente. É esse o medo. O conflito é imprevisível; o problema é que o artigo 231 vai ser relativizado. Qualquer movimento, fazendeiro, empresa ou madeireiro pode atacar a área indígena e falar: 'olha, já tem jurisprudência, vamos rever a situação'. Seria um retrocesso tremendo, vai ter repercussão não apenas nacional, mas também internacional, porque vai se duvidar da seriedade com que a gente trata um artigo da Constituição.

Essas reservas já estavam previstas pela Constituição de 1988?
Sim, a Constituição de 1988, nas suas disposições transitórias, previu a demarcação de terras de todas as áreas indígenas do Brasil. Nem todas foram demarcadas, ainda falta grande parte, mas já há um grande número de áreas demarcada e homologadas. Se o Supremo entende que a homologação feita pelo presidente Lula não vale, então outras homologações feitas por este governo ou governos anteriores não têm valor nenhum.

O senador Augusto Botelho (PT-RR), um dos autores da ação que será julgada pelo STF, diz que o laudo da Funai que fundamentou a demarcação contém uma série de erros. Como o senhor vê isso?
Eu tenho minhas dúvidas (quanto a esse argumento). O laudo foi feito como manda o figurino. Foi feita a identificação, a delimitação, a demarcação, que foi feita pelo governo Fernando Henrique Cardoso, e o presidente Lula simplesmente homologou aquilo que o governo anterior já havia feito. Eu creio que o governo anterior não caiu numa levianidade de demarcar uma área em cima de laudos antropológicos eivados de erros. Eu simplesmente não acredito. Quando o governo Lula homologou, realizou um processo de verificar a pertinência e a segurança em homologar uma área indígena desse tamanho. A Igreja já se manifesta sobre isso há muito tempo. A coisa não é de hoje. Foi demarcado em 2002, mas esse processo começou a mais de 30 anos. Desde então, esses povos só lutaram para garantir os seus direitos.

O senador também disse que a maioria dos índios não concorda com a maneira como foi feita a demarcação.
Eu não acredito. Eu queria que ele provasse isso. E depois há também vários povos indígenas, macuxi, tapichana... Se tem alguma voz dissidente, isso pode acontecer em qualquer sociedade humana. Não se pode dizer, quando há uma voz dissidente, que o povo inteiro está contra. Isso é falácia.

Há alguns anos foi debatida no Congresso a proposta, que acabou não prosperando, de realizar um plebiscito sobre a demarcação. O que o senhor acha dessa proposta?
Não precisa tomar mais nenhuma iniciativa em termos jurídicos e legais. O que foi homologado tem que ser mantido. O processo foi sério, e tem que ser respeitado. Não é possível que seis arrozeiros se coloquem acima da Constituição.

Fonte: Terra Magazine

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