quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Os pesos e as medidas no conflito da Geórgia

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Por Glauco Faria


Uma região autônoma que, por ter uma maioria étnica distinta do restante do país, almeja a independência. O governo central rejeita qualquer tipo de proposta nesse sentido e reprime, não raro de forma violenta, manifestações autonomistas. Quando o conflito se acirra, não tarda uma intervenção militar externa, justificando-se que isso só está sendo feito em defesa da minoria agredida.

Você deve estar pensando “ah, o texto é sobre a Geórgia e a Rússia”. Poderia ser. Mas é também sobre Kosovo, que viveu situação similar à da Ossétia do Sul, região autônoma que busca a independência. Claro que há diferenças entre uma e outra situação, mas grosso modo a invasão da OTAN na então Iugoslávia ocorreu em função do fracasso das negociações de paz. Já a Rússia alegou não só que a Geórgia queria promover um massacre étnico (argumento usado contra os sérvios naquela ocasião) como também havia atacado tropas de paz na região que faz fronteira com os russos.

Curioso mesmo é o tratamento da mídia ocidental, cujas impressões os jornalistas de cá amam reproduzir. Ao invés de ponderar a necessidade dos russos de preservar suas fronteiras ou investigar um pouco mais os motivos de um lado e de outro, a mídia brasileira prefere rotular a reação militar do país de Putin como uma forma de resgatar seu prestígio como potência ou coisa que o valha. Ao mesmo tempo, afirmar algo semelhante em relação aos EUA na Guerra do Kosovo ou mesmo a respeito das críticas de Bush em favor do governo da Geórgia é prova de “anti-americanismo”. Todos sabem que a Rússia tem seus interesses, econômicos e geopolíticos, na região, assim como os EUA e a Europa. Então que se utilize peso e medida semelhante para se tentar fazer uma análise. Não é pedir muito.

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Por falar em Bush, disse o presidente norte-americano no dia da abertura dos Jogos Olímpicos: “As sociedades nas quais se permite a liberdade de expressão de idéias tendem a ser as mais prósperas e pacíficas.” Ele se referia de forma clara à China, provavelmente esquecendo a censura promovida pelos "pais da liberdade" a 3.719 sites, dentre eles alguns cubanos, proibidos para estadunidenses.

Mas a memória do mandatário não deve alcançar a Geórgia. O país tem feito de tudo para garantir sua entrada na OTAN, em um processo de “ocidentalização” de inspiração neoliberal (os georgianos chegaram com atraso nesse processo) empreendido com força e a força pelo presidente Mikhail Saakashvili. Uma das exigências para entrar na tal organização de defesa mútua é justamente não ter “problemas em casa”. Daí uma das razões da ofensiva no dia da abertura olímpica. Entenda-se por “fazer de tudo” empreender uma série de restrições à liberdade de imprensa, por exemplo.

A Revolução das Rosas superou uma fase no país em 2004. Mas, ao contrário do que poderia parecer, a transição para a economia de mercado não se traduziu em maior liberdade política. E quem diz isso é o site do próprio Departamento de Estado dos EUA. De acordo com ele, “Um jornalista profissional que não quis ser identificado para não colocar em risco seu emprego na Rustavi 2, descreve o ambiente de trabalho dos jornalistas com uma única palavra: 'degradante'.

O processo editorial por ele descrito lembra os tempos soviéticos. 'Não temos permissão para criticar o presidente, o ministro da Economia, o ministro da Defesa ou o ministro de Assuntos Internos. A cobertura dessas estruturas governamentais inclui apenas tópicos ‘positivos’.'”

E a matéria prossegue: “Outro produtor, editor e videógrafo veterano, que deixou a redação mas mantém contato com jornalistas de todas as estações de Tbilisi, diz com tristeza: 'Não deveria ser do jeito que é agora.' Por razões profissionais, ele também pediu para não ser identificado. Solicitado a comparar a situação do jornalismo na Geórgia hoje com antes da Revolução das Rosas, ele simplesmente diz: 'Está pior.'”

A defesa da liberdade está longe de ser um valor absoluto na diplomacia mundial e parece ser bastante seletiva de acordo com o acusado.

Fonte: Blog do Rovai

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