::
por Luiz Carlos Azenha
Em vez de faturar vendendo um produto que pode causar a morte a Eternit deveria fazer o que qualquer empresa decente faria: desistir da enganação.
O que não se faz por um salário:
O EMBAIXADOR DO AMIANTO
Por Daniella Camargos
NA REVISTA EXAME
No livro Obrigado por Fumar, posteriormente transformado em filme, o jornalista Christopher Buckley conta as peripécias de Nick Naylor, um lobista da indústria do cigarro que tenta defender publicamente um produto condenado. Ao lado de seus colegas representantes da indústria de bebidas alcoólicas e de armas, ele faz parte de um grupo cinicamente autodenominado Mercadores da Morte, que se reúne numa mesa nos fundos de um restaurante obscuro de Washington. Juntos, Naylor e seus companheiros desfiam as agruras do trabalho inglório e discutem as estratégias para desmontar as resistências que enfrentam. O executivo goiano Élio Martins, presidente da Eternit, é visto por certos grupos de pressão como uma espécie desses mercadores. Presidente da Eternit, maior fabricante de produtos com amianto do Brasil, ele transformou sua vida numa cruzada em favor de uma matéria-prima banida de mais de 40 países por ser considerada cancerígena. Espécie de embaixador do amianto, Martins dedica metade de seu tempo a dar entrevistas e a participar de programas de rádio, palestras, seminários, encontros com políticos, sindicalistas e líderes empresariais para tentar convencê-los de que o amianto — pelo menos o que ele utiliza — não é tão ruim assim. Incansável, Martins conta com estudos científicos e de impacto econômico que ajudarão a sustentar sua defesa.
Até dois meses atrás, ele podia se considerar bem-sucedido em seu trabalho. Graças ao bom momento do mercado imobiliário, as receitas da Eternit aumentaram 13% nos últimos dois anos. Tudo parecia bem até que Martins recebeu um golpe digno dos vividos por Naylor e seus colegas em Obrigado por Fumar. O Supremo Tribunal Federal, numa votação inédita em junho, decidiu pela constitucionalidade de uma lei paulista que proíbe o uso do amianto. Com isso, os produtos da Eternit que levam o mineral não poderão mais ser utilizados no estado — hoje, São Paulo é responsável por 15% da produção da empresa. Rio de Janeiro, Pernambuco e Rio Grande do Sul também proibiram o uso do amianto. “Colocaram uma pedra em nosso caminho”, diz Martins. Nos últimos dois meses, as ações da empresa caíram quase 35%. E a Eternit, uma das melhores pagadoras de dividendos do país (cerca de 90% de seu lucro líquido), foi retirada da lista de recomendações dos gestores de fundos. Existem outras 11 empresas que processam amianto no Brasil, mas a Eternit é a única dona da mina brasileira do mineral, localizada em Minaçu, no nordeste de Goiás.
O amianto começou a ser visto como produto perverso na década de 70, quando surgiram as primeiras vítimas de doenças provocadas pela exposição ao minério. Descobriu-se na ocasião que a inalação de partículas provenientes das fibras do amianto pode levar a um bloqueio dos alvéolos e desencadear câncer de pulmão. Os maiores riscos estão no processo de extração, na fabricação dos produtos e no uso do amianto como isolante térmico. Nos anos 80, a Europa iniciou uma barulhenta campanha de substituição do mineral por fibras sintéticas e o baniu totalmente em 2005. Nos Estados Unidos, o uso do amianto está restrito aos materiais bélicos e à indústria aeroespacial. No Brasil, a fabricação é aceita desde que as normas vigentes de segurança do trabalho sejam cumpridas — em favor da Eternit, diga-se, não há registros de trabalhadores contaminados pelo amianto desde 1980, quando os controles de processos foram aplicados em suas instalações.
Além do desgaste na imagem, a Eternit se vê ante um dilema de ordem comercial. Com uma mina capaz de produzir amianto pelos próximos 40 anos, a companhia tem uma invejável dianteira em relação às concorrentes. A Eternit poderia trocar imediatamente a matéria-prima por sua equivalente sintética, mas isso, provavelmente, lhe custaria a liderança do mercado, pelo menos temporariamente. O custo de produção de telhas e caixas-d’água com amianto é de 30% a 60% menor do que com fibras alternativas. O maior concorrente da Eternit, a Brasilit, parte do grupo francês Saint-Gobain, não usa mais amianto em seus produtos, como parte da política global da matriz. No entanto, desde que adotou a fibra sintética, no fim dos anos 90, a empresa, que era líder de mercado, passou a operar no vermelho. Seus custos subiram sem que os preços pudessem acompanhá-los. Hoje, mesmo depois de muito investimento em tecnologia, o custo de produção da Brasilit ainda é 18% mais alto. “Se o concorrente também deixar de utilizar o amianto, poderemos trabalhar com margens maiores e disputar o mercado em pé de igualdade”, diz Roberto Correa Netto, diretor-geral da Brasilit.
A estratégia imediata de Martins para tentar livrar sua empresa do estigma de fabricante de produto mortífero é tentar defender o que parece indefensável: que o risco na cadeia do amianto está controlado. Sua tese, amplamente divulgada, é que a produção é segura, as telhas e as caixas- d’água não infectam as pessoas e, além disso, a Eternit usa um tipo de amianto conhecido como “crisotila”, que é 500 vezes menos perigoso do que o amianto proibido no mundo, conhecido como “marrom”. A razão de seu empenho é evidente. Se tiver de substituir sua matéria-prima, a Eternit perderá dois terços de seu lucro bruto, que vem da exploração da mina. Com a decisão do Supremo Tribunal Federal, alguns analistas já reduziram o preço-alvo da ação da companhia, de 14 reais para 5 reais até dezembro. Por causa dessa ameaça real, a Eternit já vem estudando tecnologias alternativas ao amianto e a seu modelo de negócios. Também tem planos de atuar como fornecedora de outros produtos para a cadeia da construção civil. O mercado, porém, avalia que a empresa está demorando muito para fazer esse movimento e, assim como outras companhias que se agarraram a um produto em extinção, pode pagar caro por isso.
Com o combate ao amianto, a Eternit passou a fazer parte de um grupo de empresas cada vez mais acuadas por políticas de saúde pública restritivas, pela proibição de veicular anúncios publicitários e por campanhas contra seus produtos. Para proteger seus negócios, essas empresas têm empreendido um gigantesco esforço de marketing. A indústria do fumo no Brasil mudou sua estratégia para fazer frente às pesadas restrições à publicidade do produto. Da mesma forma, as fabricantes de bebida estimulam cada vez mais o consumo responsável como forma de combater as crescentes restrições legais, como a recente — e rigorosa — lei que proíbe o consumo de álcool por motoristas. Grandes redes de fast food, como McDonald’s, identificadas com o fantasma da obesidade, reviram seus cardápios e passaram a promover campanhas em favor do estilo de vida saudável. “Essas empresas têm buscado formas de recuperar sua imagem, muitas vezes alterando sua própria natureza”, diz Alejandro Pinedo, diretor da Interbrands, consultoria especializada em marcas. “Se a Eternit continuar resistindo e mantiver o amianto em seus produtos, corre o risco de ter um abalo irreversível em sua imagem.” Por vezes, a melhor forma de diplomacia é simplesmente recuar.
Fonte: Vi o Mundo
::
Nenhum comentário:
Postar um comentário