terça-feira, 5 de agosto de 2008

Imigrantes recorrem a bisturis

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Imigrantes na Espanha recorrem ao bisturi para remover traços étnicos

O objetivo é assimilar-se ao cânones da beleza ocidental



do jornal El País

Orly Cuzco, 28 anos, não gostava de seu nariz: "Marcava muito meus traços incas". Por isso esse equatoriano de Guaiaquil que mora em Madri não duvidou em destinar os 4.200 euros que tinha poupado para fazer uma cirurgia e assim "chamar menos atenção" na rua. Agora está encantado com o resultado. "Ficou muito bom", comenta Cuzco, que, com a boca pequena, cita entre os motivos da intervenção a que se submeteu há quatro meses um ligeiro deslocamento do septo nasal. A forma do nariz é um dos traços que dá mais indícios da origem étnica de uma pessoa.

Por isso a rinoplastia se transformou na principal intervenção entre os imigrantes - na maioria sul-americanos - que em número cada vez maior decidem recorrer ao bisturi para ocidentalizar sua aparência. Há casos, como o de Cuzco, em que se procura um médico para reduzir o nariz, mas o mais comum é o contrário: ganhar volume, estreitar as narinas e aumentar a base.

"Muitos clientes vêm com a desculpa de um septo desviado, quando o que querem é corrigir um nariz achatado e suavizar os traços que identificam sua nacionalidade", comenta Diego Tomás, o cirurgião que operou Cuzco e que atende por ano cerca de 30 casos semelhantes, cerca de 10% do volume de sua clientela. "Houve um aumento importante desse tipo de paciente nos últimos anos", afirma. A Sociedade Espanhola de Cirurgia Estética, Plástica e Reparadora (Secpre) também notou esse fenômeno, que inclusive abordou em sua reunião no mês passado em Zaragoza. Seu presidente, Antonio Porcuna, também reconhece o aumento desse tipo de cliente que procura "um nariz mais ocidentalizado". "É uma forma de se adaptar ao meio em que vivem", comenta Salvador Rodríguez-Camps, um cirurgião de Valência que opera cerca de 30 casos desse tipo por ano.

O nariz é a intervenção mais procurada, mas não a única. Rodríguez-Camps se lembra de ter operado também mulheres da América Central com rosto muito arredondado, nas quais implantou próteses no queixo para estilizar seu perfil. Inclusive cidadãos de origem oriental que queriam ter um olhar com traços europeus. Nesse caso se recorre à blefaroplastia, uma cirurgia das pálpebras aplicada para arredondar o contorno ocular.

"Não é uma intervenção muito complexa, na qual se aplica anestesia local", indica. Na Espanha essa técnica não é muito comum, mas sim em países com comunidades importantes de cidadãos asiáticos. "No último congresso da Sociedade Internacional de Cirurgia Estética houve muitas apresentações relacionadas a técnicas para ocidentalizar os olhos, algo especialmente freqüente entre imigrantes chineses e japoneses residentes na Austrália e nos EUA", relata Antonio Porcuna, responsável pela Secpre.

A tal ponto que essas intervenções se transformaram praticamente em uma subespecialidade da cirurgia estética nesses países, de forma que há médicos quase exclusivamente dedicados aos asiáticos.

Na Espanha o fenômeno é sensivelmente menos comum. A Secpre não tem dados do volume que pode representar esse tipo de intervenção, entre as 400 mil praticadas por ano no país. Cirurgiões consultados estimam que podem ser várias centenas, um número que calculam a partir da prática clínica própria e de seu entorno. Igualmente complicado é saber o número de imigrantes que aproveitam as férias em seus países para se operar e economizar alguns euros.

"Eu pensei nisso, mas não compensava; se saísse mal, não poderia reclamar da Espanha." Orly Cuzco desistiu, mas não outros compatriotas dele, para os quais compensou arriscar um eventual problema pós-operatório em troca de uma operação muito mais barata, por US$ 1.200 ou até US$ 900.

Na sala de cirurgia não vale tudo. Existe uma fronteira insuperável pela maioria dos cirurgiões, que está no bom gosto e na proporção entre as feições. "Em toda intervenção é preciso respeitar os traços faciais de maneira que o resultado seja harmônico", diz Porcuna. Juan Antonio Mira, um cirurgião de Valência, insiste nessa idéia: "As correções devem estar sempre dentro de uma fidelidade étnica. Quando querem corrigir um nariz largo eu o estreito, mas mantendo o estilo latino; não ponho em uma latina um nariz de alemã", afirma.

Alguns especialistas dizem que a intenção dos pacientes não é tanto renunciar a seus traços étnicos. O que existe é uma motivação para integrar-se, às custas de diluir os traços que identificam a nacionalidade. Como indica José María Palacín, da clínica Teknon de Barcelona, o desejo dessas pessoas é corrigir partes do rosto que não apreciam, e de passagem aproximar-se do modelo de beleza universal, que passa pelo cânone ocidental forjado pela mídia.

Isso é algo que todos os que se colocam nas mãos de um cirurgião plástico têm em mente, seja qual for sua procedência, comenta Palacín. Agora resta ver se a crise afeta não só as intervenções estéticas, mas um setor que de modo geral cresceu como espuma na bonança econômica dos últimos anos e com as facilidades de financiamento oferecidas por bancos ou pelas próprias clínicas, até poucos meses atrás.

Fonte: Vi o Mundo

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