por Luiz Carlos Azenha
Desculpem. Não quero parecer pedante. Mas é que depois de uma temporada fora do Brasil -- e, principalmente, depois de uma temporada me informando sobre o Brasil pela internet -- não posso deixar de lamentar a qualidade dos jornais brasileiros. Aliás, daquele que se diz o melhor jornal brasileiro, a Folha de S. Paulo.
Ai que tristeza. Morri com 4 reais.
Nem sei por onde começar. Sei, sim. Vou começar pelo artigo que a Folha de S. Paulo reproduziu sobre Barack Obama, assinado por Robert Kagan.
Demonstra a falta de noção do jornal.
Como notou a Folha, nas letrinhas pequenas, Kagan é assessor informal do candidato republicano John McCain.
Só isso já deveria ser motivo para o jornal não publicar o artigo de Kagan sobre Obama.
Kagan é neocon. David Brooks é neocon. William Kristol é neocon. Os neocons são uma "praga" . Contaminaram o "jornalismo" americano. Usei aspas pelo fato de que não se pode falar em jornalismo neocon. As duas palavras não se misturam. Ou não deveriam se misturar. Os neocon primeiro são ativistas políticos. A verdade factual não interessa a eles. São propagandistas de sua posição ideológica. O jornalismo é apenas um instrumento, um meio.
Acreditar que o Kagan vai escrever algo que não tenha um objetivo político é o mesmo que acreditar que o Ali Kamel ou o Reinaldo Azevedo estão preocupados com a verdade factual. Eles se acreditam envolvidos numa gigantesca batalha ideológica contra o "mal" de ocasião: hoje é o Lula, amanhã é estado brasileiro, depois de amanhã o Bolsa Família, no dia seguinte os professores do ensino público e mais adiante os "esquerdistas".
O importante é ter um "inimigo" a ser derrotado através do convencimento. O jornalismo é uma ferramenta de convencimento. Se for preciso suprimir uma informação vale, já que para os neocon o jornalismo, repito, é apenas um meio para atingir um objetivo. É só ler o Weekly Standard para entender: o objetivo da revista é propagandear o discurso neocon.
Voltando ao Kagan, no artigo ele diz que Barack Obama também terá uma política externa intervencionista. Afirma isso baseado em um discurso de Obama. Só saberemos a política externa do democrata quando ele assumir, se for eleito. É possível especular. Obama é um camaleão que se adapta às circunstâncias. Aliás, como qualquer político.
Meu ponto é que você não pode julgar o Obama pelo que escreve um assessor do John McCain, especialmente um neocon. O objetivo do artigo do Kagan é desacreditar Obama entre a esquerda do Partido Democrata, cuja militância é importante numa disputa eleitoral como a que vai acontecer em novembro.
Os neocon acreditavam que a derrubada de Saddam Hussein criaria no Iraque uma democracia secular que serviria de farol para o Oriente Médio.
Produziram um governo majoritariamente xiita, fortemente influenciado pelo Irã, que ganhou importância regional e hoje projeta seu poder no Líbano -- através do Hezbollah -- e nos territórios palestinos -- através do Hamas.
Na cabeça dos neocon o próximo objetivo é "patrocinar" um ataque dos Estados Unidos -- ou Israel -- ao próprio Irã. Na cabeça deles depois de ter livrado Israel de um inimigo regional -- o Iraque -- agora falta o Irã.
Eles acreditam que tudo se resolve pela via militar, não levam em conta a "lei das conseqüências não pretendidas" -- que deu em um governo xiita no Iraque -- e desprezam a história, a diversidade e as nuances dos países árabes e muçulmanos.
Para os neocon o negócio é sentar paulada na cabeça da "turma dos turbantes", acreditando que isso beneficia Israel.
Como notou um comentarista em um jornal de Israel, os israelenses deveriam se preocupar quando entre os grandes defensores do país nos Estados Unidos figuram líderes de um grupo cristão que crê no fim do mundo.
O que os neocon estão fazendo agora, nos Estados Unidos, é se posicionando para influenciar quem quer que seja eleito, depois de terem sido chutados do governo Bush.
Preferem John McCain, que tem a guerra no sangue.
Mas, num governo Obama, travarão sua guerra ideológica com o objetivo que descrevi acima.
Um bom jornal ouviria gente pró e contra o Obama, com o objetivo de tentar antever a tendência da política externa de um eventual governo democrata. Mas isso envolve tempo e dinheiro. Fica mais fácil mandar traduzir um artigo de propaganda eleitoral de um assessor de McCain e publicá-lo como "jornalismo".
Fonte: Vi o Mundo
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A Folha, imprestável II
por Luiz Carlos Azenha
A Folha de S. Paulo, desmentida pelos fatos, insiste na mentira.
É inacreditável.
O jornal publicou um editorial, Ocupar as Fronteiras, desmentido pelo Itamaraty.
O editorial dizia que o Brasil apoiou a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas e que essa declaração contraria a Constituição Brasileira. Ou seja, uma acusação séria.
O fato, que a Folha omitiu, é que a extrema-direita doidivanas usa a declaração supra-citada como exemplo de que os indígenas brasileiros serão usados para desmembrar o Brasil.
Essa "viagem" tem um objetivo: tomar terra dos indígenas, em nome das mineradoras e do agronegócio.
Como notou o Itamaraty, contestando o editorial da Folha, a declaração acima citada não tem "coercitividade jurídica". O que o Itamaraty quis dizer, de forma diplomática, é que o documento não vale nada.
Além disso, a própria declaração contém uma cláusula -- convenientemente omitida pela Folha -- dizendo que o documento não pode ser usado como endosso em "qualquer ação direcionada a desmembrar ou a reduzir, total ou parcialmente, a integridade territorial ou a unidade política de Estados soberanos e independentes".
Ou seja, o jornal errou e, em vez de assumir, reafirma o erro cometido.
A Folha virou porta-voz da extrema direita doidivanas, que está por trás da campanha para extingüir a reserva Raposa/Serra do Sol, em Roraima.
Feito isso, essa mesma turma quer acabar com a reserva dos ianomâmis e outras.
Ser a favor da defesa das fronteiras brasileiras é o mesmo que ser a favor do fim do câncer.
Todo mundo é.
O problema é como fazer isso.
Os militares, sabemos, acreditam que a integração deve ser feita pelo desenvolvimento no modelo que se deu aqui em São Paulo: enchendo a Amazônia de indústrias e produção.
A lógica é perversa: vamos destruir tudo. Feito isso, os Estados Unidos e a Europa não poderão cobiçar a Amazônia.
Mas existe uma opção, sim.
É o Brasil imaginar que a integração econômica da Amazônia se dará sem a devastação da floresta, num mundo que está se tornando pós-industrial, em que o valor dos serviços -- turismo, por exemplo -- será maior que o valor da manufatura.
Nesse mundo a ocupação da Amazônia será feito dentro de um zoneamento, com a definição prévia de áreas de agronegócio, de mineração, produção de energia e assim por diante.
As reservas indígenas têm um papel a desempenhar neste mundo: além da preservação cultural, a preservação dos bens da União contidos nelas. Rios, matas, santuários ecológicos.
A biodiversidade será o engenho de uma economia moderna, dos séculos 21 e 22.
Estou falando na exploração dos recursos naturais com o objetivo de desenvolver a biotecnologia e outras indústrias "limpas".
Vamos transformar o rio Amazonas num imenso Tietê? É isso o que interessa?
Infelizmente, este é um debate quase inexistente no Brasil.
O curioso é notar como o discurso de defesa "dos interesses nacionais" é usado.
Se for para tomar terra dos índios, em nome do agronegócio e das mineradoras, vale se enrolar na bandeira do Brasil.
Mas se o governo brasileiro fala em aumentar sua participação nos lucros do petróleo aí não pode.
Aí é o estado ameaçando a iniciativa privada.
Ou seja, estamos assistindo à defesa seletiva da soberania brasileira.
Soberania sim, mas desde que em defesa dos interesses da elite branca do Sul Maravilha.
Fonte: Vi o Mundo
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