sexta-feira, 8 de agosto de 2008

TORTURA, NUNCA MAIS: O que a imprensa não esclarece

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Por Luciano Martins Costa

Os militares fizeram sua manifestação de protesto contra a iniciativa do ministro da Justiça, Tarso Genro, de propor o julgamento de atos de tortura durante o regime militar. E o mundo não caiu.

O noticiário de sexta-feira (8/8) sobre a reunião do Clube Militar, no Rio, mostra senhores vestindo ternos e não em uniformes de campanha. Da mesma forma cautelosa, os participantes evitaram apresentar fotografias e textos sobre autoridades do atual governo que participaram da luta armada.

Com isso, o embrião da crise volta para a geladeira e deve sumir dos jornais por uns tempos. Mas o fato de o assunto ser colocado de lado não quer dizer que esteja resolvido. Em parte, porque quase todas as manifestações reproduzidas pela imprensa repetem o erro de afirmar que o ministro pretende revisar a Lei da Anistia. Não é isso que está em questão.

O que gerou a celeuma é a hipótese de que os crimes comuns, como torturar alguém que não pode se defender, precisam ser levados a julgamento.

Atos de barbárie

Os jornais ofereceram um espaço generoso aos militares que se rebelam contra a possibilidade de punição para os agentes das Forças Armadas e da polícia que torturaram presos durante o período mais tenebroso da repressão à luta armada contra a ditadura. Mas não esclarecem que muitos brasileiros foram torturados e até mortos pelo simples fato de serem opositores ao regime de exceção, sem nunca terem tocado numa arma.

O jornalista Vladimir Herzog e o operário Manoel Fiel Filho, mortos sob tortura em dependências do Doi-CODI, em São Paulo, são símbolos da ação criminosa de agentes a serviço do Estado, praticado contra cidadãos de paz.

Muitos outros brasileiros, inclusive estudantes e trabalhadores que eram jovens demais para serem considerados como uma ameaça ao Estado, foram submetidos a suplícios que a consciência humana não pode admitir.

Não por acaso, a tortura não é considerada crime político por nenhum povo civilizado. Porque é ato de barbárie praticado por indivíduos covardes, desprovidos de qualificações para serem aceitos como agentes do Estado.

A imprensa poderia estar questionando se as Forças Armadas deveriam ter em seus quadros elementos dessa natureza. Levá-los a julgamento seria uma forma de enobrecer a instituição.

Fonte: Observatório da Imprensa

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IMPRENSA, ANISTIA & CRIME


Um debate a caminho da chantagem

Por Luciano Martins Costa

Começa a derivar para um terreno perigoso o noticiário sobre a recente audiência pública convocada pelo ministro da Justiça Tarso Genro, para discutir o julgamento de agentes dos governos militares em episódios de tortura e morte de opositores ao regime de exceção. Pela primeira vez desde a redemocratização, representantes das Forças Armadas se organizam para uma ação política de confronto com os responsáveis pelo movimento que tenta responsabilizar torturadores pelos crimes cometidos durante a ditadura. E a imprensa parece torcer a favor dos militares indisciplinados.

A ação imediata dos militares descontentes com a possibilidade de exumação dos crimes comuns cometidos durante a ditadura foi, segundo os jornais, realizar um seminário para debater publicamente o passado de integrantes do atual governo.

A tentativa de chantagear o Executivo reside exatamente nesse detalhe: eles não pretendem fazer referência aos antigos militantes da luta armada que estiveram nos governos de José Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco ou Fernando Henrique Cardoso. Ou àqueles que nunca tiveram cargos importantes em qualquer governo. O caráter de chantagem é claro: os ativistas militares ameaçam produzir uma crise que pode colocar sob risco a governabilidade, caso o Executivo prossiga com o propósito de levar a julgamento os torturadores e assassinos.

Herdeiros diretos

A natureza jurídica do processo aberto pela audiência pública pode produzir muita controvérsia, mas não se percebe na imprensa um esforço especial para explicar seus fundamentos. Tampouco se observa grande entusiasmo dos juristas em participar desse debate, eles que fizeram fila para entrar em discussões muito menos relevantes para o futuro da nossa democracia, como o fim da CPMF e o vazamento de informações sobre gastos de autoridades com cartões corporativos.

O propósito imediato dos militares engajados no processo de desestabilização do governo é isolar o ministro da Justiça e, se possível, levar ao seu afastamento. A forma encontrada, de fazer alarde sobre o passado de ministros e outros agentes públicos com ações violentas durante o período de resistência ao regime militar, estabelece um padrão primário para a análise da questão, que não deveria ser assumido pela imprensa.

Talvez o fato de que o movimento dos militares descontentes tenha a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, no centro da mira esteja fazendo com que a imprensa, ou parte dela, enxergue no processo uma oportunidade para bombardear a candidata preferida do presidente da República à sua sucessão. Não se pode deixar de lado o fato de que parte da imprensa tem se comportado como quem adoraria ver o circo pegar fogo.

O perigo é que, tolerando os incendiários de plantão, perca-se o controle da queimada e se coloque sob risco algo mais importante do que uma candidatura indigesta para setores poderosos do campo político. Dos militares engajados na campanha desestabilizadora não se pode esperar qualquer coisa que não seja a exploração de qualquer chance para colocar em dúvida os fundamentos da democracia. Eles são representantes ou herdeiros diretos do breviário que conduziu o país a um dos períodos mais tenebrosos da nossa História.

Biografias vendidas

A imprensa poderia contribuir para que a sociedade compreenda melhor a conveniência ou inconveniência de levar aos tribunais os acusados de torturas e assassinatos sob o manto do Estado autoritário. Um bom começo seria romper certos mitos do confronto entre militantes de partidos de esquerda e as forças da repressão. Assumir, por exemplo, que parte dos militantes de esquerda não lutava pela redemocratização do país, mas estavam engajados em projetos de poder que não conduziriam necessariamente ao aperfeiçoamento do regime.

É fato que alguns episódios do processo de restauração democrática, como as concessões de indenização por perdas causadas a opositores pela perseguição durante o regime militar, abriram espaço para a ação de oportunistas e aproveitadores que venderam suas biografias em troca de alentadas pensões – o que oferece argumentos aos inimigos da democracia. Mas a imprensa não pode perder de vista que uma coisa é tratar com oportunistas de esquerda ou esquerdistas de oportunidade, e outra coisa é tergiversar com torturadores e assassinos.

Fonte: Observatório da Imprensa

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