sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Mac Dia Feliz: o ouro de tolo

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Poderíamos comparar o Mac Dia Feliz, guardadas as devidas proporções, a um “Projétil Feliz”, “Droga Feliz” ou “Álcool Feliz”, onde os incautos de boa vontade poderiam comprar e consumir os referidos produtos em nome da solidariedade aos dependentes químicos ou da “sensação de segurança”.

por Ary da Silva Martini

A Chama Olímpica continua acesa. Pequim não morreu! Pequim é aqui! Nesse dia 30, que se repete desde 1988, Gustavo Borges e a dupla Lara Teixeira e Nayara Figueira (nado sincronizado) comandarão com potentes braçadas e perfeitos movimentos, o envio para os estômagos de alegres famílias, milhares de Big Macs (com 504 Kal, é o maior de todos!). Nesse dia, ao ingerir um ou mais Big Mac, você estará colaborando com o combate ao câncer infanto-juvenil. Coma muitos Big Macs (é o que diz o site institucional)! Quanto mais você comer, mais estará ajudando!

Uma verdade inconveniente: desde 1988 essa é a maior fonte de recursos para o combate ao câncer infanto-juvenil. Isso é uma vergonha! Seria muita pretensão minha desconstruir a lógica perversa que a campanha divulga. Também me faltam elementos (embora inúmeras publicações e estudos médicos já divulgados) para afirmar que o consumo de carne vermelha (principalmente) provoca alguns tipos de câncer e comprovadamente o Mal de Alzheimer. Sobre isso, nada encontrei no site da empresa. Pelo contrário. Lá, “o doutor” justifica e induz ao consumo: “seu filho pode comer à vontade – muitos lanches – desde que você não note início de obesidade”. Ou “crianças e adolescentes em fase de crescimento precisam comer seis vezes ao dia”

Fecha o pano. Vamos a Londres.

No período de 19 a 25 de maio, aconteceu em Londres a National Vegetarian Week – 2008. A Associação Vegetariana do Reino Unido, fundada em 1847, é a mais antiga do mundo e desde 1992 organiza a Semana Vegetariana para divulgar o vegetarianismo e seus benefícios.
No evento ocorreu o lançamento do documentário holandês Meat the Truth, assinado por Marianne Thieme, membro do parlamento holandês e criadora do Partido dos Animais (o primeiro e único no mundo). O documentário enfatiza as conseqüências ambientais de uma dieta rica em proteína de origem animal, assim como os dados estatísticos apresentados no filme, comprovam que se todos os moradores do Reino Unido deixassem de comer carne por um dia, seria o mesmo que tirar cinco milhões de carros das ruas por um ano. Dentro da mesma lógica, seria possível alimentar, não fosse a indústria da carne, 40 bilhões de pessoas somente nas terras já utilizadas.

A autora talvez tenha tentado complementar um vazio deixado por Al Gore, em "Uma Verdade Inconveniente", provavelmente intimidado pela poderosa indústria que sustenta o gigantesco consumo de carne nos EUA.

Ao contrário das grandes estréias na Inglaterra, no lançamento do filme Marianne dispensou o glamour da limusine e chegou ao cinema de bicicleta-táxi, acompanhada de outros membros do partido.

Toda a cadeia produtiva que envolve a agricultura e a pecuária para tal fim, requer combustível não renovável, cereais processados quimicamente, hormônios e fármacos com índices quase letais para o organismo humano e consumo induzido pela indústria, tendo como foco principal o homem adulto e de forma imoral e covarde o consumidor infantil.

A indústria de alimentos desenvolveu um método, até então inimaginável e extremamente sórdido, para subverter um sistema natural da alimentação humana: o fenômeno do “estômago fixo” – o ser humano come para satisfazer sua necessidade biológica até o limite de sua fome. Como não havia o que fazer com o excedente do milho e outros cereais produzidos para alimentação animal, as empresas americanas desenvolveram alimentos processados a partir desses grãos, invertendo a ordem: já não se come mais para se alimentar, mas sim pelo para ingerir “coisas” industrializadas que dão a sensação de fazer parte do mundo globalizado, exercer o poder de compra e enaltecer o consumo insustentável, transformando isso em atitudes desconexas e inconscientes em relação ao meio ambiente e à própria saúde. O grande sonho da indústria da alimentação é resolver o “problema” do estômago fixo, transformando o homem numa máquina de comer.

A cadeia improdutiva da carne é cruel: polui e esgota os mananciais de água, provoca erosão e desertificação do solo, desmatamento nas áreas florestais e aquecimento global. Nada, absolutamente nada, justifica o consumo de carne. É imensa a quantidade de terras que são utilizadas para produzir alimentos para o gado, quando poderiam produzir comida para o povo pobre. É enorme a quantidade de água e de desmatamento que está embutida no processo industrial da carne e seus derivados.

Nesse sentido, a humanidade deve repensar esse consumo. O meio ambiente não suporta mais ser arrimo do desenvolvimento insustentável. A ascensão social (uma realidade no Brasil, China e Índia, majoritariamente), se não vier acompanhada de uma profunda mudança de estilo de vida, atingirá níveis de não-retorno em termos de sustentabilidade socioambiental.

Voltando ao Mac Dia Feliz, acho que poderíamos compará-lo, guardadas as devidas proporções impostas pela cultura, oportunismo e pelo desconhecimento, a um hipotético “Projétil Feliz”, “Droga Feliz” ou “Álcool Feliz”, onde os incautos de boa vontade poderiam comprar e consumir os referidos produtos em nome da solidariedade aos dependentes químicos ou da “sensação de segurança”, por exemplo. Coma muitos Big Macs (é o que diz o site institucional)!

Portanto, no alto do podium da Rede Mac Donald’s esse trio de atletas ostentará no peito globalizado o “ouro de tolo”: medalhas forjadas a partir da criminosa indústria do entupimento, que oferece a doença e afaga a “cura”. A humanidade deve repensar esse modo de consumo que exige, para satisfazer a gula, a vida de seres sencientes (que sentem dor e prazer). Desconstruir a perversa hierarquia “homem-animal-planta” é tarefa que se impõe, pois em nome dela são justificados os crimes, a exploração, a miséria, as injustiças e a degradação social e ambiental.

Por fim, qual será o limite, o ponto de não-retorno das conseqüências da visão utilitarista em relação às demais formas de vida? A total degradação ambiental, social e cultural, permitirá ao homem, tal qual Fênix, renascer das cinzas? A natureza agirá como mãe amorosa e, na undécima hora estenderá a mão tirando a humanidade, mais uma vez, do fundo do poço? Ou, cansada e exausta, não mais acreditando, dirá: eu avisei! Agora é tarde! Mac Donald? Não, obrigado.

Artigo escrito com colaboração de Mirian R. V. Kosby, ativista na defesa dos animais, especialista em Turismo Sustentável e em Alimentação Sustentável.

Bibliografia
Pollan, Michael, O dilema do onívoro: uma breve história de quatro refeições/ tradução Cláudio Figueiredo. Rio de Janeiro- Ed. Intrínseca, 2007.

Revista dos vegetarianos. Ano 2 – Número 21. Páginas 36 a 39


Ary da Silva Martini é consultor socioambiental, autor do site www.agenda21empresarial.com.br

Fonte: Agência Carta Maior

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