sábado, 23 de agosto de 2008

O capitalismo e seus “excessos obscenos”

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Neste momento da história, o capitalismo “liberal” não pode se aliar com o seu grande inimigo comunista, pois esse grande inimigo não existe mais. O grande inimigo se tornou justamente o seu “excesso obsceno” e hoje é chamado de “fundamentalismo islâmico"

No início do século 20, com a ascensão da União Soviética como potência mundial, o capitalismo passou a buscar maneiras de neutralizar e destruir a revolução comunista que ameaçava se espalhar pelo mundo. Com esse objetivo o capitalismo mobilizou aquilo que o filósofo esloveno Slavoj Zizek chamou de “seu excesso obsceno”. Esse “excesso obsceno” ficou conhecido como fascismo e se tornou tão grande e tão forte que o capitalismo “liberal” foi obrigado a unir forças, em um pacto esdrúxulo, com o seu verdadeiro inimigo, o comunismo soviético, para derrotar o “excesso obsceno” fascista.

Nesse sentido, Zizek faz uma inteligente ponderação: “Significativamente, a guerra entre o capitalismo e o comunismo foi uma guerra fria, ao passo que a grande guerra quente foi lutada contra o fascismo.” Não aprendida a lição, o capitalismo voltou a fomentar a aparição de seu “excesso obsceno” no fim século 20 para novamente combater o seu grande inimigo comunista. Dessa forma, o governo estadunidense – atual comandante-em-chefe do capitalismo “liberal” – patrocinou a criação do Talibã, que tinha em Osama Bin Laden um de seus principais agentes, para enfrentar a invasão soviética no Afeganistão. Resultado: esse fantasma criado para combater o comunismo, voltou-se contra o tão glorioso capitalismo “liberal”.

O que fazer então para conter o avanço deste novo “excesso obsceno”? É importante ressaltar que neste momento da história, o capitalismo “liberal” não pode se aliar com o seu grande inimigo comunista, pois esse grande inimigo não existe mais. O grande inimigo se tornou justamente o seu “excesso obsceno” e hoje é chamado de “fundamentalismo islâmico”. Outro ponto relevante é que, embora os EUA tenham atacado o Afeganistão e invadido o Iraque, o “terrorismo fundamentalista islâmico” não possui território definido, ele pode estar em qualquer lugar a qualquer hora. Para Slavoj Zizek “o que nos espera é algo muito mais estranho: o espectro de uma guerra ‘imaterial’, em que o ataque é invisível – vírus, venenos que podem estar em qualquer lugar ou em lugar nenhum. No plano da realidade material visível, nada acontece, nenhuma explosão; ainda assim o universo conhecido começa a desmoronar, a vida a se desintegrar. Estamos entrando numa nova era de guerra paranóica em que a principal tarefa será identificar o inimigo e suas armas”.

O 11 de Setembro, em que as torres do World Trade Center vieram abaixo, marca o início dessa nova “guerra paranóica”. Em que pese que o 11 de Setembro serviu para a ideologia hegemônica dominante dos EUA reafirmar sua luta contra os movimentos antiglobalização, essa data foi, conforme Zizek, o “último grito espetacular da guerra do século 20”. A partir daquele momento entramos em uma nova era. A luta, então, passa a se dar em outros termos. E nesse momento constatamos uma nova ironia, talvez ainda mais esdrúxula do que a união entre capitalismo e comunismo para derrotar o fascismo. Nesse momento da história, o capitalismo “liberal”, tão ávido por lutar contra o terrorismo islâmico antidemocrático é capaz de eliminar a própria democracia e a liberdade para destruir o seu excesso.

O capitalismo “liberal” é, portanto, uma farsa, um engodo. A democracia liberal representativa, uma exótica mentira, na qual a corrupção é um evento corriqueiro e as pessoas têm liberdade para fazer tudo o que quiserem dentro de uma ordem social estabelecida em que não é permitido a contestação ou o pensamento crítico. Nas palavras de Zizek “quem finge levar a sério a ideologia liberal hegemônica não pode ser ao mesmo tempo inteligente e honesto: ou é estúpido ou um cínico corrompido”.

Com isso, só nos resta dois caminhos: ou aceitamos esse embuste democrático ou formulamos uma alternativa à esquerda, que supere esse modelo capitalista anacrônico, desumano e seus “excessos obscenos”.

Roberto Dornelles é graduado em jornalismo pela Universidade de Caxias do Sul (RS).

Fonte: Agência Carta Maior

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