sexta-feira, 8 de agosto de 2008

A utilidade do grampo

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Coluna (Nas entrelinhas) publicada hoje no Correio Braziliense.

É incrível, mas o Senado Federal não havia enxergado inconveniente em prorrogar sem licitação um contrato cuja origem já estava denunciada formalmente pelos promotores

Por Alon Feuerwerker
alon.feuerwerker@correioweb.com.br

O delegado Protógenes Queiroz saiu-se bastante bem da maratona a que foi submetido na CPI dos Grampos. Quanto mais o tempo passa, mais difícil fica a missão de quem se dedica a demonizar o policial, desde que a Operação Satiagraha bateu nas franjas do poder e ameaçou expor o núcleo radioativo da corrupção brasileira: as relações incestuosas que políticos e empresários estabelecem para, juntos, beneficiarem-se do dinheiro e dos bens públicos.

Aliás, a movimentação frenética das formigas talvez seja sinal de que a coisa tenha se aproximado de algum ponto importante no formigueiro, de algum lugar que deve ser protegido a qualquer custo. É notável a convergência de políticos e ideólogos na tentativa de ridicularizar o delegado e o juiz Fausto de Sanctis. O policial cometeu erros? Sim. Especialmente na interpretação sobre o trabalho da imprensa. Esses erros comprometem o conjunto de seu trabalho? Não, não comprometem.

Vamos ver até onde chegam a Polícia Federal, o Ministério Público e a Justiça. E, mesmo que não cheguem a lugar nenhum além dos já alcançados, o trabalho das autoridades já terá sido útil, nem que apenas para aumentar a pressão sangüínea de quem se habituou, ao longo dos anos, a ver a confusão passar bem longe do que realmente interessa.

Outro efeito colateral da Operação Satiagraha foi colocar na pauta o assunto da disseminação das escutas telefônicas. Também aqui é necessário desconfiar, agora do alarido generalizado contra os grampos. Faz tempo que tal modalidade de investigação é fonte de material útil para o trabalho da Justiça e da imprensa. E essa última tem seguido a regra de ouro de só divulgar escutas feitas com autorização da primeira. É bom que se regulamente o uso dos grampos? Sim. Não é aceitável, entretanto, que se tente limitar a trabalho da polícia, dos promotores e dos juízes a pretexto de combater as escutas ilegais.

Não fosse a vigilância sobre ligações telefônicas, teria sido impossível desvendar as irregularidades no Senado relatadas na atual série de reportagens do Correio pelos repórteres Leandro Colon e Marcelo Rocha. E é legítimo concluir que a revelação, pelo jornal, dos diálogos dos suspeitos tenha sido elemento decisivo para convencer o Senado a tomar as necessárias providências. Pois o esquema havia resistido até à denúncia oferecida pelo Ministério Público. Sim, é incrível, mas o Senado Federal não havia enxergado inconveniente em prorrogar, sem licitação, um contrato cuja origem já estava denunciada formalmente pelos promotores!

É razoável que acusados se beneficiem da presunção de inocência. O princípio, aliás, acaba de ser reafirmado pelo plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento que tratou da elegibilidade de candidatos ainda não condenados em última instância. A decisão do STF preservou a essência do Estado de Direito. Outra coisa, porém, é ter que esperar por decisão transitada em julgado para interromper a execução de contratos com o setor público que envolvam milhões de reais e que estejam sob fundada suspeita, como é o caso das licitações no Senado.

Ou seja, é preciso encontrar um ponto de equilíbrio entre, de um lado, os direitos e garantias individuais, e, de outro, o interesse público e a defesa da sociedade contra os criminosos. Em seu depoimento na Câmara dos Deputados, o delegado Protógenes expressou preocupação com a possibilidade de que mais restrições ao trabalho policial abram espaço adicional para que o crime organizado abocanhe nacos do aparelho de Estado. É um aspecto que deveria ser levado em conta na discussão.

Com a palavra, o Poder Judiciário. Pois, infelizmente, sempre que Executivo e Legislativo movimentam-se no tema é só para tentar restringir a eficácia e a mobilidade dos organismos estatais encarregados de defender a sociedade. E a tendência independe de partido, orientação ideológica ou religiosa. Tampouco se relaciona com a circunstância de o político estar no governo ou na oposição.

Desde que a democracia brasileira completou seu primeiro ciclo de amadurecimento, caracterizado pela passagem de todas as forças políticas relevantes pelo poder, verifica-se esse curioso consenso.

E parabéns ao STF pela decisão de ontem de restringir o uso de algemas. Não há sentido em algemar alguém sem necessidade. Quando o tribunal coíbe excessos da polícia, ajuda a própria polícia a fazer bem o trabalho dela.

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Fonte: Blog do Alon

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