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A imprensa, principalmente em épocas de crise, deixa de contar fatos para fazer parte deles, seja para o bem ou mal. O resultado é uma enxurrada de pessoas interessadas no “glamour” do jornalismo, muitas vezes sem conhecer a fundo como é o cotidiano da profissão.
Para mostrar como funciona uma redação, o repórter de CartaCapital Leandro Fortes lançou neste mês o livro Os segredos das redações – O que os jornalistas só descobrem no dia-a-dia, publicado pela editora Contexto.
No livro, Fortes discute mitos do jornalismo, como isenção, relacionamento com fontes e o “sacerdócio” da profissão. Com opiniões incisivas a respeito de ética, exigência de diploma, assessoria de imprensa, e outras polêmicas do jornalismo, o livro é um bom começo para quem quiser conhecer a profissão.
CartaCapital: Muitos interessados na carreira logo desistem ao ouvir sobre o estresse, a baixa remuneração e a falta de oportunidade no mercado. O que há de mito e verdade?
Leandro Fortes: Estresse, baixa remuneração e falta de oportunidade no mercado é a realidade de todas as profissões da vida moderna. No jornalismo, o problema está na folclorização do ofício, tido como algo aventuroso e romântico, e na falta de compreensão das rotinas e das particularidades da profissão de repórter. Os que desistem é porque não iam mesmo ter jeito para a coisa. Jornalismo é para poucos e bons.
CC: Há muita diferença em relação ao jornalista novato de 10 ou 20 anos atrás? Antes, havia o estereótipo do jornalista boêmio. Qual o estereótipo do atual?
LF: O estereótipo do jornalista sujo, mal amanhado e alcoólatra, felizmente, se perdeu com a profissionalização do ofício e as exigências de mercado. Ficou a percepção, esta, permanente, de que não somos confiáveis. O fato é que ninguém gosta de jornalista, e esse é nosso estereótipos definitivo: nós metemos medo nos outros. E isso não é ruim.
CC: Como surgiu a idéia do livro?
LF: Quando comecei a lecionar, há cinco anos, fui fazendo no computador uma lista das dúvidas mais comuns aos estudantes, sobretudo a respeito do mundo das redações, as rotinas de reportagem e o relacionamento dos repórteres com chefes. Aliei a isso uma experiência de mais de duas décadas como repórter de muitas redações, muitas delas dentro da chamada “grande imprensa”, para fazer uma reflexão sobre o ofício e, ao mesmo tempo, montar uma espécie de guia para iniciantes. O resultado é justamente o equilíbrio sobre as minhas opiniões sobre diversos temas ligados ao jornalismo e as dicas que fui elencando para poder tirar as dúvidas dos meus alunos.
CC: No livro há dicas fundamentais à profissão, em relação a reportagem, entrevista e postura. Falta esse tipo de conhecimento nas faculdades?
LF: Não tenho certeza, mas minhas conversas com estudantes de vários lugares do Brasil, nas palestras que fiz ou nos e-mails que recebo, me fazem deduzir que há uma distribuição difusa e confusa desse conhecimento. O sujeito que nunca trabalhou numa redação, ou teve uma experiência apenas inicial, acaba se apegando a cartilhas e manuais alheios, cheios de regrinhas inúteis e redundantes, e enfia tudo isso goela abaixo dos estudantes. No livro, procurei reduzir essas dicas ao essencial do ofício, tal qual se aplica no dia-a-dia, sem frescuras e sem rodeios conceituais.
CC: O que é ser um bom jornalista, hoje, em um mercado cada vez mais saturado e exigente? LF: É manter a cabeça acima da manada com dignidade, sem se deixar levar pela tentação de pisar no pescoço do colega ao lado para subir na hierarquia das redações.
CC: Com a abertura de mercado para a assessoria de imprensa, a reportagem ficou de lado nas faculdades? Falta teoria ou prática?
LF: As faculdades de jornalismo não deveriam ensinar assessoria de imprensa, que deveria ser um curso separado dentro do espectro da Comunicação Social, como é a publicidade. Assessoria de imprensa não é jornalismo, nem poderia ser. Um release jamais será uma matéria, embora se utilize da linguagem jornalística para cumprir o seu objetivo, que é o de fazer propaganda de alguém ou de algum produto. Como esse mercado é, em média, maior e melhor remunerado, as faculdades de Comunicação passaram a oferecer essa opção como uma área de jornalismo. Trata-se de uma opção puramente mercantilista. Essa questão, portanto, nada tem a ver com teoria e prática, mas com honestidade intelectual.
Fonte: Carta Capital
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