terça-feira, 12 de agosto de 2008

GUERRA NO CÁUCASO

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Geórgia, onde a Guerra Fria nunca terminou

A disputa geopolítica entre Estados Unidos e Rússia fica cada vez mais violenta. O objetivo de reanimar a retórica da Guerra Fria ficou patente no paralelo que o presidente da Geórgia fez entre a situação atual e as intervenções da extinta União Soviética na Hungria e na Checoslováquia. Para alguns especialistas, conflito é a primeira conseqüência política da independência de Kosovo.

PRAGA – Enquanto a ameaça de uma guerra recrudesce na Geórgia, a disputa geopolítica entre Estados Unidos e Rússia fica cada vez mais violenta. A conflagração armada nunca esteve tão próxima da fronteira russo-georgiana. O conflito começou quando tropas da Geórgia tentaram tomar o controle da região de Ossetia do Sul, área, de fato, autônoma e protegida por forças russas de manutenção da paz desde 1992. Moscou respondeu com uma ampla operação militar nessa região, conseguindo repelir as forças georgianas da capital, Tskhinvali, cem quilômetros a noroeste da capital da Geórgia, Tbilisi, e avançando em território georgiano.

Mikheil Saakashvili, presidente deste país do Cáucaso com 4,6 milhões de habitantes, afirmou que a “invasão” russa foi premeditada. Abjazia, outra região separatista do ocidente da Geórgia que proclamou a independência no mesmo ano, também submergiu no conflito ao ficar do lado da Rússia. Os choques esporádicos entre soldados georgianos e separatistas não eram raros, mas a hostilidade nunca atingiu o grau atual de violência. A medida georgiana parece ter pego de surpresa os líderes ocidentais, que haviam alertado contra uma solução militar.

Ivan Sukhov, jornalista especialista no Cáucaso da Rádio Europa Livre, alertou na sexta-feira que Saakashvili havia assumido “uma posição torpe em relação ao Ocidente, pois a Geórgia se situa constantemente como oposto à ação política. Embora as ações georgianas tenham sido provocadas por forças da Ossetia do Sul, trata-se de um erro político sério”, lamentou. A Geórgia parecia decidida a expor ao mundo a intervenção da Rússia em Abjazia e na Ossetia do Sul, e apresenta o conflito como se fosse algo entre uma suposta democracia ocidental e um suposto autoritarismo oriental. A intenção, segundo esta visão, era forçar uma incursão ocidental mais decisiva.

O objetivo de reanimar a retórica da Guerra Fria ficou patente no paralelo que Saakashvili traçou entre a atual situação da Geórgia e as intervenções da hoje extinta União Soviética na Hungria (1956) e na Checoslováquia. É possível que um dos objetivos da intervenção militar georgiana seja internacionalizar o conflito, de modo a modificar o formato da atual missão de manutenção de paz na Ossetia do Sul, controlada pela Rússia, e facilitar a reintegração pacifica ou forçada da área em disputa.

Muitos especialistas vêem na inesperada decisão da Geórgia a primeira conseqüência política da independência de Kosovo, que em fevereiro formalizou seu divórcio unilateral da Sérvia. Também foi incentivada pelos manifestos separatistas dos líderes na Ossetia do Sul e em Abjazia, e pela renovada determinação de recuperar a soberania territorial. Os líderes das regiões separatistas acreditam que, depois da independência de Kosovo, não é preciso o consentimento da Geórgia se uma potência mais forte garantir a segurança do novo país.

Os argumentos apresentados são similares aos conhecidos desde Kosovo: um passado de guerra animada por diferenças étnicas, que deixou milhares de civis mortos e numerosos refugiados dos dois lados. Insatisfeita pela independência de Kosovo, promovida pelos Estados Unidos, Moscou prometeu uma resposta adequada. O primeiro passo foi a formalização de vínculos com as duas regiões separatistas georgianas em março. A Rússia tem um ás na manga que o Ocidente não podia exibir no caso de Kosovo. Moscou pode afirmar que o conflito em sua fronteira meridional afeta diretamente sua segurança e que 80% da população dessas áreas têm passaporte russo.

Moscou garante que foram registradas 1.600 mortes de civis pelas forças georgianas, que não foram verificadas de maneira independente, embora jornalistas ocidentais começassem a se interessar nos testemunhos dos refugiados supostamente submetidos a violações de direitos humanos. Se estas afirmações forem, no mínimo, verificadas, a Rússia perderia a credibilidade em seu caráter de pacificador regional. Além de Kosovo, Moscou estava irritada pela promoção de Ucrânia e Geórgia como membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) por parte de Washington, bem como dos planos norte-americanos de instalar um sistema de defesa com mísseis na Europa oriental.

A candidatura da Otan foi apresentada pelos Estados Unidos e por ex-aliados dessa nação no extinto bloco socialista, como mecanismo para ampliar a área democrática e limitar a expansão das tendências autoritárias da Rússia para além de suas fronteiras. Muitas elites de países ex-comunistas tendem a crer que a Rússia está inerentemente inclinada ao autoritarismo e expansionismo, tendências das quais a antiga União Soviética era apenas outra expressão. Mas, países da Europa ocidental desconfiam do compromisso da Geórgia com a democracia liberal e temem a tensão territorial que implicaria sua integração à Otan, por isso procuram adiar essa decisão.

Fonte: Agência Carta Maior

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Geórgia: efeito boomerang


por Wálter Fanganiello Maierovitch

O ex-presidente Mikhail Gorbachev, já ganhador do Nobel da paz, sustenta que os EUA sabiam da pretensão de a Geórgia invadir a Ossétia do Sul.

Para Gorbachev, o governo Bush apoiou a ação militar georgiana de invadir a Ossétia do Sul e o governo russo reagiu de forma adequada:

“As ações da Rússia foram inteiramente adequadas, ao contrário se pode afirmar das reações do Ocidente”.

Para Gorbachev, “sem apoio dos EUA, Tbilisi (capital da Geórgia) não teria se arriscado a começar uma guerra na Ossétia do Sul”.

O certo é que o presidente da Geórgia, há alguns meses, vinha provocando a Rússia, que estabeleceu, de fato, um protetorado na Ossétia e na Abcazia. Na última, tem até um uma linha imaginária de fronteira. E por incrível funciona um “posto de fronteira”, com georgianos a controlar a saída e líderes separatistas da Ossétia a autprizar, com apoio russo, a entrada, num território onde cerca de 90% dos membros da etnia ossétia adotaram a cidadania russa. Como se percebe, de fato, já existe uma desvinculação da Geórgia.

A aventura do presidente georgiano, com o trapalhão Bush em apoio, durou exatos seis dias. O governo russo reagiu como ao tempo dos antigos generais, ou seja, com rapidez e brutalidade.

A dupla Putin-Medvedev esperava a invasão na Ossétia e já contavam com um plano de reação e desmoralização do presidente Mikhail Saakashvili.

Para ter idéia, as tropas, de pronto, invadiram a Geórgia e controlaram Gori, Santrédia e Senaki, ou melhor, tomaram conta de todas as vias de acesso à Geórgia.

Com o cessar-fogo agora anunciado, a Rússia, depois de receber de “bandeja” do presidente da Geórgia um motivo para intervir naquela região do Cáucaso, deixou claro três pontos:

1. funciona bem o sistema de protetorado, a conferir independência à Ossétia do Sul e à Abcasia. Aliás, ambas já prontas para uma unificação à Rússia: a Ossétia do Norte já integra o território russo.

2. deixa um aviso aos EUA e aos estados que se tornaram independentes da ex-URSS, no sentido de a Rússia estar pronta a recorrer à força bélica para defender os seus interesses.

3. continuará a influir na questão interna da Geórgia, que enfrenta três focos de separatismo: Ossétia do Sul, Abcasia e Adzaristão.

Pode-se concluir, também, que o presidente da Geórgia perdeu, apesar da posição estratégia do seu país e do trunfo do oleoduto BTC (Baku-Tbilisi-Ceyhan: duto que leva para o Mediterrâneo o petróleo do mar Cáspio, sem cortar a Rússia e o Irã) e do gasoduto Nabuco, em construção, todas as chances de o seu país ingressar na NATO. Um país em conflito não cabe na geoestratégia estabelecida pela NATO.

PANO RÁPIDO. Além do efeito "boomerang" suportado pela Geórgia em face da temerária aventura do seu presidente, ficou claro, no tabuleiro internacional, que a Rússia voltou a jogar xadrez, enquanto os norte-americanos continuam com as suas partidas de damas. Achar que se poderia invadir a Ossétia, com os jogos olímpicos a distrair atenções e Putin em Pequim, não passou de uma estratégia ridícula e, ao mesmo tempo, trágica em razão do grande número de mortes de civis.

Fonte: Carta Capital

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