Por Leonardo Boff
A crise econômico-financeira , presivísvel e inevitável, remete a uma
crise mais profunda. Trata-se de uma crise de humanidade. Faltaram
traços de humanidade mínimos no projeto neoliberal e na economia de
mercado, sem os quais nenhuma instituição, a médio e longo prazo, se
agüenta de pé: a confiança e a verdade. A economia pressupõe a confiança
de que os impulsos eletrônicos que movem os papéis e os contratos tenham
lastro e não sejam mera matéria virtual, portanto, fictícia. Pressupõe
outrossim a verdade de que os procedimentos se façam segundo regras
observadas por todos. Ocorre que no neoliberalismo e nos mercados,
especialmente a partir da era Thatcher e Reagan, predominou a
financeirização dos capitais. O capital financeiro-especulativo é da
ordem de 167 trilhões de dólares, enquanto o capital real, empregado nos
processos produtivos (por volta de 48 trilhões de dólares anuais).
Aquele delirava na especulação das bolsas, dinheiro fazendo dinheiro,
sem controle, apenas regido pela voracidade do mercado. Por sua
natureza, a especulação comporta sempre alto risco e vem submetida a
desvios sistêmicos: à ganância de mais e mais ganhar, por todos os meios
possíveis.
Os gigantes de Wall-Street eram tão poderosos que impediam qualquer
controle, seguindo apenas suas próprias regulações. Eles contavam com as
informação antecipadas (Insider Information) , manipulavam- nas,
divulgavam boatos nos mercados, induziam-nos a falsas apostas e tiravam
dai grandes lucros. Basta ler o livro do mega-especulador George Soros "A
crise do capitalismo" para constatá-lo, pois ali conta em detalhes estas
manobras que destroem a confiança e a verdade. Ambas eram sacrificadas
sistematicamente em função da ganância dos especuladores. Tal sistema
tinha que um dia ruir, por ser falso e perverso, o que de fato ocorreu.
A estratégia inicial norte-americana era injetar tanto dinheiro nos
"ganhadores" (winner) para que a lógica continuasse a funcionar sem pagar
nada por seus erros. Seria prolongar a agonia. Os europeus,
recordando-se dos resquícios do humanismo das Luzes que ainda sobraram,
tiveram mais sabedoria. Denunciaram a falsidade, puseram a campo o
Estado como instância salvadora e reguladora e, em geral, como ator
econômico direto na construção na infra-estutura e nos campos sensíveis
da economia. Agora não se trata de refundar o neoliberalismo mas de
inaugurar outra arquitetura econômica sobre bases não fictícias. Isto
quer dizer, a economia deve ser capítulo da política (a tese clássica de
Marx), não a serviço da especulação mas da produção e da adequada
acumulação. E a política se regerá por critérios éticos de
transparência, de equidade, de justa media, de controle democrático e
com especial cuidado para com as condições ecológicas que permitem a
continuidade do projeto planetário humano.
Por que a crise atual é crise de humanidade? Porque nela subjaz um
conceito empobrecido de ser humano que só considera um lado dele, seu
lado de ego. O ser humano é habitado por duas forças cósmicas: uma de
auto-afirmação sem a qual ele desaparece. Aqui predomina o ego e a
competição. A outra é de integração num todo maior sem o qual também
desaparece. Aqui prevalece o nós e a cooperação A vida só se desenvolve
saudavelmente na medida em que se equilibram o ego com o nós, a
competição com a cooperação. Dando rédeas só à competição do ego,
anulando a cooperação, nascem as distorções que assistimos, levando à
crise atual. Contrariamente, dando espaço apenas ao nós sem o ego,
gerou-se o socialismo despersonalizante e a ruína que provocou. Erros
desta gravidade, nas condições atuais de interdepedência de todos com
todos, nos podem liquidar. Como nunca antes temos que nos orientar por
um conceito adequado e integrador do ser humano, por um lado
individual-pessoal com direitos e por outro social-comunitário com
limites e deveres. Caso contrário, nos atolaremos sempre nas crises que
serão menos econômico-financeiras e mais crises de humanidade.
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Um comentário:
Muito bom!!
!!@v@nte!!
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