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TERRAS INDÍGENAS
STF começa a definir futuro de Raposa Serra do Sol
Está em jogo a permanência de menos de uma dezena de grandes produtores de arroz e 50 famílias de agricultores brancos em parte da área de 1,7 milhão de hectares, onde vivem 18 mil índios das etnias Macuxi, Wapichana, Patamona, Ingaricó e Taurepang. Julgamento deverá durar pelo menos dois dias.
por Marco Antônio Soalheiro - Agência Brasil
BRASÍLIA - Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) iniciam hoje (27), às 9h, julgamento em que decidirão se a demarcação em área contínua da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, será mantida ou modificada. Está em jogo a permanência de menos de uma dezena de grandes produtores de arroz e 50 famílias de agricultores brancos em parte da área de 1,7 milhão de hectares, onde vivem 18 mil índios das etnias Macuxi, Wapichana, Patamona, Ingaricó e Taurepang.Os brancos se recusam a deixar a reserva por não concordar com as indenizações propostas pela Fundação Nacional do Índio (Funai) após o decreto de homologação, de 15 de abril de 2005. Os índios reivindicam, sob o argumento de se tratarem de terras tradicionais, o direito de exercer a ocupação exclusiva da área, aguardada há décadas.
Ao todo, há no STF 33 ações que contestam a demarcação. A que será julgada hoje foi protocolada pelos senadores de Roraima Augusto Botelho (PT) e Mozarildo Cavalcanti (PTB). Eles sustentam que o laudo antropológico que resultou na demarcação em faixa contínua é falso e defendem a exclusão de áreas produtivas, sede de municípios e estradas. A decisão que for tomada pelo STF neste processo deverá ser estendida aos demais sobre o mesmo tema e influenciar o reconhecimento de outras terras indígenas no país.
“Nós vamos decidir sobre Raposa Serra do Sol. Mas se decidirmos a partir de coordenadas constitucionais objetivas, é evidente que isso servirá de parâmetro para todo processo demarcatório, se não os passados, ao menos os futuros”, afirmou nesta semana o relator da ação, ministro Carlos Ayres Britto.
A tensão instalada em Roraima é um ingrediente a mais para a disputa, acompanhada pela Agência Brasil em coberturas especiais. Em abril deste ano, uma operação da Polícia Federal (PF) para a retirada dos não-índios foi suspensa por liminar do próprio STF. Na época, pontes de acesso à terra indígena foram destruídas e uma base de resistência armada foi montada na Vila Surumu sob a orientação do líder dos arrozeiros, Paulo César Quartiero, prefeito de Pacaraima (RR). Quartiero já foi preso duas vezes, uma delas em maio, quando índios foram baleados por funcionários do produtor ao tentar construir malocas nos limites de sua propriedade.
Nos últimos dias, índios e produtores intensificaram manifestações públicas e trocaram ameaças. Pelos menos 300 agentes da Polícia Federal e da Força Nacional de Segurança monitoram a área.
Para tornar a questão ainda mais complexa, as próprias comunidades indígenas se dividem entre o apoio e o repúdio aos produtores de arroz, sentimentos potencializados pela influência religiosa. Comunidades evangélicas não se opõem à permanência dos arrozeiros, enquanto as católicas querem a expulsão. Uns dizem que os produtores geram emprego, outros que eles degradam o meio ambiente e ameaçam as tradições indígenas.
O julgamento deverá durar pelo menos dois dias, caso não haja pedido de vista, e começará pela leitura do relatório do ministro Britto. Em seguida, várias partes interessadas deverão fazer sustentações orais. De um lado, a Advocacia Geral da União (AGU), a Funai e o Conselho de Indígenas de Roraima, em defesa da demarcação contínua. De outro, os autores da ação, o governo de Roraima e a associação dos arrozeiros do estado pela anulação da demarcação. A Procuradoria Geral da República também apresentará um parecer.
O relator revelará o seu voto, redigido em 108 páginas, após todas as partes se manifestarem. Nos últimos meses, todas as vezes em que foi questionado sobre a matéria, Ayres Britto evitou declarações conclusivas, mas revelou ter observado em visita à Raposa Serra do Sol vazios demográficos. O presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, chegou a declarar que a Constituição Federal oferece soluções adequadas para o impasse.
Fonte: Agência Carta Maior
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RAPOSA SERRA DO SOL
Mídia internacional destaca importância do julgamento
Destino da reserva da Raposa Serra do Sol desperta interesse na mídia estrangeira. Para o inglês "The Guardian", o destino das tribos da Amazônia está em julgamento enquanto o Brasil aguarda a decisão do STF. Já o francês "Le Monde" destaca a preocupação de militares brasileiros com áreas de fronteira.
por Clarissa Pont
Em pauta desde o final de 2004, a luta pela homologação da Raposa-Serra do Sol em área contínua reaparece na imprensa internacional diante do julgamento pelo Supremo Tribunal Federal que vai balizar critérios para a demarcação da terra indígena. A reserva de 1,7 milhão de hectares na tríplice fronteira entre Brasil, Venezuela e Guiana foi criada em 2005 por um ato do presidente Lula, mas a demarcação das terras é contestada agora no STF, que deve anunciar decisão esta semana.Em reportagem publicada na edição de 27 de agosto, o jornal britânico The Guardian afirma que o "destino das tribos da Amazônia está em julgamento enquanto o Brasil aguarda acórdão sobre reserva". “O Brasil aguarda a iminente decisão sobre o futuro de uma das suas maiores reservas indígenas”, abre a matéria do Guardian, de Tom Phillips, correspondente no Rio de Janeiro. “É esperado que o Supremo Tribunal Federal anuncie seu veredicto amanhã (quinta), em processo interposto por um grupo de agricultores, empresários e políticos que afirmam que a criação da reserva Raposa Serra do Sol, em 2005, foi ‘inconstitucional’”.
Segundo Phillips, estes mesmo agricultores apontam a demarcação como um obstáculo ao desenvolvimento econômico brasileiro e afirmam que possuem numerosos indígenas entre os seus empregados. O Guardian denuncia que a violência na região eclodiu no início de 2008, “após o governo tentar eliminar todos os não-indígenas da reserva. Pontes foram queimadas e um grupo de indígenas foi alvo de tiros, disparados possivelmente por pistoleiros contratados por agricultores locais”.
A matéria prossegue: “Ativistas dizem que uma decisão que reduza o tamanho das reservas indígenas iria incentivar ainda mais invasões por garimpeiros, madeireiros e fazendeiros”. Fiona Watson, militante da Ong Survival International, entrevistada por Phillips, afirmou que “uma decisão a favor dos agricultores poderia destruir os indígenas, seu modo de vida e definir um catastrófico precedente para índios em todo o Brasil". O texto encerra indicando que, no ano passado, um militar brasileiro não identificado teria dito ao correspondente que as forças armadas brasileiras acreditavam que narcotraficantes poderiam aproveitar a ausência do Estado na área indígena e utilizar as comunidades no contrabando de cocaína para o Brasil. “Muitos altos responsáveis das forças armadas vêem a reserva - localizadas ao longo de fronteiras - como uma ameaça à segurança nacional”, encerra o texto.
Um outro artigo, publicado pelo francês Le Monde, também ressalta a preocupação militar com áreas de fronteira. “Um conflito agrário dentro dos limites da Amazônia brasileira despertou a preocupação dos militares” é o título do texto assinado por Annie Gasnier, publicado no dia 9 de agosto de 2008. A primeira fonte citada pelo jornal é Jacir de Souza, liderança indígena. "Confiamos no Supremo Tribunal Federal porque estas terras são tradicionalmente ocupadas pelos índios, e foram entregues a nós", afirma Souza, que vive na reserva de Macuxí. O breve texto do Le Monde encerra explicando que o destino de 14 mil indígenas de cinco diferentes grupos étnicos está nas mãos dos juízes do STF.
Uma luta antiga
Há mais de 20 anos, as comunidades indígenas de Roraima lutam pela homologação da Raposa-Serra do Sol em área contínua (o equivalente a 1,67 milhão de hectares), e não em ilhas, como querem os agricultores que invadiram as terras na década de 90. Além disso, a existência do município de Uiramutã, criado em 1996, e cuja sede está na terra indígena é outro entrave no caminho da homologação.
Em outubro de 2004, o jornal The New York Times já havia pautado o assunto. Em 15 de outubro daquele ano, Larry Rohter escreveu um artigo intitulado “Batalha dos índios brasileiros: ‘Esta terra é nossa terra’”. Na época, segundo Rohter, colonos brancos ignoraram os avisos que proclamam a fronteira das aldeias como "terra protegida" e construíram uma pista, uma fina escola técnica, uma prefeitura e lojas, tudo protegido por uma nova base militar. “Agora, os recém-chegados à terra estão usando o sistema judiciário para tentar expulsar os índios a partir de partes da reserva. Aproveitando vantagens burocráticas e lacunas na lei, essas pessoas, lideradas por poderosos plantadores de arroz e fazendeiros, têm persuadido juízes simpáticos a fim de ordenar os índios deixem as terras que têm ocupado por gerações”.
“O confronto apresenta o primeiro grande teste do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na direção de políticas para os povos indígenas do Brasil. (...) Criar uma reserva indígena no Brasil é um procedimento complexo que pode facilmente ser prorrogado por uma década ou mais”. A previsão se confirmou, antevendo o complexo processo que se desenvolve agora, com o julgamento da ação que pede a anulação da portaria que definiu a demarcação contínua da reserva indígena.
Fonte: Agência Carta Maior
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