de Paul Harris, no jornal britânico The Guardian
A "sala de guerra" dos republicanos em Denver parecia inofensiva. Era numa rua movimentada de um bairro de motéis modestos e postos de gasolina. Só um cartaz feito à mão, com uma seta e as palavras "John McCain" indicava o caminho.
Mas as aparências enganam. Mais de duas dúzias de assessores republicanos estavam acampados em Denver na semana passada, liderando os ataques contra Barack Obama, que discursava diante da Convenção Democrata por perto: "Viemos aqui para deixar os democratas putos", disse um assessor republicano com um sorriso.
Eles conseguiram. A cada dia novos anúncios martelavam um incansável batucar de negatividade, pintando Obama como muito liberal, muito inexperiente e praticamente um perigo para o futuro dos Estados Unidos. Luzes-guia do universo republicano desfilavam diante das câmeras numa demonstração disciplinada da construção da mensagem do partido. Uma performance típica veio do ex-prefeito de Nova York, Rudy Giuliani. "Há ainda uma série de questões sobre o preparo de Barack Obama para comandar o país", disse Giuliani, antes de dar um passo ao lado para mostrar o anúncio mais recente numa TV gigante de tela plana.
O anúncio atacou Obama como tão ignorante em política externa que é virtualmente uma ameaça para si mesmo. Tocou nas questões que amedrontam, como o terrorismo islâmico e as armas nucleares do Irã. Depois as posições de Obama em segurança nacional foram apresentadas como ingênuas ou fracas. "Esses são anúncios para contrastar", Giuliani disse depois. "Os dois lados fazem isso".
É uma meia-verdade. Os democratas lançam anúncios de ataque e fazem campanhas negativas, mas ninguém faz isso como o Partido Republicano. Sob uma sucessão de gênios da escuridão, o partido aperfeiçoou a arte negra das campanhas negativas. Criou a mais eficaz máquina de ataque do mundo ocidental, com o objetivo único de destruir oponentes e ganhar eleições. Para os adversários é uma fonte de choque, desgosto e mais do que inveja. Os tentáculos dessa máquina vão da campanha de McCain aos cantos obscuros de programas de rádio, da internet a grupos que se dispõem a propagar qualquer tipo de boato.
Agora essa máquina focalizou com intensidade em Obama. O clamor é alto e agudo: Obama é vaidoso, inexperiente, liberal e perigoso. O clamor é apoiado por um coro clandestino que sussura que ele tem um passado secreto no Islã e usa linguagem carregada de tintas raciais. E o volume só vai aumentar. Esta semana, enquanto McCain e os republicanos se reunirem na convenção em Saint Paul, Minnesotta, o barulho vai se tornar ensurdecedor. Tem um único objetivo -- manter a Casa Branca nas mãos republicanas a qualquer custo e contra toda a expectativa.
O atual cérebro da máquina de ataque republicana é conhecido como "o Bala". Ele é Steve Schmidt, um protegido do guru de Bush, Karl Rove. Apelidado tanto pelos resultados que obteve quanto pela própria careca, ele fez o nome como comandante da sala-de-guerra que destruiu o democrata John Kerry em 2004. Trazido para acertar a campanha em julho, Schmidt impôs disciplina em uma campanha desorganizada. Ele dissuadiu McCain de suas conversas informais com repórteres e mudou o foco, com o objetivo de tornar Obama inelegível.
Schmidt trabalha com o princípio de repetir a mesma mensagem simples em tom alto e freqüentemente. Anúncios atacam Obama como uma "celebridade" ou um falso messias. Com isso se espera transformar o ponto forte de Obama -- a capacidade de inspirar --- num problema fatal. Essa estratégia é apoiada por outra mensagem: Obama não está preparado para ser presidente. "Não está preparado-2008" é o nome de um site da internet montado pela campanha. A linguagem pode ser dura. "Estamos na caça da Casa Branca. Barack Obama terá que mostrar mais que uma língua esperta, palavras brilhantes e um belo terno", diz o republicano de Maryland Michael Steele.
A campanha parece feliz ao torcer palavras. No anúncio que Giuliani mostrou, Obama foi atacado por se referir à "pequena" ameaça nuclear do Irã. Na verdade, Obama disse que o problema do Irã era "pequeno se comparado com a União Soviética". Outros comerciais misturam imagens do candidato democrata com imagens de Britney Spears. Um anúncio em estilo de piada pintou Obama como uma figura no feitio de Moisés, capaz de partir o Mar Vermelho. Brincando com a mensagem de "esperança" e "mudança" o radialista Rush Limbaugh se refere no ar a Obama como "o Messias".
Os cães de ataque se abraçam sem problemas em políticos que já atacaram. Na semana passada os republicanos elogiaram as conquistas e o brilhantismo de Hillary Clinton, tentando explorar divisões no Partido Democrata. Agora buscam ex-apoiadores de Clinton que apóiam McCain e os mostram como se fossem prisioneiros de guerra. "O McCain realmente admira e respeita [Hillary] e elogia a campanha que ela fez", diz Carly Fiorina, uma assessora de McCain. São palavras surpreendentes vindas de uma figura importante de um partido que passou duas décadas demonizando Clinton como uma feminista esquerdista. Mas essa é uma das chave do sucesso da máquina de ataque republicana: o passado não existe. O que interessa é o agora. Os democratas sabem que mais do mesmo virá. "Essa será a pior campanha que já enfrentamos", diz Terry McAuliffe, ex-dirigente da campanha de Clinton.
Schmidt e sua operação de relações públicas são apenas a ponta visível desta máquina. Os anúncios mais agressivos não são feitos pela campanha de McCain. Eles são feitos pelos assim chamados "grupos 527" -- nomeados pelo número de um artigo da lei -- que não podem ser ligados oficialmente a qualquer campanha. Esses grupos são financiados privadamente e existem paralelamente às campanhas, uma espécie de CIA por fora do orçamento. Os democratas também são ajudados por grupos 527, embora Obama tenha tentado reduzir essas atividades. Mas os republicanos as consideram altamente eficazes.
A campanha do Swift Boat, que levantou questões sobre o serviço militar de John Kerry no Vietnã, na campanha de 2004, era de um grupo 527.
[John Kerry, condecorado por bravura no Vietnã, perdeu a eleição para George W. Bush, que fugiu do serviço militar]
Foi financiada principalmente por um bilionário do Texas, Harold Simmons. Simmons doou o equivalente a 6 milhões de reais a um grupo 527 chamado American Issues Project. Na semana passada o AIP lançou o anúncio mais negativo da campanha até agora. Ligou Obama a Bill Ayers, um ex-radical que pertenceu ao Weather Undergound, um grupo que usou bombas nos anos 60 [durante a campanha por direitos civis]. Ayers, agora professor, fez parte de um grupo contra a pobreza do qual Obama também participou e os dois têm outras ligações menores. O anúncio, no entanto, usa imagens dos atentados de 11 de setembro para pintar Obama como amigo dos terroristas. Muitos outros anúncios do AIP estão em preparação.
Mas não são apenas os 527 que atuam. Há uma indústria dedicada a publicações anti-Obama. A mais popular é "The Obama Nation", do polemista republicano Jerome Corsi. O livro pinta um Obama radical que teve uma ligação passada e secreta com o islamismo -- críticos dizem que é possível provar que o livro está errado. Corsi também pediu a Obama que faça um teste de drogas e advertiu que ele pode criar um "departamento contra crimes de ódio", se eleito. "The Obama Nation" é um bestseller promovido por figuras conhecidas da mídia, como o comentarista conservador Sean Hannity, da Fox News. Em seu show, Hannity permitiu a Corsi dizer que Obama quer que mulheres façam aborto mesmo depois da criança ter nascido. Em vez de refutar a acusação, Hannity se disse chocado. O incidente fez com que um grupo de análise de mídia liberal afirmasse que Obama nunca apoiou o assassinato de recém-nascidos.
Ainda assim Hannity e um grupo de figuras da mídia conservadora fazem eco aos ataques da máquina republicana e os propagam para milhões. Esse grupo inclui gente da TV como Glenn Beck, da CNN (que na semana passada chamou Obama de "marxista"), Matt Drudge na internet e personalidades do rádio como Rush Limbaugh, o mais poderoso dos Estados Unidos, com uma audiência estimada de 20 milhões de ouvintes em 600 emissoras. Limbaugh freqüentemente pinta Obama como tendo sido beneficiado pela "ação afirmativa" em sua carreira política. Ele também faz freqüentes referências ao sobrenome de Obama, Hussein. São duas formas de inflamar questões raciais e religiosas. E podem ser eficazes.
O pai da moderna máquina de ataque republicana foi Lee Atwater, originário da Carolina do Sul, apaixonado pela guitarra de blues e pelos ataques políticos brutais que, antes de morrer de câncer no cérebro em 1991, escreveu cartas para se desculpar diante daqueles que suas campanhas haviam destruído.
Antes de sua profunda mudança Atwater mudou a cara da política americana. Durante os anos 70 ele transformou o pessoal em político. As táticas dele foram condenadas mas foram eficazes, especialmente na destruição do candidato presidencial democrata Michael Dukakis em 1988 e na eleição de George Bush pai. Dukakis foi acusado de ser depressivo, a mulher dele por um dia ter queimado uma bandeira americana e finalmente Dukakis foi atingido por um anúncio com tons raciais estrelado pelo assassino negro Willie Horton, condenado por roubo e estupro depois de ser solto num programa que dava liberdade condicional em fins-de-semana. [Dukakis era governador de Massachussets quando Horton foi solto, tirando proveito do programa]. "Lee Atwater arruinou a política. Tudo começou com ele", diz McAuliffe.
Atwater foi mentor do jovem Karl Rove. Rove, por sua vez, foi mentor de Schmidt. "Há uma razão pela qual Steve Schmidt, que foi cria de Rove, que foi cria de Atwater, está dirigindo a campanha de John McCain", diz Joe Conason, autor do livro Big Lies. A razão é simples -- essas táticas funcionam. Quando os republicanos estão se distanciando de Bush, atacar Obama pessoalmente é o caminho mais sólido.
A campanha de Obama parece determinada a não repetir os erros de Kerry, Al Gore e Dukakis. Está contra-atacando. A admissão de McCain de que ele não sabia quantas casas tinha foi explorada ferozmente. A campanha de Obama usa palavras-código para se referir à idade de McCain. Em seu discurso de quinta-feira passada [na Convenção Democrata] Obama usou linguagem dura para atacar McCain. De fato, ele fez ameaças veladas de que fará novos ataques, quase que pedindo para que McCain faça dessa campanha uma briga pessoal.
A campanha de Obama enfrentou os anúncios negativos agressivamente. Sítios da internet foram criados para desmentir acusações. Quando o anúncio da AIP sobre Ayers foi lançado, assessores de Obama entraram em contato com emissoras de TV para pedir que fosse rejeitado. Algumas concordaram, outras não. Mesmo a Fox não colocou no ar. A campanha foi ao Departamento de Justiça pedir que os anúncios fossem tirados do ar. Essa atitude relembra a postura de Bill Clinton antes de chegar à Casa Branca. O livro de Corsi também foi recebido com uma onda de desmentidos que reduziu o seu impacto. "O livro de Corsi não foi bem sucedido. Não como o ataque do Swift Boat", disse Conason.
Obama aprendeu a se defender mas a máquina de ataque democrata é muito menor que sua equivalente republicana. De qualquer forma já se sabe como um ataque contra McCain funciona. Em 2000 a máquina republicana quebrou McCain quando ele enfrentava Bush nas primárias. Então, sob a liderança de Rove, McCain foi pintado como um homem instável que poderia ter tido uma filha ilegítima negra. Isso destruiu as chances de McCain. [A instabilidade teria sido causada por tortura quando McCain foi prisioneiro de guerra no Vietnã; quanto ao boato sobre a filha, McCain tem uma filha adotiva que é negra].
Agora a mesma máquina apóia McCain. Esta semana em St. Paul essa máquina se prepara para repetir as cinco vitórias nas últimas sete eleições. Ainda assim, em meio a tantas acusações, talvez este ano haja algo mais importante em jogo do que a Casa Branca. Meses antes de morrer, contaminado por um terrível câncer e sem poder se mover, Atwarer escreveu um artigo para a revista Life. Ele apelou para que futuros líderes políticos corrigissem esse estilo faminto de fazer política que ele aperfeiçoou.
"Eles devem ser forçados a falar ao vácuo espiritual que está no coração da sociedade americana, esse tumor da alma", ele escreveu. Mas, enquanto o campo de McCain se prepara, a maior parte dos assessores republicanos pensa nas muitas vitórias de Atwater. Poucos vão considerar o custo dessa tática ou o pedido que Atwater fez antes de morrer.
Quem são os cães de ataque?
Sean Hannity
Ninguém faz o slogan da Fox News, de ser "justa e equilibrada", parecer mais ridículo do que Hannity. O apresentador é tão de direita quanto possível e é altamente eficaz como parte da propaganda republicana. Ele tem um show com o liberal Alan Colmes, mas Colmes faz o papel de apanhar, não de uma visão alternativa. Hannity promove o trabalho de Jerome Corsi.
Jerome Corsi
Corsi ganha a vida publicando livros em que prefere a polêmica aos fatos. O primeiro ataque do nativo de Cleveland foi contra John Kerry, num livro chamado Unfit for Command. Mas seu "grande sucesso" foi o The Obama Nation. É um bestseller na lista do New York Times. Quando o título é falado rapidamente faz um trocadilho para "abominação". Corsi deve achar engraçado.
Rush Limbaugh
Um colosso dos conservadores dos Estados Unidos, o programa de rádio dele é ouvido por milhões. Tem um ponto-de-vista altamente conservador, no qual o aquecimento global não existe e há terroristas em todo canto. Ele sempre fala sobre a questão da raça de Barack Obama -- mas pediu aos ouvintes que apoiassem Obama nas primárias democratas, no que batrizou de Operação Caos, parte da estratégia de dividir o partido adversário.
Glenn Beck
Crítica do "politicamente correto" no rádio e na TV. Certa vez disse, do documentarista Michael Moore: "Estou pensando se poderia matá-lo pessoalmente ou poderia contratar alguém para fazê-lo. Acho que daria conta". Recentemente perguntou a um pastor, no ar: "Obama é o anti-Cristo?". Escreveu dois bestsellers: Um Livro Inconveniente e Os Estados Unidos Reais: do Coração e do Interior.
Steve Schmidt
Conhecido como "a Bala" por sua careca e sua tática, Schmidt é o autor da estratégia de ataque de John McCain. Ele é disciplinado e opera nos bastidores. É muito eficaz e ajudou a destruir John Kerry em 2004 e a reeleger Arnold Schwarzenegger como governador da Califórnia em 2006. O que não é comum para um profissional de campanha, diz que odeia Washington DC e prefere sua casa na cidade liberal de San Francisco.
Fonte: Vi o Mundo
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