quinta-feira, 2 de julho de 2009

As voltas que o mundo dá

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Plástico, múltiplo e dinâmico, o sistema capitalista comportaria uma nova lógica de consumo e produção capaz de promover prosperidade nos limites que o ambiente impõe. Essa mudança, entretanto, precisa antes ser objeto de um desejo coletivo.

Por Amália Safatle


Das expressões que mais ouvia dos analistas financeiros, quando comecei a carreira jornalística cobrindo o mercado de capitais, estava a tal "taxa de crescimento em perpetuidade". Combinada com a taxa de desconto, a Selic, constitui a fórmula básica para a chamada valuation, ou avaliação do valor das ações das companhias. A meus botões perguntava que raio era essa tal de perpetuidade, e achava engraçado um conceito tão vago, de uma dimensão que soava até mesmo espiritual, guiar cálculos tão presumidamente objetivos.

Ainda que fosse uma expressão para não ser tomada ao pé da letra, pensava "como assim, perpetuidade?", se a empresa em questão podia fechar as portas dali a poucos anos, ou o crescimento do lucro esbarrar em problemas como falta de matéria-prima, limitada pelos estoques finitos de recursos naturais. Sustentabilidade para mim era uma noção meramente intuitiva e eu ainda não ousava formular esse tipo de questão nas entrevistas.

Hoje, mais que nunca, tal questionamento é proposto de forma clara e contundente, em especial pelos economistas ecológicos. A discussão torna-se ainda mais interessante, para não dizer fundamental, quando a eclosão de uma crise financeira e econômica coincide com a maior percepção de que algo vai mal, muito mal, no âmbito da natureza. Quando o prêmio Nobel de Economia Paul Krugman, para citar exemplo de um economista influente e formador de opinião, começa a dizer de forma mais enfática que não adianta muito salvar a economia se não houver condições ambientais que a suportem, começa a se abrir a trilha que leva à revisão da forma como o sistema econômico vigente opera.

"Toda sociedade se agarra a mito para viver. O nosso é o mito do crescimento econômico." Assim Tim Jackson, líder do grupo econômico da Comissão de Desenvolvimento Sustentável, inicia o prefácio do relatório Prosperidade sem Crescimento? - A transição para uma economia sustentável. Esse mito, entretanto, nos traiu, diz Jackson. Embora a economia global hoje seja cinco vezes maior que há cinco décadas- período em que o crescimento se tornou o principalobjeto de políticas ao redor do mundo -, deixou na mão tanto os 2 bilhões de pessoas que ainda vivem com menos de US$ 2 por dia como o frágil ecossistema do qual as pessoas dependem para sobreviver. E ainda falhou em prover estabilidade e segurança econômica.

Se o crescimento for uma condição intrínseca do capitalismo, a discussão sobre a sustentabilidade seria capaz de colocar esse sistema econômico novamente sob análise, mais de um século depois da crítica marxista. Alguns especialistas ouvidos nesta reportagem acreditam que não com a mesma profundidade do marxismo, desferido sobre o eixo fundamental da lógica capitalista, e que abriu caminho para a proposta política socialista.

Mas, sim, na capacidade de remodelar o capitalismo, provavelmente alçando-o a um estágio evolutivo no qual se reduzem imperfeições como injustiça social, exploração do homem pelo homem e uso predatório de recursos naturais.

O risco de inocular a sustentabilidade no capitalismo é que, em vez de usar o sistema para "rodar" uma economia mais sustentável, este se aproprie da ideia, reempacote- a de acordo com os interesses dominantes e a use não para transformar, mas para manter o business as usual, sem mudanças fundamentais em paradigmas de consumo e produção. A reportagem à página 26, por exemplo, expõe a dificuldade de desfazer o nó do consumo diante do desafio da sustentabilidade.

Maria Rita Loureiro Durand, chefe do departamento de Gestão Pública da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (Eaesp-FGV), não acredita que a sustentabilidade vá romper a lógica do capitalismo, que põe o homem a serviço da produção, em vez de a produção a serviço do homem - o que a torna essencialmente perversa -, mas é capaz de "suavizar a selvageria". Segundo ela, a única crítica de peso feita ao capitalismo após o marxismo surgiu pela via ambiental, tendo como alvo o consumismo exacerbado e o padrão produtivo predatório. "Mas é uma crítica que atua nas bordas, e não no eixo do sistema, e o risco de ser apropriada é muito alto", diz a professora.

É de questionar também se as mazelas do capitalismo devem-se ao sistema em si ou à forma como é aplicado pelo ser humano, com todas as suas fraquezas morais. Em artigo publicado em março último no The New York Review of Books, Amartya Sen, prêmio Nobel de Economia em 1998, defende que a atual crise econômica não pede um "novo capitalismo" e, sim, o resgate e a nova compreensão de antigas ideias como as de Adam Smith e Arthur Cecil Pigou, economistas dos séculos XVIII e XX.

Em Teoria dos Sentimentos Morais, obra publicada em 1759, Smith afirma que a prudência é a mais útil virtude individual, enquanto humanidade, justiça, generosidade e espírito público são as maiores qualidades no trato com os outros. Ele via os mercados e o capital funcionando bem dentro de sua própria esfera, mas, antes disso, seriam necessários ao sistema o apoio de outras instituições, como serviços públicos e escolas, o cultivo de valores além da busca do lucro, e mecanismos de regulação financeira e de assistência aos pobres que os prevenissem contra instabilidade, iniquidade e injustiças. E quanto a Pigou, segundo Sen, foi pioneiro ao dimensionar a desigualdade como principal indicador para a política econômica.

O componente moral, que leva o indivíduo a considerar e respeitar o outro- seja a pessoa ao lado ou tudo o que compõe o ambiente à volta e até mesmo as gerações ainda por nascer -, ou a falta dele, moldaria fundamentalmente o capitalismo.

"O capitalismo fora de controle é como o indivíduo que não respeita o outro. O que vale para o ser humano vale para as corporações e para o sistema", diz Marcos Fernandes Gonçalves, coordenador do projeto pedagógico da Escola de Economia de São Paulo da FGV.

Aerton Paiva, sócio-diretor da Apel Pesquisa e Desenvolvimento de Projetos, empresa que presta consultoria em sustentabilidade para o universo corporativo, cita o antropólogo Maurice Godelier, estudioso das sociedades pré-capitalistas, para dizer que "o lucro é do ser humano", pois mesmo essas sociedades buscavam um ganho valendo-se de suas trocas. "Talvez dois questionamentos a fazer refiram-se ao tamanho do lucro e às formas de obtê-lo.

Desde Platão, por exemplo, discute-se a ganância", afirma Paiva, que ainda cita frase do desenhista e humorista Millôr Fernandes: "Se 1 equivale a ter uma vida digna, ninguém deveria ter mais do que 10".

Rapte-me, camaleoa

Nesse debate aberto pela reporta- gem, os especialistas ouvidos partem da premissa de que não se pode falar em um só capitalismo, mas em vários, e que talvez esteja nessa plasticidade camaleônica a chave para redesenhar um capitalismo adaptado às novas demandas que a sociedade aspira e às condições que o ambiente impõe. "É uma expressão que precisa ser definida no plural.

Os estudos contemporâneos sobre 'os capitalismos' são muito expressivos", aponta Ricardo Abramovay, professor titular do Departamento de Economia da FEA-USP e coordenador do Núcleo de Economia Socioambiental.

"Para o desespero de marxistas ou neomarxistas, não percebo uma crise sistêmica no capitalismo em si. De todos os modos de produção experimentados, é o mais flexível e o que mostra maior facilidade de adaptação a mudanças", diz Carlos Eduardo Frickmann Young, professor associado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Segundo ele, se o capitalismo já foicapaz de coexistir com a escravidão, convive com o Welfare State (o Estado do Bem-Estar Social nos países europeus), com os regimes democráticos e com os autoritários; e, se na China existe o capitalismo de Estado, por que esse tipo de sistema não seria capaz de se adaptar também à sustentabilidade, entendendo-a como a preocupação com as questões de longo prazo e a busca de maior equidade social? "Se eu não acreditasse nisso, estaria pregando a Revolução", afirma.

Um certo capitalismo, portanto, seria compatível com uma economia que opera dentro dos limites biofísicos, regulando a quantidade de recursos que são processados na economia e de resíduos que retornam para o ambiente com a capacidade regenerativa e assimilativa do ecossistema e criando "espaço" ecológico para que as nações pobres possam se desenvolver.

Mais que compatível, esse novo sistema econômico será inevitável, sustenta Philip Lawn, em entrevista nesta edição.

Especialistas como Lawn reforçam o pequeno exército disposto a repensar o funcionamento da economia. Segundo José Eli da Veiga, professor titular do Departamento de Economia da USP, há importantes avanços ao menos no plano das ideias. Exemplos disso estão na emergente discussão de novos indicadores de desenvolvimento, suplantando o PIB, na realização de um grande encontro científico no ano passado sobre a ideia de degrowth (decrescimento), e o próprio relatório de Jackson, enumera Veiga.

Trata-se de uma bela mudança no modelo mental, considerando-se que- afora o fato de bilhões de pessoas aspirarem o nível de afluência atingido pelas nações da OCDE - qualquer escola macroeconômica, seja ortodoxa, seja heterodoxa, pressupõe que é preciso fazer de tudo para aumentar o consumo.

"Tanto é que essa crise não mostra outra coisa: começa a crise, começa o apelo para que as pessoas consumam. A gente acaba percebendo que, quando o americano decide comprar menos, cria um problema global. E o relatório indica que, se permanecer essa lógica, não há sustentabilidade", diz Veiga.

Jackson entende que a recuperação econômica é vital, e que proteger os empregos e criar outros é absolutamente essencial, em especial nos países em desenvolvimento. Independente disso, urge revisar o sentido de prosperidade.

Para isso, Herman Daly, um dos expoentes da Economia Ecológica, usa a figura da biblioteca abarrotada. Como uma biblioteca, na qual não cabem mais livros - tal qualo planeta com os seus limites -, pode tornar-se melhor e mais rica? Não será pela aquisição de mais obras. Mas pode ser pela substituição de um livro menos interessante por outro de melhor qualidade.

Da mesma forma, seria possível ter uma qualidade de vida melhor sem consumir mais bens. Para países onde beber água e comer proteína ainda são questões fundamentais a resolver, tal discussão configuraria um despropósito. Mas seria aplicável, por exemplo, a nações já desenvolvidas.

Não que a fórmula esteja dada, longe disso. O estudo de Jackson levanta uma série de dúvidas. Um know -how que está por vir, pois jamais foi experimentado na história econômica. Por exemplo, que tipos de atividade comporiam esse novo modelo econômico, digamos assim, me- nos materializado? Talvez vender serviços de mobilidade, em vez de os carros em si, seja um exemplo. Reciclar, reutilizar, usar leasing (mais na reportagem "Todos fora do quadrado", à edição 26). Mas aí surge outra pergunta: é possível "fazer" dinheiro o suficiente para manter a economia ativa por meio dessas atividades?

Outra questão que ele aponta é quanto a denominada economia verde pode ser efetiva em termos ecológicos. É o que ele chama de mito do descasamento. Pelo descasamento, o contínuo crescimento econômico reduziria a quantidade de recursos injetados na economia, em função do ganho de eficiência promovido por avanços e inovações tecnológicas, com produtos que gastam menos energia e empregam recursos renováveis ou menos matéria-prima. De fato, a quantidade de energia primária necessária para cada unidade produzida tem caído nos últimos 50 anos. Hoje, a intensidade energética global é 33% menor que em 1970.

O problema é que se trata de um descasamento relativo, não necessariamente absoluto, pois a poupança obtida com a redução é empregada no aumento de consumo de outros produtos ou atividades - um efeito apelidado de ricochete (rebound effect).

E um terceiro ponto em aberto é nada menos que a necessidade de criar um novo modelo macroeconômico. Isso porque ainda não há um modelo para saber como se comportam os "agregados" macroeconômicos - produção, consumo, emprego, gastos públicos, comércio, entre outros - quando não há acumulação de capital. E nem é capaz de incluir variáveis como emissões de carbono, uso de recursos naturais e manutenção da integridade ecológica.

Como diz Cadu Young, da UFRJ, vale recorrer ao economista Celso Furtado, "no belíssimo início de seu livro A Fantasia Organizada: precisamos organizar uma nova fantasia. Na quarta-feira, ela já se acabou. Mas aí a gente inicia o projeto do próximo Carnaval". Isso para dizer que o futuro é, em parte, o que a sociedade quer ele seja, mas isso depende de se ter um sonho. Com o que a sociedade sonha hoje?

Evolução e harmonia

O sonho implique ou não a prosperidade, a realidade é de um mundo no qual, embora haja crescente informação e transparência, as incertezas são também crescentes. "Talvez nunca antes na história do capitalismo tenha havido tanto conhecimento sobre riscos de mercado, nem tanta transparência por parte das empresas", afirma Abramovay. Ainda assim, deu no que deu. Prova de que a economia é muito mais dinâmica e imprevisível do que se pode supor e controlar, resultado de uma intricada rede de construções sociais e inovações - o que abre argumentos tanto para quem defende maior regulação do Estado como para quem acredita que a regulação não resolve.

É como se a sociedade moderna e o sistema financeiro tivessem atingido o grau de vapor d'água, no qual as moléculas se agitam de forma intensa e volátil, em comparação com estágios como o do gelo, com movimento controlável e tangível, e como o da água em estado líquido, expõe Ricardo Guimarães, presidente da empresa de branding Thymus, durante recente seminário internacional da Fundação Nacional da Qualidade.

Em outra figura de linguagem, Guimarães diz que diante de crises financeiras e ambientais somos surpreendidos e ficamos desapontados, como crianças que, entusiasmadas com o brinquedo novo, não leem seu manual, usam mal seus recursos, danificam peças e comprometem o funcionamento da brincadeira.

Assim como o brinquedo quebrado, as crises são oportunidades de dar uma olhada no manual para saber como ele funciona e onde erramos. "A tese é que nosso erro foi não perceber que o alto grau de interdependência e complexidade das relações entre os membros do sistema mudou a sua natureza e portanto as leis que regem o seu bom funcionamento", diz.

Segundo ele, nenhum gestor estaria preparado para lidar com o aumento da complexidade, da velocidade e com a noção de interdependência. "Assim", afirma Marcos Gonçalves, da FGV, "as empresas podem e devem ser mais atentas, a fim de transformar os riscos sistêmicos em oportunidade de criação de valor". Tudo isso em um ambiente de maior controle, seja da lei, com a evolução dos arcabouços legais, seja da sociedade, vigilante ao jeito de como as empresas operam e fazem seus produtos.

A shareholder view, a visão do acionista simplesmente em busca de sua remuneração, dá espaço à stakeholder view, a visão dos diversificados públicos com os quais as empresas interagem. Isso permite uma combinação de relacionamentos antes inimaginável, diz Abramovay. Tal qual as moléculas do vapor d'água. Como exemplifica o professor, vê-se uma organização de tradição combativa, como a Rainforest Alliance, passando a certificar grandes produtores do agronegócio. Companhias elaborando novos padrões de medida de riqueza e reportando o balanço de água, de carbono, de energia, de materiais. O crescimento da noção de cadeia produtiva.

Os movimentos sociais voltando-se mais para os mercados que para o Estado, ingressando em searas que antes não lhe pertenciam e inserindo a política no seu funcionamento. "Agora, como tudo isso se dá no campo social, é conflito, é pau. São as mesas-redondas, por exemplo", afirma Abramovay. "O processo não é feito por uma entidade demiúrgica, e, sim, com base nas disputas." Em vez de abolir os mercados, esse movimento os transforma e reconstrói. A qualidade dessa evolução vai depender da qualidade das pressões que a sociedade fizer (reportagem sobre ativismo nesta edição).

"São rupturas de paradigma que se dão de forma ainda localizada e vão pavimentar o caminho do futuro", diz Decio Zylbersztajn, presidente do Conselho de Orientação do Centro de Conhecimento em Agronegócios (Pensa). "Mas não há dúvidas de que o velho paradigma ainda está crescendo, como se pode ver pela expansão da China."

Para mudar a lógica, diz ele, um primeiro incentivo seria dado pelo mercado, disposto a remunerar o serviço ambiental. O segundo seria institucional, que pode ser formal, via regras, ou informal, pela mudança de costumes sociais. O terceiro, mais demorado, ocorreria no nível individual, que pressupõe educação e formação de valores.

Aerton Paiva, da Apel, considera que, nesse campo social, está faltando um jogador importante: o cidadão. Aquele que pode ser consumidor, funcionário ou acionista, não importa o boné que use, mas antes é o sujeito capaz de se indignar e protestar. "Na Grécia, o cidadão estava na praça, manifestando suas opiniões. Não era a democracia perfeita, pois, enquanto isso, havia os escravos para fazer o trabalho pesado. Ocorre que hoje falta gente na rua, pois todos são escravos correndo atrás de 'ganhar o seu'."

Redes sociais pela internet e o cyberativismo fariam as vezes dessa participação cidadã - ou parte dela. Basta lembrar a importância da web na eleição de Obama. Mas Paiva ressalta o efeito mais poderoso de uma manifestação real. "Quando o Greenpeace despejou na porta da Philips milhares de lâmpadas fluorescentes (poupam energia, mas contêm mercúrio), para as quais a empresa não havia resolvido o problema do descarte, o risco de perda de reputação era tão grande, que a empresa tomou medidas em 72 horas", diz.

Enquanto a sustentabilidade provoca esse tipo de luta em busca de uma "paz verde", na tradução literal, estudiosos como José Eli da Veiga levantam com preocupação o risco de um resultado muito menos feliz para a equação econômica global. Como se sabe, quem cobre o déficit americano é a economia chinesa, o que leva a crer que esteja havendo uma mudança do eixo da acumulação para o Oriente - China, Japão, Coreia do Sul.

"Então, se houver uma polarização, resta saber até que ponto essa transição será pacífica, pois a História mostra que todas as anteriores não foram. Na hora H, tem guerra. Aí, toda essa discussão de sustentabilidade vira sonho de uma noite de verão. A superação do capitalismo por causa da sustentabilidade seria o cenário mais otimista", diz.

Fonte: Página 22

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Faça humor, não faça guerra

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A tecnologia e a globalização entram como aliados do fenômeno que combate o status quo por meio da arte, e no qual o processo de mobilização é tão importante quanto a manifestação em si.

Por Ana Cristina D'Angelo

Quando o artista francês Philippe Petit atravessava de uma torre gêmea à outra do World Trade Center em um cabo de aço, numa manhã de 1974, só sabia que a cena se fixaria no imaginário das pessoas. Isso se a performance desse certo. A correria de uma manhã no coração financeiro de Nova York foi interrompida pela imagem de um corpo frágil que se deitava no fio entre os prédios mais altos do mundo só para ver o céu ou que tirava um dos pés daquela linha fina, vista de tamanha distância, em um desafio-surpresa que levara meses para ser concretizado assim, como planejaram Petit e seus amigos: original, surpreendente e efêmero. O artista não justificou a ação como fez inúmeras outras vezes, lançando performances por um fio na catedral de Notre-Dame e em monumentos antes intocados pelo mundo, tramando ações em segredo.

Sem o aparato tecnológico, as insurgências poéticas de Philippe Petit renderam-lhe prisões, rápidas, e repercussão nas cidades por onde passou. A lembrança desse choque bem-humorado foi registrada no filme vencedor do Oscar de melhor documentário este ano, O Equilibrista. Como enfrentar quem usa o humor e a poesia? Petit não ambicionava mais do que aquele momento, não queria se eleger a cargo algum e, acima de tudo, era um boa-praça. Ainda que suas ações tenham ocorrido em sua maioria na década de 70, ali se reuniam características do arte-ativismo que vemos hoje: uma mescla de movimentos artísticos anteriores, ocupação do espaço público, urbano, planos e ações coletivas organizados na surdina, em que o processo é tão importante quanto o ato. Agora, o arte-ativismo conta com aliados fundamentais - a tecnologia e a globalização. "Se vai dar certo, só saberemos fazendo" é uma máxima de coletivos artísticos em suas intervenções.

Ir contra o capitalismo ou questionar o atual estágio do modelo econômico e seus danos - consumismo exagerado, controle invisível de grandes organizações, degradação ambiental - sem ser absorvido por ele é possível? Burlando o sistema de arte convencional e o aparato oficial da política, os arte-ativistas buscam essa brecha nos espaços públicos e onde haja interesse comum.

O termo surgiu pela primeira vez em artigo, de 1984, da teórica e ativista americana Lucy Lippard. Nesse texto, ela tenta diferenciar arte política, que faz uma reflexão do momento, do arte-ativista, que põe a mão na massa e se envolve com o cotidiano. Nesse sentido, o objeto de arte em si não tem tanta importância, explica o doutorando em Arte-Ativismo pela USP André Mesquita. "O processo e a convivência com os outros, colocando a arte na vida, são o que importa. Os coletivos têm esse espírito de fazer a coisa juntos e valorizar um campo de transversalidade, no qual a arte vaiconversar com a política, economia, arquitetura, com os movimentos sociais."

Uma reunião da Organização Mundial do Comércio (OMC), em 1999, em Seattle (EUA), pode ser considerada um marco no tipo de protesto que se alastrou pelo mundo. Pulverizados, com bastante uso de internet e mensagens de celular, os protestos de Seattle, além de tudo, ocorreram no centro do consumismo cool mundial, terra de nomes como Microsoft e Nintendo, onde ninguém suspeitava de uma insurgência de tamanha repercussão contra o sistema. Jovens simplesmente sentavam ao longo de uma rua, impedindo o acesso dos participantes à reunião que debateria a rodada do milênio, articulando movimentos sincronizados no espaço público, com o uso de fantasias e ataques a pontos polêmicos das discussões que as nações ricas levavam em portas fechadas.

Em Gênova, em 2001, quando se reuniam os países integrantes do G-8, os manifestantes repetiram a saraivada de protestos organizados com táticas de guerrilha e deixaram a polícia e os políticos perplexos. "Os movimentos arte-ativistas usam táticas e estratégias, como na guerra. A tática é usada pelo mais fraco - assim como na luta de boxe -, você está em território inimigo. Então transforma aquilo em uma linguagem subversiva. Os zapatistas usaram isso da melhor forma possível, conseguiram espaço na TV e no rádio, na selva se comunicavam pela internet, deram um viés radical para o uso da mídia", analisa Mesquita.

Já o diretor editoral da Conrad (editora pioneira no lançamento de títulos ligados ao arte-ativismo com a coleção Baderna), Rogério Campos, avalia que o efeito-surpresa de Seattle tem relação com a crise das esquerdas pós-queda do Muro de Berlim. "O pensamento daquela hora era de que os jovens estavam alienados, e depois dos grandes protestos não queriam saber de nada, muito menos de política. Ali se percebeu que tinha gente pensando e articulando movimentos anticapitalismo da forma mais corrosiva possível: com humor", sugere o diretor.

Um dos títulos da Conrad, considerado uma Bíblia por muitos, é o TAZ - Zona Autônoma Temporária, de Hakim Bey, que lançou a ideia de combater o poder criando espaços (virtuais ou não) de liberdade que surjam e desapareçam o tempo todo. Discutia-se até mesmo a identidade do autor do livro. No fim dos anos 80, o TAZ ficou circulando livremente na forma de panfleto e hoje é citado por teóricos que estudam as raves, o universo dos hackers, a ideia de organização fluida (mais sobre o TAZ na reportagem "A gente é o mundo que é a gente", na edição 28 de Página22).

Acredita-se que o conceito de TAZ tenha inspirado muitas das táticas de rua dos manifestantes em Seattle. Mais de uma autoridade policial constatou, aterrorizada, que era muito difícil acompanhar a estratégia dos manifestantes de formar grupos aleatoriamente, atacar e depois desmanchar aquelas formações para se juntar em outros grupos, com novos objetivos.

Ao mesmo tempo que esses manifestos e ensaios de Hakim Bey recebiam a atenção de ativistas e das autoridades, passaram também a ganhar elogios entusiasmados por sua qualidade literária. "O TAZ instaurou isso do você-faz-e-sai-fora. Consolidar posições é um erro. Isso inspirou muita gente na questão da liderança de movimentos. Eles hoje se questionam o tempo todo", analisa Campos.

Em menor escala que os grandes protestos das décadas de 60 e 70, o arte-ativismo também caminha para focos mais direcionados e específicos de protesto. Com o uso da tecnologia, o alcance é multiplicado e as fronteiras geográficas ficam menores. Esses protestos-contágio também passaram a ser adotados pelas causas da sustentabilidade, organizações ambientais criaram eventos como o Dia de Ação Global, a World Naked Ride Bike (Bicicletada Pelada) ou o Reclaim the Streets.

A cidade e a catraca

Movimentos com foco local também proliferam em torno de causas nascidas, às vezes, em um bairro. Em São Paulo, em 2004, um protesto ganhou proporções interessantes. Um coletivo chamado Contra Filé fazia um projeto sobre regiões da cidade, apoiado pelo Sesc. Elegeram a catraca como símbolo de separação e controle da cidade. As pessoas não conhecem o lugar onde moram e estão isoladas, foi a conclusão do grupo. A imagem também remetia a "catracas" na vida de cada um como controles invisíveis existentes no espaço urbano. Colocaram uma catraca velha no Largo do Arouche e lançaram ali um programa de "descatracalização da vida".

Prefeitura e mídia reagiram, criticando o mau uso do patrimônio público. Mas o cartunista Laerte adorou a ideia e fez tirinhas com a catraca invisível, enquanto outros articulistas de jornais importantes absorveram a história, até que o vestibular da Fuvest elegeu a descatracalização da vida como tema de redação.

Em seguida, o símbolo foi usado por vários movimentos no País, pedindo transporte público gratuito. Outro caso emblemático teve como cenário o Edifício Prestes Maia, no centro da cidade. Tomado por sem-teto, o prédio passou por seguidas tentativas de desocupação pela polícia e, em 2006, o poder público precisou enfrentar antes a intervenção artística.

Os artistas se juntaram aos moradores do prédio, fazendo parte da ocupação, arrecadando livros, comida e passando os dias com os moradores ameaçados de despejo. "Um dia em que a polícia entrou e começou a dar tiros de bala de borracha, uma menina, disse que aí viu o que estava fazendo", relata o pesquisador da USP André Mesquita, que entrevistou mais de 30 coletivos para a sua dissertação. Há críticas de que os artistas surgem nas situações-limite e, depois, desaparecem. No próprio blog dos artistas envolvidos com a ocupação do Prestes Maia, eles fazem um mea-culpa em charges e quadrinhos. "Tem gente que só participou do movimento e depois sumiu, e só apareceu mais tarde em jornais. A quem pertence o resultado final?"

As questões do espaço urbano tomam bastante a pauta dos movimentos. O termo "gentrificação", por exemplo, foicunhado para se referir a áreas degradadas que o poder público toma para fazer moradias para a classe média. Limpezas urbanas ocorreram em Nova York, Barcelona e Berlim. Movimentos sociais de arte-ativismo organizaram uma publicação que narra episódios de gentrificação em diversas grandes metrópoles mundiais, na qualo episódio do Prestes Maia foi incluído.

Mas, diante do avanço e da desigualdade da produção capitalista e dos monopólios e oligopólios que controlam a vida das cidades, outro mundo é realmente possível através dessas insurgências poéticas? Qualo efeito desses pequenos atos político-artísticos na vida coletiva?

"Acho que a todo momento as pessoas querem fazer alguma coisa, pode não virar política pública, mas pelo menos você foi lá e se manifestou. Porque, no fundo, as pessoas acham que vão mudar algo. Pode ser que nunca tenha uma tarifa zero para o transporte público em São Paulo, mas é bom brigar pelo impossível. Não é utópico e romântico, é a questão da arte que penetra no cotidiano, e que faz as pessoas se mobilizarem", responde Mesquita.

Famosos e anônimos

Promover beleza ou espanto é com que lida Adriano Paulino, artista mineiro responsável por ilustrar as páginas desta reportagem usando a técnica do estêncil. "O estêncil é muito rápido e relativamente barato. Você sai com os moldes pelo meio da rua e vai mandando. Em geral, gosto de fazer um movimento inverso do que a gente vive. Corto estêncil de personalidades, celebridades e coloco na rua, olhando para os mortais."

Quem passa pelos bairros de Floresta e Santa Tereza, em Belo Horizonte, pode dar de cara com uma Marilyn Monroe no muro, Johnny Depp passeando na parede ou Paulinho da Viola, Tarcísio Meira e Glória Menezes. A rua é a galeria de arte. A técnica é antiga, mas ganhou fôlego com a internet. Adriano fotografa os locais onde aplicou seu trabalho e faz um intercâmbio das imagens com adeptos da técnica em vários países, além de interagir com quem passa pela rua. "Existe uma sintonia com quem faz trabalhos na rua e hoje tem essa simultaneidade, acabou de mandar e já está na internet." Com influência de Andy Warhol, o artista mineiro especula: "Imagine se ele tivesse conhecido a web".

A rede é ainda espaço para o cyberativismo de muitas organizações. Abaixo-assinados ganham escala mundial replicados em simples correios eletrônicos, caso do Avaaz, grupo que briga por temas tão amplos e distintos como o fim da guerra do Iraque, contra o aquecimento global e, recentemente, por investigações sobre a origem da gripe suína.

O texto - que só circula pela rede - sugere que está cada vez mais claro de onde veio a gripe: muito provavelmente de uma gigantesca fazenda industrial de criação de suínos mantida por uma corporação multinacionalLink americana no estado de Veracruz, no México. A proposta do Avaaz é um protesto em massa com assinaturas colhidas virtualmente, seguida de uma ação no plano bem real: "Se conseguirmos 200 mil assinaturas, entregaremos o abaixo-assinado à OMS, em Genebra, juntamente com um rebanho de porcos de papelão. Para cada mil assinaturas, acrescentaremos um porco ao rebanho".

De modo equivalente, o arte-ativismo pode provocar um inusitado grupo de transeuntes olhando para o céu numa segunda-feira cinzenta em Nova York para ver o malabarismo de Petit. É a arte tirando coisas do lugar e sacudindo as pessoas. Se vai abalar ou não, só fazendo saberemos.

Fonte: Página 22

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Traindo o planeta

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'Momento decisivo'. Paul Broun, representante do estado da Geórgia, declarou que as mudanças climáticas não passam de uma "farsa"


por Paul Krugman*
Dos Estados Unidos

O Congresso americano aprovou a lei Waxman-Markey sobre as mudanças climáticas. Em termos políticos, foi uma conquista impressionante.

Mas 212 congressistas votaram contra o projeto. Muitos desses votos contra vieram de congressistas que consideram a lei inconsistente, mas a grande maioria rejeitou a lei porque eles rejeitam o conceito de que algo precisa ser feito a respeito do efeito estufa.

Assistindo aos discursos da turma do contra, não conseguia evitar a sensação de estar presenciando um ato de traição - uma traição contra o planeta.

Para se ter noção da irresponsabilidade e imoralidade de negar a existência das mudanças climáticas, é necessário saber dos resultados nada encorajadores das últimas pesquisas de avaliação do clima.

O fato é que o planeta está mudando mais rápido do que os pessimistas esperavam: as calotas polares estão desaparecendo e as zonas áridas estão aumentando em um ritmo assustador. E de acordo com os números revelados em estudos recentes, uma catástrofe - um aumento de temperatura impensável - já não pode mais ser considerada uma mera possibilidade. Mas sim o efeito mais possível se continuarmos agindo da mesma forma.

Os pesquisadores do MIT - o Instituto de Tecnologia de Massachusetts - que previam anteriormente um aumento de temperatura de menos de quatro graus até o final do século, estão acreditando que este aumento chegue a nove graus. Por quê? Os gases que causam o efeito estufa estão aumentando mais rápido do que o esperado; alguns fatores atenuantes, como a absorção do monóxido de carbono pelos oceanos, estão respondendo menos do que o esperado; e há provas cada vez mais fortes de que as mudanças climáticas se autoperpetuam - por exemplo, o aumento de temperaturas causa o degelo do Ártico, o que emite ainda mais dióxido de carbono na atmosfera.

Os aumentos de temperatura previstos pelo MIT e outros institutos criariam efeitos devastadores em nossas vidas e em nossa economia. Como foi apontando em um relatório do governo dos EUA, até o final deste século, New Hampshire poderá acabar com um clima parecido com o que hoje tem a Carolina do Norte, o estado de Illinois poderá acabar com o clima do leste do Texas e ondas de calor extremas podem assolar o país anualmente ou bi-anualmente - coisa que até agora só costuma acontecer uma vez em cada geração.

Em outras palavras, estamos encarando um perigo real e iminente ao nosso estilo de vida, e até para a nossa civilização. Como alguém pode ter a coragem de cruzar os braços?

Bem, às vezes até os analistas mais especializados cometem erros. E se esses formadores de opinião e políticos do contra baseiam sua discordância em trabalho e reflexões árduos - se eles estudaram a questão, consultaram especialistas e concluíram que o consenso científico maciço está equivocado - eles deveriam pelo menos argumentar que estão agindo de forma responsável.

Mas quem assistiu ao debate na última sexta-feira não viu nenhum indício de que aquelas pessoas pensaram bem a respeito dessa questão crucial, nem que elas estivessem tentando fazer a coisa certa. O que se viu foram pessoas que não se interessam pela verdade. Eles não estão felizes com as implicações políticas e de regulamentação que a mudança climática impõe, então optaram por não acreditar nela - e eles se apóiam em qualquer argumento, não importa o quão frágil, para sustentar sua discordância.

Não há dúvidas de que um dos momentos mais decisivos do debate foi quando Paul Broun, representante do estado da Geórgia, declarou que as mudanças climáticas não passam de uma "farsa" que tem sido "perpetuada pela comunidade científica". Até poderíamos dizer que essa declaração é mais uma teoria de conspiração, mas isso seria uma ofensa a todos que acreditam em teorias de conspiração. Afinal de contas, para acreditar que o aquecimento global é uma farsa, é preciso acreditar também na existência de uma irmandade de milhares de cientistas - tão poderosa a ponto de conseguir criar relatórios falsos de assuntos que vão desde as temperaturas globais até o gelo marinho do Ártico.

Ainda assim, a declaração de Broun recebeu aplausos dos seus colegas republicanos.

Com tanto desrespeito pela ciência séria, não me parece necessário dizer que esses relutantes políticos são desonestos em questões econômicas. Além de rejeitar a ciência climática, os oponentes à lei do clima fizeram questão de apresentar interpretações fraudulentas sobre o efeito econômico da lei, que todos dizem ser consideravelmente baixo.

Mesmo assim, é justo chamar a negação climática de traição? Será que tudo isso não passa de politicagem normal?

A resposta é sim - o que torna o ato ainda mais imperdoável.

Lembra quando os oficiais da administração Bush disseram que o terrorismo era uma "ameaça à existência" dos EUA, uma ameaça para a qual as regras normais não se aplicavam? Aquilo era uma hipérbole - mas a ameaça da mudança climática à nossa existência é absolutamente real.

E, mesmo assim, alguns políticos estão escolhendo conscientemente ignorar a ameaça climática, colocando as próximas gerações em sério perigo só porque faz parte do seu jogo político fingir que não há nada com que se preocupar. Se isso não for traição, eu não sei o que é.

*Paul Krugman é economista, professor da Universidade de Princeton e colunista do The New York Times. Ganhou o prêmio Nobel de economia de 2008. Artigo distribuído pelo New York Times News Service.

Fonte: Terra Magazine

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Uma conquista e um retrocesso

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Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Ministra Carmem Lúcia, autora de excelente relatório que proíbe importação de pneus usados, registra Marina
Ministra Carmem Lúcia, autora de "excelente" relatório que proíbe importação de pneus usados, registra Marina Silva

por Marina Silva*

Tivemos duas importantes decisões, na semana passada, que impactam o meio ambiente no Brasil, por meios e instrumentos diferentes. A primeira é boa e significa grande avanço. Decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) encerrou, definitivamente, a batalha de liminares que se desenrolava desde 2006 nos tribunais brasileiros, e que vinha permitindo a importação de pneus remodelados, usados, de outros países, principalmente da União Européia.

O STF confirmou a constitucionalidade das leis brasileiras que proíbem a importação de pneus inservíveis. A ação foi proposta pela Presidência da República por meio de instrumento jurídico chamado Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF). Por 10 votos a 1, os ministros concordaram com o voto da relatora, a ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha.

De acordo com estimativas, de 2002 a 2005 entraram no Brasil cerca de 40 milhões de pneus. E 30% já chegaram como lixo ambiental. Ou seja, além de contarmos com um passivo ambiental produzido no Brasil, viramos depósito de resíduos altamente poluentes de outros países.

Os pneus ocupam, depois de descartados, um espaço considerável nos lixões. São altamente combustíveis, poluem rios, lagos, correntes de água e se tornam vetores de doenças transmitidas por insetos, como a dengue e a febre amarela. Atualmente já é possível a sua reciclagem, mas não existe ainda solução definitiva que seja economicamente viável e ambientalmente correta na solução para o passivo ambiental gerado pelos pneus.

A primeira grande vitória para a restrição à importação de pneus usados aconteceu em setembro de 2006, na Organização Mundial do Comércio (OMC), contrapondo a União Européia que havia alegado que as leis brasileiras representavam uma barreira não alfandegária ao livre comércio. Foi a primeira vez que o órgão tomou uma decisão levando em consideração problemas de saúde e ambientais. Resultado de um exaustivo trabalho do Ministério do Meio Ambiente em conjunto com a delegação brasileira, que tive a oportunidade de defender pessoalmente em Genebra, na Suíça.

Agora, a ministra Carmen Lúcia sustentou, em seu excelente relatório, "que parece inegável a conclusão de que, em nome da garantia do pleno emprego - dado essencial e constitucionalmente assegurado -, não está autorizado o descumprimento dos preceitos constitucionais fundamentais relativos à saúde e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado". O resultado, segundo o advogado-geral da União, José Antonio Dias Toffoli, é que agora "está proibida toda e qualquer importação, mesmo que baseada em decisão judicial, inclusive de países do Mercosul".

Infelizmente, junto com este avanço, veio o grande retrocesso. No dia 25, o presidente Lula sancionou a Medida Provisória 458/09 com apenas dois vetos, ao artigo 7° e parte do 8°, apesar de veementes apelos de parlamentares, de juristas e membros do Ministério Público, da sociedade civil organizada e de setores empresariais para que vetasse também o artigo 13. Com isso, foram mantidos os dispositivos que dispensam vistoria para a regularização das ocupações de até 400 hectares e os que permitem a venda da terra após apenas três anos de posse. Sem vistoria, não é possível separar o joio do trigo, ou seja, aquele que ocupou a terra de forma mansa e pacífica antes de dezembro de 2004 dos que agiram de má fé e usaram de violência e outros expedientes criminosos como falsificação de documentos e corrupção de agentes públicos.

Apesar dessas distorções que permaneceram na agora Lei nº 11.952/09, o momento é de buscar meios para que haja fiscalização, controle e transparência no processo e total respeito às áreas prioritárias para preservação da biodiversidade. Por isso, apresentei requerimento para que seja criada, na Comissão de Direitos Humanos (CDH), subcomissão para acompanhar os trabalhos de regularização fundiária e, se necessário, percorrer as áreas de conflitos fundiários mais intensos na Amazônia.

A queda consistente do desmatamento na Amazônia, que estamos observando desde 2005, vem sendo conquistada com muito esforço, graças a inúmeras medidas adotadas nos últimos anos. Mas os resultados desse processo de legalização do crime já praticado só serão sentidos mais na frente, quando a economia voltar a crescer e houver novamente o estímulo econômico para a conversão da floresta em áreas de pastagem ou de cultivo. Não podemos permitir que o perdão dos crimes do passado crie a expectativa de que tudo será novamente perdoado.

A construção de uma política de desenvolvimento sustentável para a região, com a adequada ocupação da terra, dentro de parâmetros social e ambientalmente responsáveis, exige firmeza e persistência, e não pode estar sujeita a retrocessos e conveniências. A luta pela mudança de paradigmas na Amazônia continua.

*Marina Silva é professora de ensino médio, senadora pelo PT do Acre e ex-ministra do Meio Ambiente.

Fale com Marina Silva: marina.silva08@terra.com.br

Fonte: Terra Magazine

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Lavanderia Futebol Clube: esporte tem dinheiro do tráfico de drogas, da sonegação e corrupção

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O blogueiro Fábio Kadow conta detalhes do relatório da Financial Action Task Force, agência internacional criada para fiscalizar e combater a lavagem de dinheiro, que confirma que o futebol vêm sendo usado por criminosos e traficantes para lavar dinheiro sujo nos processos de compra de clubes, transferência de jogadores e apostas pela internet.

Um relatório da Financial Action Task Force, agência internacional criada em 1989 pelo então G7 para fiscalizar e combater a lavagem de dinheiro no mundo todo, confirma que o futebol vêm sendo usado por criminosos e traficantes para lavar dinheiro sujo nos processos de compra de clubes, transferência de jogadores e apostas pela internet.

O relatório, que acaba de ser publicado e está disponível para download, diz que a indústria do esporte como um todo precisa tomar medidas urgentes, mas o futebol especificamente, por causa da sua popularidade mundial e dos contratos bilionários, é o caso mais crítico.

Para o FATF, o dinheiro do tráfico de orgãos e de drogas, sonegação fiscal e corrupção estão no cotidiano do esporte. E a Inglaterra, com nove dos 20 clubes da milionária Premier League sendo administrados por estrangeiros, é um dos locais preferidos para essas pessoas que investem dinheiro ilegal no futebol.

Jogadores que disputam a Premier League (suas identidades não foram reveladas) chegaram a confirmar que, seguindo acordo feitos pelos seus agentes, recebem seus salários ou os pagamentos pelos direitos de imagem em paraísos fiscais, fugindo do fisco inglês.

A agência, que teve o suporte da Fifa e da Uefa durante o levantamento dos dados, examinou os fatores econômicos e sociais do esportes para comprovar que o sistema atual é totalmente vulnerável. O relatório, de 42 páginas, com gráficos e tabelas, também traz algumas sugestões de medidas que poderiam coibir a lavagem de dinheiro.

Fonte: Terra Magazine

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Queda de investimentos na agricultura é alarmante

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Por Sanjay Sur

Os líderes do grupo dos oito países mais poderosos deverão analisar em sua próxima reunião, este mês, a crise causada pela queda dos investimentos mundiais na agricultura, informou a organização Oxfam. Mais de um bilhão de pessoas em todo o mundo passa fome e os preços dos alimentos começaram a aumentar novamente, ameaçando muitos pobres, alerta o informe dessa organização. “Os investimentos globais totais, em assistência bilateral e multilateral, diminuíram 75% desde a década de 80”, explicou à IPS Emily Alpert, autora do informe, em uma entrevista desde Hong Kong.

O subfinanciamento ao longo das décadas aumentou a vulnerabilidade de muitos às sacudidas climáticas e do mercado, disse Alpert, cobrando uma ação imediata. “Os investimentos em agricultura trazem pouco lucro (no curto prazo). Suas recompensas podem demorar muito. Os investimentos de hoje não trarão os resultados desejados de imediato”, reconheceu. O informe intitulado “Investir em agricultores pobres recompensa: repensando o investimento na agricultura”, divulgado ontem, diz que dois terços dos pobres rurais do mundo são afetados pelos escassos recursos destinados ao setor.

A Oxfam exortou os líderes do G-8, formado por Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha, Itália, Japão e Rússia, a aumentarem a ajuda agrícola a, pelo menos, os níveis de 1980, de US$ 20 bilhões ao ano, contra os atuais US$ 5 bilhões anuais. “Os investimentos nacionais seguiram a tendência de baixa, menos em países ricos e em um punhado de nações em desenvolvimento, como Brasil, China e Índia”, disse Alpert à IPS. Entre os ricos, o informe diz que, somente em 2007, os investimentos agrícolas foram de US$ 130 bilhões, e os dos Estados Unidos somaram US$ 41 bilhões.

É necessário “um substancial aumento dos investimentos agrícolas, em comparação com os atuais investimentos nas nações ricas ou dos bilhões de dólares gastos mundialmente este ano em resgate financeiro”, acrescentou. “Fortalecer os setores agrícolas dos países em desenvolvimento é uma parte fundamental de uma solução de longo prazo para as crises alimentar, financeira e climática do mundo”, afirmou. O informe da Oxfam exorta doadores, governos nacionais e investidores privados a destinarem mais fundos, e mais sabiamente, na agricultura do Sul, dirigindo-os às pessoas, particularmente às mulheres, para estimular e apoiar o capital social e do conhecimento, e com a finalidade de que adotem métodos de cultivo ambientalmente sustentáveis.

“As mulheres são fundamentais para a segurança alimentar”, disse Alpert. “Investir equitativamente nas necessidades das mulheres e construir sua capacidade para envolver-se produtivamente na agricultura deve estar à frente de qualquer solução para melhorar o crescimento agrícola e reduzir a pobreza”. A Oxfam assinalou que o financiamento dos doadores deve ser transparente e unido, e que a ajuda tem de adequar-se às condições específicas dos lugares, permitindo a participação dos setores envolvidos e atendendo a suas demandas.

Deve-se dar especial atenção a agricultores e pecuaristas em terras marginalizadas que, em geral, trabalham em ambientes difíceis e isolados com acesso inadequado aos mercados, aos serviços, a créditos e insumos, diz o informe. “Esses agricultores e pecuaristas levam a carga de conservar a biodiversidade de cultivos e de administrar alguns dos solos mais frágeis do mundo, e podem ser aliados-chave na luta contra a mudança climática”, acrescenta. Alpert disse que, apesar dos baixos ganhos do investimento em áreas marginalizadas, o principal beneficio é reduzir a pobreza.

“Um setor agrícola atua como multiplicador nas economias locais, permitindo, finalmente, que haja maiores salários e vibrantes mercados rurais, onde os agricultores e trabalhadores gastam seu lucro”, disse Alpert. “Já estamos vendo o impacto nos pobres do aumento de preços dos alimentos, o que em parte se deve à falta de investimentos na agricultura. Quanto mais aumenta a produtividade, mais alimento há para as pessoas, que gastem entre 50% e 80% de sua renda em comida”, acrescentou. IPS/Envolverde

Fonte:Envolverde/IPS

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Homenagem ao Plano Real: Nassif e André Lara Resende

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André Lara Resende: O fantasma tucânico que ronda o Real

André Lara Resende: O fantasma tucânico que ronda o Real

O amigo navegante ficou chateado, porque a urubóloga Miriam Leitão fez uma história do Plano Real e omitiu os nomes de Itamar Franco e André Lara Resende.

O amigo navegante se lembrou de uma entrevista que Paulo Henrique Amorim fez (*)
com Luís Nassif a propósito do lançamento de sue livro “Cabeças de Planilha”.

É essa a singela e comovida homenagem que o Conversa Afiada presta ao Farol de Alexandria e a André Lara Rezende, aqueles que deram um toque tucânico ao Plano Real.

Leia a seguir:

RESENDE E O GRANDE GOLPE DO PLANO REAL

por Paulo Henrique Amorim

. “…(André) continuou tendo participação ativa nas formulações econômicas, em um caso flagrante de ‘inside information’. Aliás, ele era mais do que um insider. Era o economista com dupla militância, ajudando a definir as regras do Real e, depois, operando no mercado em cima dessas margens”. (Pág. 187)

. “… algumas instituições começaram a atuar pesadamente no mercado de câmbio, apostando na apreciação do real… a mais agressiva foi a DTVM Matrix… com capital de R$ 14 milhões passou a ter uma carteira de R$ 500 milhões. Seu principal sócio era André Lara Resende”. (Pág. 197)

. “Para fortalecer a posição dos “vendidos” (como o Matrix de André), nos meses que antecederam a implantação da nova moeda, Winston Fristch reuniu-se reservadamente em São Paulo com instituições financeiras… fornecendo o mapa da mina da apreciação do Real… Um dos presidentes de instituição financeira presente me contou a surpresa deles ao ver um membro do Governo passando o mapa da mina cambial”. (Pág. 198)

. Esses relatos espantosos fazem parte do livro “Os cabeças-de-planilha”, de Luis Nassif, da Editora Ediouro, que acaba de ser lançado.

. Esta é provavelmente a denúncia mais grave já feita sobre as maracutaias na política econômica brasileira.

. Sobre a promiscuidade entre o público e o privado.

. Sobre o que se passa, na verdade, por trás da ciência dos cérebros que oferecem à mídia conservadora e aos bancos as idéias luminosas que deveriam orientar essa infeliz Nação.

. Eles, os sábios. “A Nova Renascença”, como dizia o “Rei Filósofo”, FHC. Eles, os especialistas em “inside information”…

. André Lara Resende foi um dos formuladores e, como demonstra Nassif, o maior beneficiário do Plano Real.

. Não há como atribuir a apreciação do Real, na largada do Plano, a uma barbeiragem, ou a um “erro técnico”, como prova Nassif.

. Está mais parecido com um “business plan”.

. A melhor explicação, como diz Nassif, é que houve um trabalho em cima de “inside information”, em que Resende sabia que o “erro” seria cometido e os gênios do Governo FHC não o corrigiriam.

. Por que não corrigiram?

. Nem FHC, o Farol de Alexandria, que lançava luzes sobre a Antiguidade, sabe explicar.

. A entrevista que FHC deu a Nassif, em fevereiro deste ano, é patética.

. Por três vezes ele diz que não sabia do que acontecia – e não sabia o que acontecia sobre o Plano Real, que mudou a economia, a moeda e o país (para o bem e para o mal…)

. E por cinco vezes ele diz que não foi consultado.

. Não foi consultado sobre questões centrais da reforma do Plano Real.

. É espantoso !!!

. Espantoso também é o que conta Nassif, na Pág. 211: “André Lara Resende via o plano como uma forma de enriquecimento e ascensão social. Depois de enriquecer com o Real, realizou sonhos adolescentes de comprar carros e cavalos de corrida – que transportou de avião para Londres, quando resolveu passar uma temporada por lá”…

. Leia a seguir a entrevista que fiz com Nassif, nesta segunda-feira, dia 16. Realizei uma pequena edição, para facilitar a leitura. Portanto, a versão em áudio não é exatamente a mesma da versão em texto, que se segue.

Leia a seguir a entrevista com Luis Nassif sobre o golpe (ou a tacada) do Real:

Paulo Henrique Amorim – Eu vou conversar agora com o meu colega jornalista Luis Nassif, que acaba de lançar o livro “Os Cabeças de Planilha”. Até onde eu entendo, o livro é uma comparação entre a reforma monetária de Rui Barbosa, de 1890, e o Plano Real, de 1993, não é isso?

Luís Nassif
– Isso.

Paulo Henrique
– São 100 anos de distância entre um e outro, mas muitas similaridades, não é isso?

Nassif - Muitas, muitas.

Paulo Henrique – Eu queria entender o papel do André Lara Resende, um dos economistas mais importantes na formulação do Plano Real. Você na entrevista que deu ao Sergio Lírio, na Carta Capital, diz que o André, ao mesmo tempo foi beneficiário e formulador do Plano Real. Como assim?

Nassif - A gente tem uma discussão que começa em 1993 sobre a troca de moeda. O ponto central tanto do Rui Barbosa quanto do Plano Real é o modo como se troca a moeda. Porque, dependendo do modo, como você define por onde a moeda vai caminhar você define quem vão ser os vitoriosos. E foi definido um modelo de troca de moeda ou de introdução do Real com base na compra de reservas cambiais. Ou seja, só quem tinha dólar podia transformar os dólares em reais. Então, o dinheiro ia pra economia e o Banco Central enxugava aquele dinheiro. Quem tinha acesso a reais e não tinha dólar ficava esmagado. Agora, o ponto central foi que a lógica do Real, por tudo o que se sabia, era, quando a URV virasse Real, era manter a paridade com o dólar. Você se lembra que um dos slogans do Real era “o primeiro plano em que não haveria surpresas”. Tanto que o Rubens Ricupero (Ministro da Fazenda, depois de Fernando Henrique Cardoso), que pega o bonde andando, faz o discurso na véspera da entrada em vigor da nova moeda reiterando que a paridade seria um Real por um dólar. De repente, essa paridade cai para cada dólar valendo 90 centavos de Real, da noite para o dia. Algum tempo depois, para 80 centavos. E você tinha no mercado financeiro um grupo de instituições que apostou numa valorização do Real. Tudo montado ali para ter uma apreciação do Real. Eu investiguei que ordem de equívocos, que razões de ordem teórica, técnica, para explicar essa imprevista apreciação do real. Você vai bater nos estudos que foram feitos antes do Real pela equipe econômica e eles já tinham detectado o risco da apreciação do Real e sugeriam medidas para impedir a apreciação. De repente, a equipe econômica esquece tudo isso e permite a apreciação para 90 centavos, e depois para 80 centavos. Quando chega a 80 centavos chegam a dar declarações de que era preciso cair para 70 centavos de Real. Nesse ambiente é que o André Lara Resende monta o banco Matrix especificamente para se aproveitar daquele momento…

Paulo Henrique
– Dessa apreciação do Real…

Nassif – Dessa apreciação e, depois, passar o banco pra frente.

Paulo Henrique – Então, eu te pergunto: o que você está querendo dizer é que o André Lara Resende, que ajudou a formular essa conversão de URV para Real sabia que ia ter uma apreciação e abriu um banco para se beneficiar disso

Nassif – Isso.

Paulo Henrique – É isso?

Nassif - É.

Paulo Henrique – O André Lara Resende …

Nassif - Acho que um pouco mais. Foi cometido um erro, um erro que não tem base na lógica do Plano Real e pessoas – o André foi o que mais se beneficia disso – que participaram da formulação do Plano se beneficiaram disso.

Paulo Henrique – Quer dizer, um erro que o André sabia de antemão que haveria?

Nassif
– Isso.

Paulo Henrique – Ele sabia que ia ter esse erro.

Nassif – Sabia que teria erro. Como participante e formulador ele sabia que ia ter esse erro. Ele não considerava um erro. As pessoas que comentavam na época sabiam que era um erro. Você se lembra que eram apontados como inimigos da pátria.

Paulo Henrique
– Claro, o Delfim Netto, por exemplo.

Nassif
– Quem denunciava os erros era “lobista da Fiesp”. Eu fiz uma entrevista com o presidente Fernando Henrique que fecha o livro e eu perguntava: “Mas presidente, por que o erro não foi corrigido?”. [Fernando Henrique respondeu:] “Mas não se sabia que havia o erro”. Mas tinha pessoas que alertavam que havia. [Fernando Henrique respondeu:] “Ah, mas essas pessoas criticavam tanto que parecia que era uma crítica sistemática”. Ou seja, eles trataram de anular as críticas e depois disseram que não tomaram decisões porque a maioria da opinião pública não acreditava nas criticas que eles se incumbiram de desmoralizar.

Paulo Henrique – O presidente Fernando Henrique… você perguntou a ele se ele sabia que o André tinha aberto o banco Matrix pra se beneficiar desse erro?

Nassif – Não. Eu não perguntei por que, na época, aí que entra essa questão dos planos econômicos, porque a tendência sempre, devido a um profundo grau de desinformação de grande parte da mídia, partidos políticos e tudo, você aceita tudo o que vem dos grandes planos econômicos, como se tivesse uma racionalidade por trás disso. Na época, não se sabia que era erro. O André, quando montou o banco Matrix, a intenção expressa não era se beneficiar do erro. Mas estava na cara. Em dezembro de 94, inclusive, eu tinha escrito uma coluna onde eu já tinha intuído que havia, digamos, um modelo de negócios, da maneira como o câmbio foi conduzido, que era muito louco.

Paulo Henrique – Eu posso dizer, Nassif, que a valorização da moeda brasileira corresponde ao modelo de negócio de um banco brasileiro?

Nassif – Não de um banco, mas de um grupo, porque o que aconteceu ali…

Paulo Henrique – Mas, que outro banco além do Matrix?

Nassif - Houve reuniões alguns meses antes com bancos de investimento onde foi mencionado qual seria a trajetória do câmbio. Tinha uma briga entre os comprados e vendidos em dólar. Os comprados em dólar eram multinacionais ou grandes empresas que queriam se defender contra a desvalorização do câmbio. Na ponta dos vendidos você tinha esses bancos de investimento, que se articularam. E você tinha uma terceira ponta que poderia desequilibrar – eram os bancos comerciais. Ou seja, num determinado momento em que o câmbio estivesse muito apreciado, estes bancos comerciais poderiam pegar linhas comerciais, entrar no mercado e desequilibrar o jogo. Só que estes bancos comerciais são afastados do jogo através de uma regra do pessoal do Banco Central…

Paulo Henrique
– Na época era o Pérsio Arida?

Nassif
– Não era o Pérsio, não. Foram o Pedro Malan e o Gustavo Franco. No segundo semestre de 94. Eles dizem que o câmbio pode oscilar entre menos 15, mais 15: então, criaram uma insegurança em que o banco comercial não pode entrar. Quem fica no jogo? Os bancos de investimento, pressionando para o lado dos vendidos, a política monetária pressionando para o lado dos vendidos. Agora, a parte mais interessante – foi quando fechou para mim o raciocínio. Eu vinha especulando sobre as razões daquilo em algumas colunas que escrevi na Folha – e comecei a avançar quando saiu o livro da Maria Clara.

Paulo Henrique – A Maria Clara do Prado, nossa colega no iG?

(”A real história do Real”, Editora Record; clique aqui para visitar o site de Maria Clara do Prado)

Nassif
– Isso, isso. Ela participava como assessora, tudo.

Paulo Henrique
– Do ministro Malan.

Nassif – Ela levantou os trabalhos feitos antes do Plano, e ali fecha tudo. Todos os desastres que ocorreram, já haviam sido previstos por eles, inclusive com soluções para prevenir os desastres.

Paulo Henrique
– E por que não corrigiram, Nassif?

Nassif
– Aí que entra a presunção de que havia algo além da teoria na maneira como conduziram o plano.

Paulo Henrique
– A sua suspeita é que houve uma condução que beneficiava um modelo de negócios de bancos de investimentos, inclusive o banco do André ?

Nassif
– Minha presunção é a seguinte: assim como Rui Barbosa, vamos dar o primeiro lance aqui, e depois vamos corrigir ao longo do tempo. Só que o primeiro lance condiciona os seguintes.

Paulo Henrique – Dava uma tacada e depois arrumava a casa?

Nassif - Isso. Dos dois pontos que saíram da previsão do Plano, o déficit em conta corrente apareceu muito antes do que se esperava, em dezembro. E quando teve o déficit teve uma pressão por desvalorização. Aí, o Edmar Bacha e o Gustavo (Franco) disseram “não, o câmbio tem que ir pra 0,70″. O Pérsio fica escandalizado: “Como, vocês são malucos?”. Isso está no livro da Maria Clara. E depois teve a crise do México. Em dezembro, de 94 a crise do México provocou pequenos movimentos de câmbio aqui que levaram a prejuízos de mais de 100 milhões de dólares para o pessoal que estava na ponta vendida. E teve um seminário lá¡ no Banco Central…

Paulo Henrique – Aí, o André perdeu dinheiro?

Nassif
– Não sei. Teve uma leve oscilação ali. Porque o que ocorreu ali foi que teve um seminário no BC do Rio em que o Francisco Gros – olha a coincidência, naquele dia eu tinha escrito sobre a crise mexicana – ele faz uma apresentação em que diz que na avaliação do JP Morgan, onde ele trabalhava, o México era o país de menor risco na América Latina. Provocou uma gargalhada geral. Você ficava sem entender, não era possível ele dizer que o câmbio tinha que ir para 0,70, que o déficit tinha que ser o dobro, que o México era o país com o menor risco… Era muita batatada para um pessoal tão competente, entendeu?

Paulo Henrique
– Na verdade, era um “business plan”?

Nassif
- A hipótese que deu para fechar ali foi que se deu um primeiro movimento e depois se perdeu o controle. Naquele período eles estavam absolutos no pedaço.

Paulo Henrique – Eles eram os gênios da República, A Nova Renascença, como diz você. Fernando Henrique chamou de A Nova Renascença.

Nassif
– Fernando Henrique tinha saído candidato à Presidência, o Ricupero assumiu sem entender as tecnicalidades…

Paulo Henrique – E o Fernando Henrique sabia?

Nassif
- Acho que o pecado dele foi lá na frente, na hora de corrigir o erro.

Paulo Henrique – Você entrevistou o FHC. Ele dá a sensação de que sabia, dominava essa questão?

Nassif
– Todos os pontos que eu perguntei, que eram pontos centrais desse modelo – compra de reservas cambiais, o fato de você estimular a fuga do grande capital de volta – ele dizia que não tinha sido consultado.

Paulo Henrique - Ele não tinha sido consultado? Ele era consultado para que ?

Nassif
– Por exemplo, vamos pegar um ponto grave. Em dezembro ele já eleito, o Serra indicado ministro do Planejamento. Já se sabia que ele e Pérsio queriam mudar o câmbio, inclusive pensam até em pedir ao Itamar Franco para fazer uma desvalorização nos moldes do que o Sarney fez a pedido do Collor. A crise do México atrapalhou. Nos últimos dias do ano o BC faz uma emissão de títulos com clausula cambial. Qual a lógica disso?

Paulo Henrique – E como o Fernando Henrique explica isso?

Nassif
– Ele dizia que não tinha sido consultado.

Paulo Henrique
– Quer dizer que o BC e o Ministério da Fazenda operavam à revelia do Presidente?

Nassif
– Naquele segundo semestre, o Itamar ainda era o Presidente. Eles pegavam o freio nos dentes. Primeiro, entrou o Ricupero e pegou o bonde andando. Depois entrou o Ciro Gomes, que não entendia também das tecnicalidades, e eles convenceram o Ciro a manipular aquele discurso de que quem era a favor da mudança do cambio era inimigo da pátria. Foi uma violência, você lembra. Aí eu pensava: será que estão fazendo isso para queimar o Serra, que era a favor da mudança ? Mas era muita virulência, ia queimar o Ciro, e ele entrou de cabeça…

Paulo Henrique
- Mas peraí, quando houve a crise do México o Presidente era o Fernando Henrique.

Nassif – Sim, mas a crise começou a dar sinais em novembro, dezembro. Já tinha todos os sinais de que ia quebrar. Agora, você tem um outro movimento complicado, em março, quando se resolve mudar o câmbio. O Pérsio faz um movimento de mudança do câmbio e o Gustavo dá sinais para o mercado contraditórios e provoca uma fuga de recursos.

Paulo Henrique
– Você entrevistou o Gustavo Franco?

Nassif
- Eu entrevistei o Gustavo sim…

Paulo Henrique
– E ele disse o que dessa sua tese?

Nassif - Que havia um risco de inflação. Quando eu entrevistei ele não tinha saído o livro da Maria Clara.

Paulo Henrique - Você entrevistou o André?

Nassif
– Não.

Paulo Henrique
– Você tem medo que ele te processe?

Nassif
- Os ganhos do Matrix são ganhos públicos, tem balanços, tem tudo aí.

Paulo Henrique – Você conhece, evidentemente, o papel do André. Eu assisti a isso numa solenidade em Toronto, na negociação final da dívida externa brasileira, em que o André, ele durante a solenidade, participa da equipe brasileira que assina a renegociação da dívida externa e, a partir de certo ponto, ele se senta na platéia – já tendo comunicado que deixava o governo naquele instante – se senta como banqueiro. Eu estava sentado ao lado de um diretor do Citibank, que me perguntou assim: “você sabe qual dos dois chapéus o André usa? Se o chapéu de autoridade monetária ou o chapéu de banqueiro, como eu?”.

Nassif - Então faltou te entrevistar, Paulo Henrique.

Paulo Henrique – Na dívida externa o André deve ter desempenhado também um duplo papel…

Nassif - Na dívida externa você faz os contatos, você cria um relacionamento amplo. E no começo dos anos 90, já estava claro qual seria o negócio do século para esses bancos de investimento: seria a reciclagem da poupança brasileira que estava lá fora. É a poupança que se manda nos anos 80, desde o início, com o caso Tieppo, depois do bloqueio do Collor, ela vai inteira pra lá. Então, eu diria que a intenção inicial desses bancos era fazer a reciclagem dessa poupança.. Esse foi um grande negócio. Mas, no meio do caminho, de repente, você a tem a chance de ganhar com a apreciação do Real, uma apreciação que ninguém esperava e que compromete todo o restante.

Paulo Henrique – Que faz, inclusive, com que o Brasil tenha essa dívida interna hoje brutal.Paulo Henrique – Agora, uma última pergunta Nassif, qual foi o papel do André na formulação do Plano Real?

Nassif – Ele fez parte do núcleo central. Os caras que tinham melhor estudado o tema eram o Pérsio e o André.

Paulo Henrique - O famoso ensaio “Larida”. André Lara e Pérsio Arida, não ?

Nassif – Isso. Isso. O Gustavo Franco entra no meio do caminho sem ter ainda a cancha dos dois, mas o Gustavo sempre foi o mais organizado, o cara que sistematizava. Mas o André foi fundamental. No começo ele queria que fosse um “currency board”, que nem teve na Argentina de Domingos Cavallo. Agora, o interessante é que quando você pega os estudos prévios, a única coisa que não aparece nesses estudos é o essencial: o modelo da monetização, como vai ser a compra de reservas cambiais. É o que dá a base para você esmagar o setor interno da economia, aquele que não tinha acesso ao dólar. E dá todo o espaço possível ao setor que tinha acesso aos dólares. Quando você pega todos os pontos – como os bancos comerciais são afastados disso, você tem primeira apreciação do câmbio, tem a segunda desvalorização do câmbio. Depois que você chega naquela posição, vê que está tudo arrebentado … não dá para você ficar no mero erro teórico …

Paulo Henrique
– Ainda mais com mentes privilegiadas como essas…

Nassif
- Paulo, eu sou um jornalista econômico. Em 94 e 95 eu tenho todas as minhas colunas prevendo isso. E eles com o conhecimento deles e tudo mais e todas as ferramentas do Banco Central, todos os números na mão tinham mão previram ? Depois, quando você pega os estudos prévios, estava tudo lá: “pode acontecer isso, isso e aquilo. E pode ameaçar o plano. Então, para isso, isso e aquilo nós vamos tomar essa, essa e essa medida”. E quando você termina o período todo, nenhuma medida foi tomada e todos os pontos que eles apontavam como vulnerabilidade da economia tinham piorado por conta dessa decisão, desse modelo de remonetização da economia.

Paulo Henrique – Quer dizer que o Presidente Fernando Henrique não era consultado?

Nassif
– Não, em nada.

Paulo Henrique
– Nada?

Nassif
– Em nada.

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Leia também:

GOLPE DO PLANO REAL MERECE UMA CPI?

por Paulo Henrique Amorim

. O livro “Os Cabeças-de-Planilha”, de Luís Nassif, revela que pelo menos um dos formuladores do Plano Real, André Lara Resende, se beneficiou da inesperada e equivocada sobrevalorização do Real, no lançamento do Plano.

. O internauta Evaristo Almeida fez o seguinte comentário:

“O conteúdo desse livro é motivo para uma CPI. Somente no Brasil com uma mídia conservadora (e golpista) esse pessoal que ficou rico ás custas da sociedade brasileira continua impune. A riqueza do Lara Resende é diretamente ligada ao crescimento exponencial da dívida brasileira, que só em juros paga anualmente mais de R$ 160 bilhões. O dinheiro usado para levar cavalos para a Inglaterra ou para adquirir Ferraris do André Lara Resende era o destinado à educação e á saúde que teriam beneficiado milhões de brasileiros. Agora eles contam com o silêncio da mídia que foi cúmplice nesse saque ao país. E o Fabio Giambiagi quer tirar o dinheiro das aposentadorias dos velhinhos, se não fosse trágico, seria cômico. É ISSO”.

. O Conversa Afiada considerou que o comentário faz muito sentido porque seria uma CPI com objeto claramente determinado: apurar se no lançamento do Plano Real a valorização do Real foi um erro ou um golpe para enriquecer André Lara Resende e outros donos de bancos de investimento, conforme denúncia do livro “Os Cabeças-de-Planilha”, de Luís Nassif.

. O Conversa Afiada considera que deveriam depor André Lara Resende, Gustavo Franco, Pedro Malan, Pérsio Arida, Edmar Bacha, Winston Fristch, José Serra e finalmente o Farol de Alexandria, Fernando Henrique Cardoso.

. O Conversa Afiada enviou a íntegra da entrevista de Luís Nassif e perguntou: “O(a) senhor(a) vai pedir a instalação de uma CPI do Plano Real?”, às seguintes lideranças do Congresso:

Luiz Sérgio (PT-RJ) – Líder do PT na Câmara

Arthur Virgilio (PSDB-AM) – Líder do PSDB no Senado

José Agripino (DEM-RN) – Líder do DEM (antigo PFL) no Senado

Ideli Salvatti (PT-SC) – Líder do PT no Senado

Romero Jucá (PMDB-RR) – Líder do governo no Senado

Júlio Redecker (PSDB-RS) – Líder da oposição na Câmara

Rodrigo Maia (DEM-RJ) – Presidente Nacional do DEM

José Múcio Monteiro (PTB-PE) – Líder do Governo na Câmara

Mario Negromonte (PP-BA) – Líder do PP na Câmara

Márcio França (PSB-SP) – Líder do PSB na Câmara

Marcelo Ortiz (PV-SP) – Líder do PV na Câmara

Chico Alencar (PSOL-RJ) – Líder do PSOL na Câmara

Renildo Calheiros (PCdoB-PE) – Líder do PCdoB na Câmara

Fernando Coruja (PPS-SC) – Líder do PPS na Câmara

Luciano Castro (PR-RR) – Líder do PR na Câmara

Antonio Carlos Pannunzio (PSDB-SP) – Líder do PSDB na Câmara

Onyx Lorenzoni (DEM-RS) – Líder do DEM na Câmara

Francisco Dornelles (PP-RJ) – Líder do PP no Senado

Renato Casagrande (PSB-ES) – Líder do PSB no Senado

José Nery (PSOL-PA) – Líder do PSOL no Senado

Inácio Arruda (PCdoB-CE) – Líder do PCdoB no Senado

João Ribeiro ( PR-TO) – Líder do PR no Senado

Epitácio Cafeteira (PTB-MA) – Líder do PTB no Senado

Respostas:

Fernando Coruja (PPS-SC) – Líder do PPS na Câmara: “Concordamos com a instalação de toda CPI que obedeça aos requisitos constitucionais: fato determinado, prazo de funcionamento dos trabalhos e número de integrantes da comissão. Inclusive, concordamos com a imediata instalação da comissão. A posição do PPS sempre foi a de instituir instrumentos que possibilitem a ampla investigação no Legislativo”.

Romero Jucá (PMDB-RR) – Líder do governo no Senado: Não. Segundo a assessoria de imprensa, o senador Romero Jucá, líder do governo no Senado, acha que as CPIs, de um modo geral, são um instrumento necessário e legítimo do Congresso Nacional. Do ponto de vista do governo, não há nenhum obstáculo a qualquer tipo de CPI, mas a discussão no Congresso deve caminhar em torno das propostas de crescimento e desenvolvimento do país. O que ocorre com as Comissões Parlamentares de Inquérito é que, muitas vezes, elas desviam o interesse do desenvolvimento para somente o interesse da investigação.

Epitácio Cafeteira (PTB-MA) – Líder do PTB no Senado: Segundo a assessoria de imprensa do senador, Epitácio Cafeteira não vai se pronunciar.

Ideli Salvatti (PT-SC) – Líder do PT no Senado: Não. Por enquanto esse assunto não está sendo discutido na bancada PT no Senado, informou a assessoria de imprensa da senadora.

(*) O amigo navegante só pode recuperar essa entrevista porque Marcos Bitelli, advogado de Paulo Henrique Amorim, conseguiu na Justiça impedir um ato de “limpeza ideológica”, à da “limpeza étnica” que se praticou mais recentemente na antiga Iugoslávia. Paulo Henrique Amorim trabalhava no IG, quando Caio T. (“T” de Tarufo) Costa tirou o site do Paulo Henrique do ar com o objetivo de limpar seus vestígios. Em 24 horas, Bitelli conseguiu da Justiça que os advogados de PHA entrassem no IG e recuperassem o trabalho dele de dois anos com a ajuda de uma tropa da Polícia Militar, se necessário fosse. Caio T. (“T” de Tartufo) é professor de Ética no jornalismo. Viva o Brasil !

Em tempo: PHA encaminhou ao Ministério Público Federal uma cópia desses dois textos sobre o papel edificante de André Lara Resende e Fernando Henrique Cardoso.

Fonte: Conversa Afiada

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EXCLUSIVO: SERRA MANDOU SUSPENDER SINDICÂNCIA DOS LIVROS DIDÁTICOS

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do blog Cloaca News



- Ordem foi dada em telefonema pessoal, há duas semanas

- Responsáveis pela lambança dos pornolivros são amigas "velhas de guerra" do tucano

- Esquemas do secretário-lobista seguem de vento em popa na Secretaria de Educação paulista

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De acordo com o "enrolômetro" que instalamos em nossa barra lateral, o prazo que o governador Zé Chirico determinou para apurar as "responsabilidades" acerca dos livros pornodidáticos distribuídos para as crianças da escolas estaduais paulistas já está esgotado faz tempo. Fomos gentis com o tucano, e decidimos contar apenas os dias úteis. Também por este critério, Serra não cumpriu a promessa que fez em cadeia de rádios, tevês e jornais. O governador de São Paulo - com a conivência da mídia bandida que o acoberta - mais uma vez fez a população de palhaça.
Desde o início, sabia-se de quem era - e é - a "responsabilidade" pela escolha e pela aquisição dos livros didáticos no governo tucano. E, assim como Serra determinou que a Fundação para o Desenvolvimento da Educação (FDE) fizesse um inquérito de fancaria, ele próprio encarregou-se de sustar as investigações. Telefonema de viva voz, sem intermediários.
Àquela altura, uma das verdadeiras responsáveis pelas desastradas "escolhas" esforçava-se para jogar no colo de subordinados a conta pelas suas trapalhices. Seu nome: Iara Prado. Outras duas personagens que surgiriam nas diligências, caso o negócio fosse pra valer: Zuleika de Felice Murrie e Claudia Aratangy. Juntas, estas três "professoras" são as Damas de Ouro de Zé Chirico e as fiéis escudeiras do secretário-lobista Paulo Renato Souza.
Qualquer criança, utilizando um dos computadores alugados a peso de ouro da CTIS pela Secretaria da Educação paulista, não terá dificuldade alguma em descobrir a quanto tempo remonta a fraternidade entre as distintas "servidoras" e os dois ex-ministros de FHC. Iara Prado, a propósito, é casada com um certo Antônio de Pádua Prado Júnior, vulgo Paeco, dono da empresa APPM, em cuja seleta lista de clientes encontramos todas as agências de propaganda que atendem as contas do governo tucano.
Iara, Zuleika e Claudia não poderiam aparecer nos relatórios da sindicância. Assim como não poderia vir à tona o nome de uma certa senhora Eliane Mingues, responsável pelas compras ordenadas, em cadeia hierárquica, pelas três primeiras. Sua presença na FDE é cercada de indecifrável mistério, visto que não há qualquer registro de sua nomeação para aquele órgão publicado no Diário Oficial.
Para conhecer os bastidores da "sindicância" fajuta de José Serra, clique aqui.
Para ver e ouvir Iara Prado falando sobre o Programa Ler e Escrever, da FDE, clique aqui.
Para conhecer o papel de Claudia Aratangy na patacoada dos pornolivros, clique aqui.
Para ver Zuleika em ação, clique aqui.
E para ver como Eliana Mingues já é da patota desde priscas eras, clique aqui.
Este blog "anônimo" informa, ainda, que os dados para a quebra de nosso sigilo telemático para fins de processo judicial encontram-se na barra lateral, à direita, logo abaixo do "enrolômetro" de José Serra.

Fonte: Cloaca News

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Irã: é pueril a tentativa de dividir o mundo em dois campos de batalha

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Nos encontramos num momento crucial, não apenas para a nação iraniana como para a geopolítica da região. O desafio não reside em modelar a realidade do Irã até lhe dar uma forma com a qual nos sintamos cômodos, confirmando nossos preconceitos ou esperanças. O desafio consiste em compreender. Porque só compreendendo evitaremos o estabelecimento das condições que permitam a repetição dos piores erros da última década. A análise é de Peter Beaumont, editor da seção internacional do The Observer.

A crise iraniana está sendo sequestrada por quem se considera antiimperialista ou pró-democratas, confundindo sua verdadeira complexidade.

Ao visitar o Irã no ano passado com o objetivo de cobrir as eleições parlamentares, descobri um país completamente em desacordo com a maioria das descrições. Acabei discutindo sobre o sociólogo Durkheim com um produtor de discos de música clássica num cine-café e debatendo a situação política nas cidades santas xiitas com um guarda tradicionalista de uma mesquita do sul de Teerã. Sentei para beber vodka clandestina numa festa e discutir os limites da liberdade pessoal a respeito das regras de vestuário islãmico com uma professora liberal que, contudo, usava o lenço na cabeça. Até as atitudes dos partidários do presidente Ahmadinejad que conheci no campo eram complexas e confundiam o que eu acrediava que sabia. O Irã, como se vê, zomba de como o ocidente gostaria de enquadrar sua realidade.

Isso torna amiúde desconcertante ler muitos dos pontos de vista expressos durante a crise eleitoral do Irã: tenho tido de me esforçar muito para reconhecer o lugar que se pinta. É preocupante, porque, se há uma coisa que aprendi nos últimos quinze anos cobrindo informativamente tantas crises, é de que modo as descrições simplificadas ou distorcidas dos fatos se assentam facilmente como verdades, no lugar de serem postas em tela de juízo. E de que modo tão perigoso, assim como o Iraque deixou claro, esas falsas imagens alimentam os processos de tomada de decisões dos governos ocidentais.

No caso do Irã, o que tem se tornado visível no ocidente são duas versões do país que competem entre si, pintadas pela imaginação política e das quais dois campos rivais têm se apropriado – e se enfrentado – que se assenhoraram de nosso debate sobre os assuntos externos desde o 11 de setembro e da invasão do Iraque. Ambos partem de uma nova guerra fria das idéias; suas posturas, limitadas e mutuamente antagonistas, têm interpretado cada uma das crises internacionais que vêm surgindo para lhes adequar a sua própria ordem do dia, a despeito das do outro lado.

De um lado estão os restos da velha esquerda, reforçados por uma nova geração radicalizada pelo ativismo altermundialista e contra a mudança climática. Informados por autores como o veterano ativista Noam Chomsky e jornalistas como John Pilger, sua visão de mundo se caracteriza por se constituir discurso “antiimperialista” que se mostra hostil às intervenções ocidentais.

Do lado oposto, encontra-se um grupo mais difuso e bastante mais influente na configuração da política, cujos componentes vão de liberais em sentido amplo a neoconservadores. A convicção unificadora que tem mantido esse grupo consiste numa crença quase religiosa no poder transformador que os hábitos democráticos ocidentais possuem, quando se transplantam a sociedades e a culturas que experimentaram uma considerável restrição de suas liberdades. Há que se dizer que se trata de uma crença que permanece estranhamente imutável, apesar dos múltiplos fracassos dos últimos anos.

Não obstante, as duas tendências são, espelho uma da outra num aspecto crucial: a forma que têm de descrever um Irã mais homogêneo do que aquele que existe: ou bem mais universalmente desesperado por mudanças ou bem mais partidário de Ahmadinejad.

De forma mais geral, o resultado é que o debate sobre os assuntos internacionais se vê dominado por estas duas visões de mundo, em que ambas se apropriam de cada nova crise internacional como evidência que reforça por si mesma seus argumentos, o que tem como consequência um diálogo degradado em que se apontam ameaçadoramente os dedos e se chamam de tudo. Quem intervém o faz, comumente, para confirmarem suas credenciais diante de seu próprio público. Enquadrar assuntos como o Irã em termos de argumentação ocidental pró-democrática também pode ter efeitos não desejados. Num país cujos dirigentes cultivam suspeitas quase paranóicas a respeito dos Estados Unidos e do Reino Unido, torna-se um convite aberto interpretar os comentários como “interferências”, tal como inevitablemente tem ocorrido nos últimos dias.

No caso dos acontecimentos das últimas duas semanas no Irã, a reação tem sido deprimentemente familiar. Para a esquerda dissidente, confrontada ao que se parece supostamente com outra “revolução colorida”, depois da “revolução rosa” na Georgia e da “revolução laranja” na Ucrânia, que receberam apoios dos grupos em favor da democracia, a resposta tem consistido em dar respaldo ao “antiimperialista” Ahmadinejad, amigo do pobre e inimigo do sionismo, como o vencedor mais provável. Mais vítima de uma tentativa de golpe de estado que responsável por outro desde o poder, trata-se de uma versão dos fatos que, graças à necessidade de reforçar sua defesa, tem jogado ao ao desaparecimento as características mais difíceis de engolir do Irã de Ahmadinejad.

Essa crítica tem andado mais que de par com uma tralha de opinião equivalente, amiúde por parte de quem tem mais familiaridade com Tel Aviv ou Tallahassee do que com Teerã, e que de todo coração caiu no conto da “liberdade” e tenta interpretar as manifestações da multidão que apóia Houssein Mousavi de forma igualmente simplista, como fosse ele o representante das aspirações de todo o Irã.

Trata-se de uma versão que têm algumas lacunas.

Ao investir tanto na oposição reformista e deixar-se seduzir por uma versão que procede da periferia do norte de Teerã, pouco representativa, não chega a reconhecer nem a natureza da agenda de Mousavi – alguém que se autorretrata como “reformista fundamentalista” bastante menos radical do que se imagina – nem a realidade do enorme apoio que tanto Ahmadinejad como a revolução islãmica recebem de sua base.

Que o debate tenha parado nas mãos dessas posturas superficiais tem sua importância, precisamente porque importa para a imagem que temos do Irã.

E agora, mesmo no caso do Irã, existe uma necessidade abrumadora de examinar com cuidado o que está acontecendo que ultrapassa a habitual apresentação de Ahmadinejad como um simples ditador que nega o Holocausto e a Mousavi, como depositário das esperanças de um tipo de reforma liberal ocidental da revolução iraniana.

A crise de legitimidade que vem se desenrolando depois das eleições iranianas impugnadas não pode ser representada com remédios simples. As tensões sociais e políticas que vêm sendo alimentadas desde a revolução islãmica tem cobrado impulso desde o surgimento dos reformistas como força política séria. Apelam a um conjunto de preocupações que só podem ser compreendidas no contexto iraniano. Entre esses problemas está a questão premente de como reconciliar a questão cada vez mais conflitante de como se comportam as pessoas em seus lugares privados e os espaços públicos mais restritivos. Também se registra uma tensão que vem se acumulando há mais de uma década entre o conceito de veayat e e-faqih – a jurisprudência clerical – e o desejo de uma representação democrática significativa maior, no contexto de um estado socialmente conservador.

Também, e de maneira crucial, tanto para os partidários de uma linha dura ciosos de continuarem o legado do aiatolá Khomeini, como para os reformistas, a atual crise se vê impulsionada pela tensa antecipação precisamente do que acontecerá com uma das pedras angulares da revolução, o papel do líder supremo, que tem inclusive questionado o aiatolá Ali Khamenei, agora o desempenha.

Também deve ser levado em conta o assunto dos limites flutuantes da tolerância, no que concerne à expressão política e aos termos em que se estabelece um regime cada vez mais nervoso, num estado que desfruta de mais liberdades do que em geral se imagina, mas que ainda seguem gravemente restritas.

Por último, e também mais importante de tudo, está a questão de como negociam as frágeis instituições uma divisão crescente que – pela natureza da aritmética que ambas as partes engendram – não se pode resolver nem com o predomínio da facção de Ahmadinejad nem com o dos reformistas.

Nos encontramos num momento crucial, não apenas para a nação iraniana como para a geopolítica da região. O desafio não reside em modelar a realidade do Irã até lhe dar uma forma com a qual nos sintamos cômodos, confirmando nossos preconceitos ou esperanças. O desafio consiste em compreender. Porque só compreendendo evitaremos o estabelecimento das condições que permitam a repetição dos piores erros da última década.

*Peter Beaumont é editor da seção internacional do TheObserver. Cobriu guerras na África, no Bálcãs e no Oriente Médio e escreveu sobre direitos humanos e sobre a repercussão dos conflitos sobre os civis. Seu último livro se chama The Secret Life of War, publicado por Harvill Secker.

Tradução: Katarina Peixoto

Fonte: Carta Maior

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Um grampo, uma farsa

- Alô? É do Supremo?

- Alô? É do Supremo?

Um grampo, uma farsa

por Leandro Fortes

No dia 2 de setembro de 2008, o diretor-geral da Polícia Federal, delegado Luiz Fernando Corrêa, foi ao gabinete do presidente do STF, ministro Gilmar Mendes. A tiracolo, levava dois outros delegados, William Morad e Rômulo Berredo, designados por ele para investigar a denúncia de participação da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) em um grampo telefônico montado nas linhas de Mendes e do senador Demóstenes Torres, do DEM de Goiás. A denúncia, feita pela revista Veja, insinuava a participação direta do delegado Paulo Lacerda, então diretor-geral da Abin, na escuta telefônica ilegal. A revista trazia, a título de prova, uma transcrição aleatória, provavelmente psicografada, de uma conversa angelical entre o ministro e o senador. Talvez tenha sido a revelação de grampo mais telúrica da história do jornalismo investigativo brasileiro. Uma espécie de eu-te-amo-tu-me-amas montado, sob medida, para a dramática sequência de atos que viria a seguir.

O gesto do diretor-geral da PF, ao levar os delegados à presença de Gilmar Mendes, já é passível de uma análise crítica e, no fim das contas, desanimadora, sobre o patamar civilizatório de nossas instituições republicanas. Além do quê, correu-se um risco tremendo. E se Mendes não gostasse deles? Se os achasse, sei lá, com jeito de gângsteres? Felizmente, a escolha foi do gosto do ministro. E por que não seria? Um dia antes, em 1º de setembro de 2008, Paulo Lacerda havia sido afastado da Abin, de forma sumária e humilhante, com base em uma mentira perpetrada por um ministro de Estado. E não um ministro qualquer, mas Nelson Jobim, da Defesa, responsável pelo comando das três forças armadas.

Jobim, ex-ministro da Justiça de Fernando Henrique Cardoso, apadrinhou a indicação de Gilmar Mendes ao STF. Jobim é professor do IDP, a escola de Gilmar Mendes. Jobim inventou que a Abin havia comprado, por meio do Exército, um aparelho capaz de fazer escutas telefônicas. Foi desmentido pelo Exército. Foi desmentido pelo Gabinete de Segurança Institucional. Foi desmentido pela Polícia Federal. Jobim e Mendes são amigos.

Pano rápido.

Para quem não se lembra, Paulo Lacerda estava no rol de inimigos do presidente do STF desde 2006, quando a Polícia Federal havia vazado uma lista relativa à Operação Navalha, na qual constava o nome “Gilmar Mendes” como beneficiário de presentes dados a autoridades pelo empreiteiro Zuleido Veras, da construtora Gautama, envolvida num esquema mafioso de fraudes de licitações públicas. O ministro afirmou se tratar de um homônimo, mas, desde então, jurou vingança a Lacerda. A matéria da Veja, dois anos depois, lhe serviu de espada.

Possesso, violentado em sua intimidade telecomunicante, Mendes lançou as bases de um discurso progressivo sobre a existência de um “Estado policial” no Brasil, um mundo dominado por grampeadores malucos, um exército de arapongas a escutar sussurros e cochichos de Deus e o mundo, capitaneados, é claro, por Paulo Lacerda. Diante de tamanha gravidade institucional, Mendes chamou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva às falas. E este, além de ir, também afastou Lacerda e o manteve, por três meses, escondido em uma sala carcomida no subsolo do Palácio do Planalto, inaugurando, assim, uma nova modalidade de detenção, o cárcere funcional. Em seguida, já informado da fraude da qual havia sido vítima, era tarde demais, e Lula havia perdido a condição política de reconduzir Lacerda à Abin. Despachou-o, então, para o desterro, em Lisboa.

Pois bem, leio, hoje, dia 1º de julho de 2009, na Folha de S.Paulo, que a investigação da PF sobre os grampos não deu em nada. Nada. Dez meses de um inquérito tocado por dois delegados, conforme pedido expresso do presidente da República, sobre um grampo feito nas linhas do presidente do STF e de um senador da República. Nada. 300 dias para descobrir o que já se discutia abertamente nos jardins de infância das escolas municipais brasileiras, na hora da merenda: um grampo sem áudio é uma farsa. Uma farsa que serviu-se da invencionice do ministro Jobim, provocou uma crise institucional, submeteu o presidente Lula a um constrangimento político e promoveu o assassinato da reputação de um homem de bem, o delegado Paulo Lacerda.

Um deboche e um vexame.

Fonte: Brasilia, eu vi

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IDP, 2009 (por enquanto)

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Então, táEntão, tá

por Leandro Fortes

Como é sabido até pelo mundo mineral, como diz Mino Carta, sou processado pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, por ter revelado, em reportagem publicada por CartaCapital, em 6 de outubro de 2008, o funcionamento do Instituto Brasiliense de Direito Público, o IDP. Na ação indenizatória movida contra mim, Gilmar Mendes pede 100 mil reais porque, entre outras alegações, o referido instituto teria sido prejudicado financeiramente pela matéria. Curioso, fui pedir a ajuda da organização não governamental Contas Abertas para atualizar os ganhos do IDP e dimensionar o tamanho do prejuízo que causei. Estupefato, constatei que o instituto não parou de faturar. Aliás, pelo andar da carruagem, deve dobrar a receita, até o fim do ano.

Confiram comigo as atualizações feitas pelo Contas Abertas e tirem suas conclusões:

- Em 2008, o Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), do qual Mendes é sócio-fundador, faturou 577,8 mil reais com contratos, sem licitação, firmados com órgãos federais. Isso equivale a um aumento de receita de 167% em relação a 2007, quando o IDP faturou 216,3 mil reais.

- Em 2009, as perspectivas são ainda melhores. Até com a Polícia Federal, corporação à qual Mendes reputava a presença de “gângsteres”, durante a gestão do ex-diretor geral Paulo Lacerda, o IDP emplacou dois contratos – secretamente e sem licitação – no valor de 17,4 mil.

- Este ano, apenas no primeiro semestre, o Tesouro Nacional empenhou 597,8 mil reais dos cofres da União para pagar cursos de servidores federais na escola de Gilmar Mendes. Tudo ou por dispensa, ou por inexigibilidade de licitação, graças a uma brecha da Lei 8.666, sobre concorrência pública. Isso porque, ao compor os quadros do IDP, Mendes praticamente monopolizou esse tipo de negócio em Brasília. Não é por menos. No corpo docente há mais de 80 professores entre advogados, economistas, procuradores, auditores fiscais, promotores, assessores e ministros do Tribunal de Contas da União (TCU), Tribunal Superior do Trabalho (TST), Supremo Tribunal Federal (STF), Superior Tribunal de Justiça (STJ) e dois ministros de Estado, Nelson Jobim, da Defesa, e Jorge Hage Sobrinho, da Controladoria Geral da União (CGU). Outros dois ministros do governo Lula fazem palestras eventuais no IDP, José Antônio Dias Toffoli, da Advocacia Geral da União, e Mangabeira Unger, do Planejamento Estratégico.

- Segundo levantamento feito pelo Contas Abertas, com base em dados retirados do sistema de controle de gastos da administração federal, o Siafi, do total empenhado pelo governo, em 2009, 341,2 mil reais foram pagos até o dia 16 de junho.

- Apenas durante o governo Lula, de 2003 até agora, o IDP faturou 2,17 milhões de reais em contratos com órgãos federais e tribunais.

- Entre 1998, ano da fundação do Instituto, até hoje, esse faturamento chega a 2,95 milhões de reais. O Siafi, cujo acesso é permitido somente a deputados e senadores, cobre apenas os contratos da administração direta. Eventuais negócios do IDP com estados, municípios e estatais, como Petrobras, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal, não são rastreados pelo sistema.

- Gilmar Mendes não gostava da Polícia Federal do delegado Paulo Lacerda, a quem ajudou a derrubar graças àquela história do grampo fajuto – sem áudio nem transcrição – publicado pela revista Veja. Na gestão do atual diretor-geral, Luiz Fernando Corrêa, a relação com a PF parece ter mudado bastante: nos dias 12 e 13 de março, sob a rubrica de “Coordenação de Administração – COAD”, e sem nenhuma especificação sobre o órgão de origem nem sobre os beneficiários, a Polícia Federal firmou dois contratos com o IDP. Ambos, na categoria licitatória “inexigível”. Apenas por meio de uma pesquisa avançada, feito dentro do Siafi, foi possível determinar a rubrica da PF.

- Ambos os contratos são de 8.736 reais cada. O primeiro, de 12 de março, trata de um curso de pós-graduação em direito penal e processo penal para o delegado Flávio Maltez Coca. Ele foi presidente do inquérito que investigou irregularidades na Infraero, estatal dos aeroportos brasileiros, durante o chamado “caos aéreo”. O outro, assinado no dia seguinte, também diz respeito ao mesmo curso, mas para o agente federal Leo Garrido de Salles Meira.

- A pesquisa do Contas Abertas localizou outros contratos firmados, esse ano, com o IDP por órgãos federais acolhidos, no Siafi, alguns sob siglas genéricas e não identificáveis. Entre eles:

a) Três contratos no valor de 8,5 mil reais com o Ministério da Justiça sob a rubrica de “Coordenação Geral de Recursos Humanos”.

b) Quatro contratos da Advocacia Geral da União (AGU), no total de 10,5 mil reais, pela “Coordenação de Execução Orçamentária e Financeira”. No caso da AGU, vale lembrar que o titular da pasta, José Toffoli, é palestrante eventual do IDP e candidato declarado a uma vaga no STF.

c) Um contrato de 10,9 mil reais do Ministério do Planejamento (“Coordenação Geral de Gestão de Pessoas”) e outro do Comando do Exército (“Comando Logístico”), também de 10,9 mil reais.

d) Dois contratos, no valor total de 28,3 mil reais, com o Comando do Exército, subordinado a outro professor – este, pioneiro – do IDP, o ministro da Defesa, Nelson Jobim.

e) Também empenharam dinheiro para pagar contratos com o IDP as agências reguladoras de energia elétrica (Aneel – 7,2 mil reais) e de telefonia (Anatel – 13,5 mil reais). O mesmo caminho seguiu o Instituto de Pesquisas Econômicas Avançadas (Ipea – 32,7 mil reais), a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa – 10,9 mil reais) e a Secretaria de Receita Federal (72,9 mil reais).

f) Nos primeiros seis meses de 2009 há, ainda, contratos com os ministérios da Saúde, Previdência e Fazenda, e outros com o STJ (sete professores do IDP são de lá), Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Corpo de Bombeiros de Brasília.

- O instituto de Gilmar Mendes também conseguiu empenhar verbas para contratos no Legislativo. O Senado Federal, sob a presidência de José Sarney (PMDB-MA-AP) empenhou, no primeiro semestre de 2009, 252 mil reais para contratos com o IDP. Apenas à guisa de curiosidade, leia-se o elogio feito por Mendes a Sarney, o Senhor dos Atos Secretos, há poucos dias: “Tenho o maior respeito pelo presidente Sarney. Temos um diálogo constante. Acho que é uma pessoa importante na história do Brasil, conduziu a transição democrática com grande habilidade.”

- Na Câmara dos Deputados, por meio do fundo rotativo da Casa, foram disponibilizados, no mesmo período, 28,5 mil reais reservados para o IDP.

- Além de Gilmar Mendes, são sócios do negócio o procurador regional da República Paulo Gustavo Gonet Branco e o advogado Inocêncio Mártires Coelho, último procurador-geral da República da ditadura militar, nomeado pelo general-presidente João Baptista Figueiredo, em junho de 1981. De acordo com a Junta Comercial do DF, cada sócio desembolsou 402 mil reais, num total de 1,2 milhão de reais, para fundar o IDP. Na época da criação do IDP, Mendes era subchefe para Assuntos Jurídicos da Casa Civil do governo Fernando Henrique Cardoso.

- A sede do IDP, um luxuoso prédio espelhado de quatro andares na avenida L2 Sul de Brasília, foi construído graças a um financiamento de 3 milhões de reais conseguidos, em 2006, junto ao Fundo Constitucional do Centro Oeste (FCO), do Banco do Brasil.

- O terreno onde o IDP foi construído também foi conseguido graças a uma ajuda do poder público. Em setembro de 2004, os três sócios do instituto assinaram um contrato com o Programa de Promoção do Desenvolvimento Econômico Integrado e Sustentável (Pró-DF II), criado pelo ex-governador Joaquim Roriz (PMDB), quando Mendes já estava no STF. Conseguiram, então, um desconto de 80%. Ou seja, um terreno que tinha o preço original de 2,2 milhões foi financiado, em cinco anos, por 440 mil reais – o preço de um apartamento de quatro quartos, no mesmo bairro.

Fonte: Brasilia, eu vi

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