terça-feira, 5 de agosto de 2008

Podemos ser protagonistas

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da Redação Carta Capital


Foto: Márcio Pochmann, diretor do Ipea


O período da tarde dos Diálogos Capitais, evento promovido pela revista CartaCapital na segunda-feira 4, tinha como tema a crise global em relação aos alimentos, assunto que engloba desde a alta mundial dos preços –que foi discutida pela manhã por debatedores como o atual ministro da Fazenda, Guido Mantega, e o colunista de CartaCapital Delfim Netto—às perspectivas de aumento da segurança alimentar, que já assola a parcela mais pobre da população mundial.

Mas houve um outro consenso durante a realização do debate. Com maior ou menos grau de concordância, os palestrantes que participaram do painel mediado por Márcia Pinheiro, editora de economia de CartaCapital, acreditam que o Brasil vive um momento bom, em que pode tornar-se um protagonista da economia mundial, em razão de seu potencial em áreas como a produção de alimentos, biocombustíveis e petróleo.

Marcos Vinícius Pratini de Moraes, ex-ministro da Agricultura no segundo mandato de FHC e expositor do painel, disse que esse protagonismo do Brasil deve começar com o fortalecimento do mercado interno consumidor de gêneros agrícolas, tendência que vem acontecendo no País nos últimos anos. “O mercado do agronegócio é para consumo interno, as exportações são apenas 20% da produção, e é bom que continue assim, isso dá estabilidade, temos que pensar em garantir a demanda daqui antes de sairmos vendendo para o exterior”.

Outro ponto levantado pelo ex-titular da Agricultura foi a procura de explicações miraculosas da escassez de alimentos que atinge o planeta atualmente. Para Pratini de Moraes, está faltando comida porque mais gente está comendo, porque o mundo está crescendo, as pessoas tem mais renda, consomem mais, é isso que explica os estoques de apenas 400 milhões de toneladas de grãos, enquanto a demanda mundial é de 2,1 bilhões”.

O presidente da Associação das Empresas Exportadoras de Carne deu a sua versão sobre os fracassos da tentativa da Rodada Doha, da OMC, de organizar o comércio global.

“Doha não fracassou individualmente por causa de Brasil, Índia, Estados Unidos, ou qualquer outro país”, afirma Pratini de Moraes. “Fracassou por conta do lobby dos produtores agrícolas de EUA, União Européia, Japão e Coréia do Sul, que recebem 1,25 bilhão de dólares por dia.”

É por isso que o ex-ministro acha que o Brasil deve assumir sua vocação como última fronteira agrícola do mundo, que usa apenas 7,4% da sua área para a agricultura, e assumir de vez a posição de celeiro do mundo. “Somos um dos países que menos planta em relação ao território. Nos EUA, são 28%, na União Européia, varia entre 25% e 60% do território”, explica o ex-ministro. “O mundo precisa do Brasil para comer e não podemos ser uns babacas exportadores de commodities, temos de agregar valor ao agronegócio.”

Na conclusão de sua apresentação, Pratini de Moraes disse que o brasileiro precisa mudar sua visão de que a agricultura é um setor primitivo e que precisa ser valorizada, pois pode ser a porta de entrada do Brasil que toma decisões no cenário da economia globalizada.

Um contraponto à opinião do ex-ministro Pratini de Moraes foi Marcio Pochmann, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e professor de economia da Unicamp. Ele concorda que o Brasil pode ter futuro como produtor de gêneros alimentícios para o mundo globalizado, mas diz que esse pode ser a continuação de um cenário de má distribuição de renda e enriquecimento exagerado de poucos grupos ligados ao agronegócio.

“É inegável que o Brasil precisa se posicionar em relação ao novo capitalismo que está emergindo, esse capitalismo pós-industrial, em que a força está no setor terciário, na prestação de serviços”, explicou o presidente do Ipea. “Também é inegável que o País tem uma vocação para o agronegócio, para a produção de gêneros alimentícios, para o petróleo, parece que viveremos um período de abundância em todas essas áreas”.

Para Pochmann, trata-se a escolha de um modelo que seja mais adequado às características do novo capitalismo, e que consiga fazer com que essa força do Brasil em produzir gêneros primários seja capaz de gerar oportunidades para a melhoria de todos os brasileiros, não apenas de uma pequena elite.

“Será que queremos repetir o modelo de monocultura, de dominância de um pequeno número de pessoas que detém a terra e a produção, como sempre fizemos desde os tempos de colônia?”, questiona Pochmann. Para o professor da Unicamp, o Brasil só será realmente protagonista da nova economia se assumir a faceta de predominância do agronegócio para gerar uma sociedade que distribua mais renda e faça a inclusão de todos os estratos da sociedade brasileira e não fique refém de um novo feudalismo moderno, de empresas encasteladas e multibilionárias.

Fonte: Carta Capital

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