É ouro com choro, Brasil. Sheila jogou tudo e fez 19 pontos, Fabiana bloqueou 9 e fez 11, Paula Pequeno comandou o time no berro e pontuou 16.
O time inteiro muito bem mas a noite foi, acima de todos, de dois personagens. José Roberto Guimarães e Mari. Ele, técnico campeão olímpico com a seleção masculina em Barcelona/92, carregado de títulos internacionais, mas também o comandante da nau feminina que afundou em Atenas e no Pan. Ele e ela no centro das atenções. Ela vive uma batalha particular, um jogo dentro do jogo. O Brasil e o ginásio de olhos postos em cada gesto seu, respiração em suspenso por Marianne Steinbrecher, a Mari.
Aos 21 anos de idade, na semi-final contra a Rússia em Atenas/2004, Mari adentrou os portões do inferno. No Pan do Rio 2007, nova derrota coletiva, e pessoal. Luzes, câmeras, ação. Pequim. Faltam 15 minutos para as 8 da noite de 23 de agosto de 2008. Estados Unidos, o adversário na final do vôlei olímpico.
Com o time do Brasil, na quadra do ginásio Capital, Mari, a aniversariante, 25 anos. No roteiro, duas alternativas: tragédia ou glória. O primeiro ponto do Brasil é dela… que não vai numa bola que é sua e 3 a 1 para os EUA no começo da partida…
Fabiana joga muito, 6 a 6. Mari bate por cima do bloqueio, 10 a 9. Paula Pequeno berra a cada ponto, incendeia o time. Fim do primeiro ato, 25 a 15, com 4 pontos de Mari, bem no bloqueio também. Mari erra. Um a zero para os EUA no segundo set. Mari erra na recepção. Erra de novo. EUA 5 a 1.
Tensão na quadra, tensão na porção verde-amarela das arquibancadas. Mari erra escandalosamente na recepção. Oito a três para os EUA. Meu telefone começa a tocar, Brasil e Pequim na linha. A mensagem é a mesma. Do que é publicável, “looser”, “amarelona”, “covarde”…
Sem olhar, num gesto mecânico, Mari bloqueia: 12 a 7. Ainda dá para virar. Mari bate e faz o 9º ponto do Brasil…Mari corta errado, 14 a 9. Não, não é mais apenas tática para impedir que a ponteira fique solta e ataque. Os Estados Unidos conhecem o roteiro, viram e reviram Atenas 2004. Bombardeiam Mari. Todos os saques em cima da número 3 do Brasil.
Mari erra, feio. Estamos a metros da quadra. A tensão entre as jogadoras, o banco, é quase palpável. Quatro anos no inferno, os olhos do Brasil sobre ela. O que pensa Mari enquanto desabam os saques americanos? Depois do jogo ela dirá.Dezessete a treze e novas ligações do Brasil: “Esse cara é louco, essa amarela vai enterrar o Brasil de novo…” José Roberto Guimarães sente o drama nos 18 a 13. Sai Mari, entra Jaqueline. Mari no banco. Zé Roberto está à sua frente, mas não olha. Dá um tempo.
Mari volta com 23 a 16, vacila, e os Estados Unidos fecham: 25 a 18. Terceiro set. Mari 1 a 0. Tensão na quadra. Mari corta e faz 3 a 2… 5 a 3 e segue a tensão na quadra. O time mal se cumprimenta a cada ponto. No saque, os EUA atacam Mari. Ela chama a bola, corta, bloqueia na volta. 7 a 4 para o Brasil. Nono ponto de Sheila e… se ouve o berro. É a Mari, que se solta: “Porra!!! Porra!!!!” Mari e Fabiana sobem no bloqueio, 11 a 6. Mari bate no bloqueio, 13 a 9. Saque em cima da Mari, e erro:13 a 11… Mari arrisca; não vai na bola fora e acerta: 20 a 12. Mari sobe, corta da ponta em diagonal e fecha o terceiro set: 25 a 13. Câmeras, ela no telão do ginásio. O time vibra, ela não move um músculo do rosto.
Cortada da seleção na reta final, agora comentarista do Sport TV, Carol explica: “Dentro da quadra a Mari é assim, é assim que ela se concentra”. Kim Willoughby, grande jogadora dos EUA, finda a partida responderia:
- Sim, sacar em cima dela era determinação tática…
Quarto set. Mari bate no fundo, e erra. Um a zero. Mari erra na recepção. Dois a zero. Meu telefone toca. Não atendo. Mari se joga, mas não consegue defender: 5 a 5. Nova ligação. É do Brasiiillll. “Por que a Mari…” Ela tenta uma defesa, quase se choca com uma cadeira no banco brasileiro.
Mari, 10 a 9. Longo rally, ela sobre e corta, no bloqueio, 12 a 11. O Brasil faz o 14º e Mari vibra na quadra. Zé Roberto aplaude. Bola duvidosa. Lang Ping, a chinesa que treina os EUA pede o ponto, Zé Roberto gesticula para a treinadora, entra na disputa com os juízes. E leva: 15 a 13.
Os EUA seguem sacando em cima da Mari, ela erra a recepção: 15 a 14. Mari defende, e corta: 15 a 15. Mari erra na recepão, 16 a 15…Mari empata: 20 a 20. Zé Roberto mexe no time, põe Thaisa para montar um paredão no bloqueio, mas 2 1 a 20. Fabiana empata, Fofão volta à quadra.
Erro dos EUA, 22 a 21. Os EUA buscam Mari, Sheila faz 23 a 21. Urros na fileira de trás, a Tribuna de Imprensa treme. Como nos velhos e bons tempos de Copa do Mundo, enfim os colegas da bancada isenta, imparcial e objetiva, me sinto em casa…24 a 21, berros, murros na bancada, os imparciais se abraçam.
Me lembro de ter visto parecido mas ainda mais isento e objetivo, com muitas lágrimas, na semi-final Brasil e Holanda, Copa 98 depois dos pênaltis. Pequim, olimpíada. A bancada está de pé…25 a 21…urros inumanos, canetas a voar, abraços, murros na table top, festa na quadra. Choro, muito choro. Na quadra, nas arquibancadas, é choro Brasil, é ouro Brasil.
Pose para os fotógrafos na arquibancada, terno escuro e gravata… e sinto pela ausência do Neguinho da Beija-Flor. Com toda aquela voz poderia anunciar, lá na arquibancada:
-OLHA O NUZMAN AÍ, GENTE!!!!!!
Virna, comentarista da Band, na quadra. Mari põe o indicador direito nos lábios e cobra: SILÊNCIO, CALEM A BOCA. O recado tem endereço certo. Não é para quem apenas criticou o que viu, é para os corvos, aqueles que se alimentam do erro, da desgraça alheia.
Desde a primeira partida estavam à espreita, aí e aqui. (Leiam). Em suas tocas, remoendo-se, cultivando os recalques, ressentimentos, torciam pelo fracasso da Mari, rezam pelo fracasso de Bernardinho e o filho Bruno amanhã.
Pergunta:
-Essa é uma resposta a quem te acusou de fracassar?
Resposta da Mari, 15 pontos na final:
-Fracasso é de quem não trabalha….sou campeã olímpica… vão ter que me agüentar…
Pergunta:
-Foi um bombardeio das americanas em cima de você, a coisa balançou no segundo set, elas esperavam uma quebra emocional? Que filme passou na sua cabeça naquela hora?
Resposta:
-Pode sacar em cima, pode bater à vontade, como bateram, eu… a gente tava preparada. Não teve filme, a gente sabia o que tinha que fazer.
Choro, todas amontoadas no chão da quadra, medalhas, hino nacional, bandeiras, foto no pódio e lá em cima, à direita, ele.
Não o vi quando o Diego e a Jade caíram, quando o Wellinsson foi quase esmagado pelo peso, quando os Thiagos perderam e o João Derly chorou, quando a Fabiana perdeu e se desesperou, quando o Ronaldinho Gaúcho chorou, quando a Marta e as meninas choraram…deve ter ligado, mandado um e-mail ou um fax, mas não soubemos. Hoje ele entregou as medalhas e vai sair na foto. Senti falta do Neguinho da Beija Flor a puxar:
- OLHA O NUZMAN AÍ, GENTE!!!!!
Fonte: Terra Magazine
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