quarta-feira, 31 de outubro de 2007

O filho de FHC

Um fato Jornalístico que a mídia esconde há 15 anos
Pela primeira vez, um jornal da imprensa grande menciona – indiretamente – o filho “fora do casamento” de FHC com uma jornalista, Miriam Dutra, nascido em 1991. Na terça-feira, 17 de julho, a Folha de S. Paulo publicou na página A4, sob o título “Renan busca limitar perícia; oposição reage e cobra pressa”, declarações do governador paranaense Roberto Requião (PMDB). A repórter Fernanda Krakovics, da sucursal de Brasília, informa na reportagem que Requião “acusou a mídia de tratar de modo diferente o presidente do Senado, Renan Calheiros, e o ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso”. Disse Requião: “Pergunto a vocês se já compararam a situação do Renan Calheiros com a do Fernando Henrique Cardoso, que teve um filho com uma colega nossa. Nunca foi entrevistada, o filho nunca apareceu no jornal. E essa colega nossa foi para Portugal às expensas de uma empresa de comunicação, conhecida no Brasil inteiro como TV Globo.” A repórter desculpa a Folha dizendo que a política do jornal é considerar que “tais situações devem permanecer na esfera particular enquanto não houver indício de que interfiram na administração pública”, ao que Requião retruca que os dois casos são “exatamente a mesma coisa”. E completa: “O Renan está sendo fuzilado e o FHC foi protegido à exaustão.”Já a Central Globo de Comunicação, segundo a reportagem, diz que “este tipo de comparação não procede, pois, como empresa de comunicação, a TV Globo não cuida da vida privada das pessoas e sim de temas de interesse público”. Em seu blog, o jornalista Luiz Carlos Azenha repercutiu a história e publicou, na íntegra, a primeira (e até agora única) reportagem que desnudou esse tratamento com “dois pesos e duas medidas”: Um fato jornalístico, da Caros Amigos, em sua edição 37, de abril de 2000, com a chamada de capa Por que a imprensa esconde o filho de 8 anos de FHC com a jornalista da Globo? Eis o texto, que completa 7 anos em 2007, enquanto o menino em questão comemorará seus 15 anos, a 26 de setembro.
por Palmério Dória, João Rocha (de Barcelona), Marina Amaral,
Mylton Severiano, José Arbex Jr., Sérgio de Souza


Esta reportagem começou assim: o jornalista Palmério Dória ofereceu para Caros Amigos um artigo cujo título era “Presidente, Assuma!”, referindo-se ao filho gerado do romance entre Fernando Henrique Cardoso e a jornalista Miriam Dutra quando o atual presidente da República era senador. A jornalista trabalhava, e trabalha ainda, para a Rede Globo, na ocasião como repórter em Brasília, hoje como correspondente em Barcelona, Espanha.
O artigo, depois de dizer que o casal era visto nas noites de Brasília a partir do final de 1988, contava em detalhes, revelados por testemunhas, a reação irada do então senador, com xingos à jornalista, expulsão da sala e um pontapé no circulador de ar, que foi parar longe, no dia em que ela foi ao seu gabinete participar-lhe a gravidez. Abordava em seguida a situação criada após o nascimento da criança, em 1991, quando a estrela do senador começava a brilhar na política, projetando contornos para uma candidatura à presidência da República. Citava a participação dos amigos Sérgio Motta e José Serra, “cabeças do projeto presidencial”, no episódio, primeiro conseguindo para a mãe e a criança um apartamento mais confortável na Asa Sul, onde ela já morava mais modestamente, e, depois, fazendo gestões junto ao diretor de jornalismo da Rede Globo, Alberico Souza Cruz, que é o padrinho do menino, no sentido de transferir a jornalista para Lisboa, o que se efetivou. Dizia ainda o artigo que, a certa altura, esses três personagens foram substituídos, no que o autor chama de “corpo de bombeiros”, por um conhecido lobista de Brasília, aparentado de Miriam Dutra que em determinadas rodas é chamado de “o homem que sustenta o filho do presidente”. Antes de encerrar o artigo, o autor pergunta por que tanto segredo, por que a “conspiração de silêncio” da imprensa em torno da história, listando uma série de políticos e personagens públicos que em casos semelhantes viram noticiados os fatos que haviam protagonizado.
Ao entregar o texto, o jornalista sugeriu que o ilustrássemos com uma foto de Miriam Dutra. E foi aí que as coisas passaram a tomar outro rumo.
Quando procuramos, por telefone, o Departamento de Documentação (Dedoc) da Editora Abril, que vende esse tipo de material, como todas as empresas jornalísticas, ficamos sabendo que lá havia uma única foto da jornalista da Globo, tirada da tela de uma televisão por um fotógrafo da revista Veja, que em 1994 preparava uma reportagem sobre o caso Miriam Dutra/FHC, candidato à presidência da República. Para isso a revista tinha enviado a repórter Mônica Bergamo a Lisboa. O funcionário do Dedoc tratou do assunto com naturalidade, pedindo que aguardássemos um minuto na linha enquanto ultimava os trâmites rotineiros para o envio da foto. Quando voltou ao telefone, desapontado disse que a foto não podia ser liberada, não sabia por que. Pedimos que transferisse a ligação para a direção do Dedoc, que atendeu, se disse surpresa com o fato, que iria verificar o que estava acontecendo e nos ligaria em seguida. Depois de uma hora, ligou dizendo que realmente a foto não podia ser liberada porque era de autoria desconhecida, envolvia o nome da Globo e, assim, estava bloqueada.
Primeira providência: localizar o fotógrafo, que não estava mais em Veja, trabalha agora para o Correio Braziliense, jornal de Brasília. Ele confirma haver feito a foto para uma “matéria de gaveta”, no jargão jornalístico aquela matéria que espera a ocasião oportuna para ser publicada ou fica para sempre enterrada. “Fiz a foto da televisão porque toda a imprensa tinha a matéria e, se um desse, todos davam”, disse ele. Essa informação não só já havia transpirado de Veja, por outra via, como a direção da revista dissera à repórter enviada a Lisboa que ela estava indo procurar Miriam Dutra para que não corressem o risco de ser “furados” por alguém. De qualquer forma, na volta a repórter entregou um relatório com a entrevista feita com Miriam Dutra, que não quis revelar o nome do pai, disse que o pai não merecia aquele filho, deu detalhes do parto etc. e a matéria foi para a gaveta, apesar de a direção da redação estar dividida, votos a favor e contra sua publicação, prevalecendo ao final o “não” do diretor, Mario Sergio Conti. Sabe-se que houve ameaça à Abril, por parte da irmã de Miriam Dutra, Magrit, que por telefone disse que quebraria (financeiramente) a editora, caso a matéria fosse publicada.
As contradições apontaram definitivamente para a investigação. Íamos procurar saber como são, a partir de fatos, as relações entre o presidente da República e a mídia. Precedentes já havia, como o da época da reeleição, por exemplo, quando o presidente chamou a Brasília todos os donos dos grandes veículos para pedir uma ajuda em favor de sua candidatura quando em maio/junho de 1998 ela periclitou nas pesquisas de opinião pública.
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Antes de qualquer coisa, precisaríamos ouvir Miriam Dutra, procurar confirmar o “segredo de polichinelo”, como dizem jornalistas que conhecem a história. E praticamente todos os diretores de redação à época das eleições de 1994 a conhecem, embora muitos – iríamos pedir a palavra de todos eles – fossem argumentar que não publicaram a matéria porque a mãe da criança não havia procurado a imprensa nem a Justiça e só nessas circunstâncias as normas internas admitem a publicação. O que não é verdadeiro, sabe-se de pelo menos um fato semelhante a esse em que houve até exploração tendenciosa por parte da mídia, fato revelado também em época de campanha presidencial, a de 1990, envolvendo a filha do candidato Lula, trazido a público por um repórter do Jornal do Brasil que foi investigar a história e não porque algum dos envolvidos tivesse procurado a imprensa ou a Justiça.
Outro argumento de diretores de redação em defesa da não publicação da história que resolvemos contar é o de ela não ser um fato jornalístico. Esquisito não considerar fato jornalístico um presidente da República ter um filho fora do casamento com uma jornalista da Rede Globo.
Fomos, então, procurar Miriam Dutra, por intermédio de um jornalista brasileiro, João Rocha, que está morando em Barcelona. Eis o seu relato, de 30 de janeiro deste ano:
“Descobri um Colegiado de Jornalistas onde havia um Centro Internacional de Jornalistas. Consegui achar Miriam Dutra em uma lista absolutamente equivocada – a de Madri, mas com um endereço de Barcelona. Fui até lá. É um bairro de classe média alta, na parte mais moderna da cidade. Achei a rua, mas penei para achar o prédio. Enquanto pedia informações na rua para localizar o número que buscava, encontrei acidentalmente um brasileiro. Um homem de seus 60 e poucos anos, artista plástico paraibano. Havia deixado o Brasil em 1963, mas conservava intato o sotaque, mesmo falando catalão ou espanhol. Seu nome é Oto Cavalcanti, figura interessante, também se confundiu muito para achar o prédio que supostamente era no quarteirão em que ele morava. Quando falei que procurava uma jornalista brasileira, ele lembrou que a moça da banca de jornal havia lhe falado de uma jornalista brasileira da Globo vivendo por perto. Fomos até a banca. A moça se mostrou muito simpática até eu perguntar sobre Miriam Dutra. Aí, ela mudou de expressão, de tom de voz e falou que Miriam já se havia mudado e que nunca mais a tinha visto. Perguntei outra coisa e ela simplesmente me ignorou, como se eu não pudesse saber de mais nada. Essa moça, eu soubera um pouco antes pela sua ajudante, tornara-se amiga de Miriam em suas compras diárias de jornais e revistas.
Saí da banca com mais algumas informações, porém achando que o endereço que eu tinha estava errado e, além disso, sabendo que Miriam havia se mudado. Mas continuei procurando e perguntando para as pessoas. Todos desconheciam o número, exceto seu Manuel, porteiro português que trabalha há anos na região: ‘Esse prédio fica naquele bulevar atrás do muro do Gaudí, todo mundo se perde’. Já era noite e o muro estava iluminado. Lindo! E atrás dele estava o número 61 da rua Manoel Girona. Visivelmente um prédio de classe média alta. O porteiro não estava, mas a caixa de correio mostrava que Miriam não morava mais ali. Esperei que algum morador ou o porteiro aparecesse. Foi o tempo de um cigarro. Lá vinha ele, um típico catalão de uns 60 anos. Foi dele que pude conseguir a mais rica descrição da nossa personagem. Me descreveu seus hábitos, jeito etc., coisas que um porteiro sabe como ninguém. Falou que ela mudara havia uns seis meses, para perto, e que não a via desde o Natal, quando tiveram uma ligeira discussão sobre as correspondências que ainda chegavam para ela e que já não queria receber. Foi aí que ele completou o perfil que eu estava montando desde que comecei a pensar na personagem: ‘É uma pessoa muito fechada, apesar de ter sido sempre correta comigo. O que eu vou fazer se uma pessoa não quer deixar seus rastros?...’
“Chegando em casa, organizei as anotações e quase joguei fora o número do telefone que supostamente seria o de Miriam, já que o porteiro me havia assegurado que a linha tinha ficado com o novo inquilino. Mas resolvi tentar: ‘Alô’, eu ouvi, tomando um susto tremendo, e então perguntei em espanhol se era da casa de Miriam Dutra. ‘Si, un momento.’ E ao longe: ‘Mãããe!’ Era ele, Tomás. Com o coração disparado de quem busca algo durante tempos e encontra por acaso, não tive rapidez para fazer outra coisa que não esperar por Miriam. E ela atendeu: ‘Hola’. ‘É a Miriam Dutra?’ ‘Sim’. ‘Oi, Miriam, meu nome é João Rocha. Sou um jornalista brasileiro que está vivendo em Barcelona. A revista Caros Amigos está fazendo uma reportagem em que cita o seu nome e pediram que a procurasse para ouvi-la’. E ela, meio transtornada: ‘Cita meu nome? Em quê?’ ‘Olha, fala de um suposto caso que você teria tido com o nosso presidente da República, Fernando Henrique, e de um filho que teria resultado desse relacionamento’. Pelo silêncio que se fez, esperava ouvir o telefone dela batendo no gancho, mas não. Veio a resposta: ‘Olha, João, eu não vou falar nada sobre essa história. Eu não sou uma pessoa pública. Se vocês têm algo para perguntar, não é para mim. Perguntem para a pessoa pública’.”
A afirmação de Miriam Dutra era definitiva e, no mínimo, removia de vez a argumentação de jornalistas que não contam o que sabem escudando-se em manuais de redação. Seguiríamos sua sugestão de procurar a pessoa pública dessa história, mas só depois de ouvir todos os diretores de redação da época em que o caso aflorou mais fortemente, 1994, FHC candidato. Devíamos começar por Veja, de onde a lebre foi levantada a partir da foto proibida.
Palmério Dória conta sua tentativa:
“Liguei para Mario Sergio Conti, que durante a primeira eleição de FHC era diretor de redação de Veja. Previa certa animosidade, porque naquela semana tinha saído em Caros Amigos um quadro comparativo que fiz entre famosos de ontem e de hoje – ‘Portrait du Brésil: décadence avec desélégance’. Entre as quarenta comparações (por exemplo: JK/FHC; bossa nova/pagode; Ataulfo Alves/Alexandre Pires; mar de lama/Proer; Marta Rocha/Adriane Galisteu), sobrou para o autor do best-seller Notícias do Planalto: David Nasser/Mario Sergio Conti. Quer dizer, esperava animosidade, mas não a tempestade que desabou: ‘Mario Sergio, estou fazendo uma matéria sobre aquela história que todo mundo fala mas ninguém conta, o suposto filho do Fernando Henrique...’. ‘Palmério, você acha que eu vou mover uma agulha por você?’ (ainda contendo a fúria) ‘Você me comparou com o... David Nasser...’ Tentei dizer algo em meio ao atropelo de impropérios que se seguiu: ‘Mario, estou ligando para o cargo, você tinha a função de diretor de redação...’. ‘Eu não sou da sua laia. (berrando) Leve a sua calhordice até o fim!’ Berrando, desligou o telefone.”
Em seguida, Palmério falou com mais três jornalistas que ocupavam posto de comando nas publicações em que trabalhavam durante a campanha presidencial de 1994:
“Augusto Nunes, hoje dirigindo a revista Época, era diretor de redação do jornal Zero Hora, de Porto Alegre. Temos uma considerável convivência, começamos juntos no Estadão:
“– Augusto, falam que todos os jornalões e revistas tinham essa matéria e que, se um desse, todos dariam. Vocês tinham também, para a eventualidade?
“– Não chegamos a ter. Claro que a questão foi levantada na redação: ‘Fizeram uma sacanagem com o Lula, e agora como é que é?’ Mas quem fez a sacanagem com o Lula foi a Miriam Cordeiro. No caso do Fernando Henrique, a suposta mãe diz que não é. O filho tem um pai no papel, e ela não fala que Fernando Henrique é o pai. A Zero Hora nem partiu para levantar o assunto, que circulava realmente em todas as redações.
“Aluízio Maranhão, diretor de redação do Estadão naquele tempo, hoje também na revista Época, garante que o jornal dos Mesquita não tinha matéria de gaveta sobre o caso:
“– Havia um obstáculo intransponível: ela nega. O rapaz – o registro do menino: ele tem um pai legal. Você vê o caso do Lula. A filha existe, a mãe assumiu, se deixou usar como munição política. Tem que ter algum BO (não Bom para Otário, mas Boletim de Ocorrência). Sendo verdade, termina servindo de munição. Isso vale para um suposto filho de um presidente e para um suposto consumo de drogas de um presidente. Você tem que ter provas e testemunhas com um mínimo de credibilidade. Não tem nada a ver com status social. Por todas essas razões, não chegou a ser tema de discussão, por absoluta falta de provas. Houve um momento em que o site do PDT fez circular uma matéria do Diário de Notícias, de Portugal, com a história. Foi malandragem com interesses político-partidários e decidimos não noticiar. E essa foi a decisão de todos os órgãos.
“Hélio Campos Mello, diretor de redação de IstoÉ, comigo foi sempre de uma afabilidade total. Mas, toquei no assunto, adotou o chamado distanciamento crítico, tornou-se seco e objetivo: ‘Não tenho uma história, não tenho a certidão de nascimento, não tenho uma mãe dizendo que o garoto é filho dele (o presidente). Alguém pode dizer: ‘Ah, ele é parecido’. O filho do Collor é quase um teste de DNA’!”
Palmério não perguntou, e o diretor de redação de IstoÉ talvez não tenha tomado conhecimento, mas sabe-se que um repórter da revista fez a matéria e ela foi engavetada, por instância do proprietário da editora, que disse: “Não sou louco, tenho negócios”. Esse mesmo empresário já disse, em tom de brincadeira, para quem quisesse ouvir: “Sou mesmo um bandoleiro da imprensa; os outros também são, mas não dizem”.
Como estivéssemos entrevistando jornalistas, rapidamente a matéria passou a ser comentada nas redações, obviamente indo parar nos corredores do poder federal. Combinamos um jantar, numa churrascaria em São Paulo, com um jornalista que está trabalhando para o governo. Ele disse que havia uma preocupação com a matéria nos altos escalões, amigavelmente desaconselhando-nos a publicá-la. Fez ver que a editora, caso Caros Amigos saísse com a reportagem, podia enterrar a pretensão de conquistar anúncios ou qualquer serviço editorial da área governamental, que abertamente havíamos pleiteado com ele como pleiteamos junto a todo o tipo de empresas institucionais. Ao contrário, acenou, não saindo a matéria eram muito boas as chances de obtermos no futuro algum tipo de serviço editorial para órgãos públicos.
Em um almoço, numa cantina, também em São Paulo, Palmério Dória, que julgavam ser o único autor da reportagem, receberia, por intermédio de um amigo jornalista, convite para ir trabalhar na assessoria de imprensa da Petrobrás, no Rio. Perguntou ao amigo de quem partira o convite, o amigo declinou o nome do lobista aparentado de Miriam Dutra. Os lobbies em favor do silêncio começavam a convergir.
Um deputado federal da oposição liga para a redação pedindo o telefone particular de José Arbex Jr., editor especial de Caros Amigos. O telefone é fornecido. Arbex conta o diálogo ocorrido depois das saudações de praxe:
“– E aí, o que você manda?
“– Rapaz, eu queria te dar um toque, mas é em caráter pessoal.
“– Pode dizer.
“– Pois é, eu estava conversando outro dia com um cara que é muito ligado ao governo, e ele me disse que o pessoal estava preocupado com uma reportagem que a Caros Amigos está fazendo, o cara até me perguntou se eu sabia qual era a da Caros Amigos, se ela é do PT...
“– Do PT?
“– Pois é, rapaz, do PT. Eu falei que não, disse que não sabia nada sobre a Caros Amigos, até que passei numa banca de jornal e li o expediente da revista, e vi que conhecia algumas pessoas da redação. Por isso resolvi te ligar.
“– Sei, mas qual é a preocupação do governo?
“– Eles acham que vocês estão fazendo uma matéria escandalosa envolvendo o presidente. Eu acho que não é o caso, pois, conhecendo vocês, eu acho que não iriam por essa linha de sensacionalismo barato.
“– Ih, não é nada disso. Os caras, pra variar, estão mal informados. A reportagem não é sobre a vida do FHC, mas sim sobre a relação da mídia com o FHC, o silêncio cúmplice, essas coisas...
“– Ah, bom, eu sabia...
“– Mas eu não entendi muito bem qual é o toque que você disse que ia me dar.
“– É que eu vi que os caras estão preocupados, e como te conheço há muito tempo, e tem uma relação de confiança, apesar de talvez existirem divergências políticas, então resolvi conversar com você em caráter pessoal. Os caras estão muito preocupados, rapaz...
“– Eu te agradeço a confiança, mas a gente não vai promover nenhum sensacionalismo.”
Nesse mesmo mês, fevereiro, liga para Sérgio de Souza, editor de Caros Amigos, o diretor de redação da revista Imprensa, Tão Gomes Pinto. Diz estar intercedendo em nome de Miriam Dutra, que lhe telefonara de Barcelona cheia de preocupação em relação à matéria e que ela queria falar com Sérgio. “Pois não”, respondeu Sérgio, dando ao interlocutor todos os seus números de telefone. O diretor da revista Imprensa, antes de desligar e depois de muito insistir sobre a preocupação de Miriam, disse que qualquer dia iria fazer uma visita à redação de Caros Amigos, que não conhecia ainda. Antes que se passasse meia hora, anunciam que Tão Gomes Pinto está na recepção, quer falar com Sérgio. Desce, cumprimentam-se, Tão vai repetir que Miriam está preocupadíssima, mas que resolveu não telefonar para Caros Amigos. O tom resvala à dramaticidade. Sérgio pergunta se são amigos, Tão responde que conheceu Miriam nos tempos de Brasília, não chega a dizer que eram amigos. No meio da conversa, Sérgio, que tinha a informação de que Tão e o lobista aparentado de Miriam estavam naquele momento esgrimindo conjuntamente um lobby junto a uma empresa brasileira, pergunta se o diretor de redação da revista Imprensa conhece fulano de tal (dá o nome do lobista). Tão olha para o alto, como se buscasse na memória o personagem, até que, no timing certinho, diz que sim, mas que não vê o homem faz muito tempo, mais de ano. A pergunta faz com que a conversa se dilua, Tão chega a comentar, em tom cúmplice, que a nossa matéria devia ser feita pela revista Imprensa e despede-se fraternalmente, levando alguns livros da editora de Caros Amigos, a Casa Amarela, para divulgar em sua revista.
Diante disso, embora convictos de que se tratava de uma mentira encomendada pelo lobista, pedimos ao repórter de Barcelona que perguntasse a Miriam Dutra se ela havia pedido a intercessão do diretor de redação da revista Imprensa. O pedido a João Rocha, como o primeiro, foi feito por Mylton Severiano, que participava também da reportagem e é amigo do jornalista que vive em Barcelona. Mylton recebeu então o seguinte e-mail:
“Logo depois de receber sua mensagem, encontrei um amigo brasileiro para ir almoçar. Na fila do restaurante, falávamos nosso portuguesinho despreocupado quando uma moça atrás de nós me cutucou no ombro: ‘Vocês são brasileiros, não?’ E se apresentou: ‘Me chamo Tânia, sou de Brasília, estou fazendo doutorado aqui na faculdade...’. Foi justo no momento em que me deu o estalo e, com aquele tipo de palavras que você não sente sair da boca, perguntei: ‘Você é amiga da Miriam Dutra, não?’ E ela, surpresa: ‘Ah, a Miriam, sou, como você sabe?’ E eu, ainda naquele estado: ‘É que ela me falou de você, que havia chegado há pouco tempo e que estava procurando apartamento para alugar’. ‘Procurando apartamento? Não, imagina! Moro aqui há três anos!’ Nesse momento, o mundo se contorce e já não se entende mais nada. Mas, como eu, ela também fazia doutorado e, momentos depois, coincidências esclarecidas, resolvo puxar o assunto do filho do presidente e explico minha relação com Miriam: o interesse no suposto caso que Miriam supostamente teria tido com o presidente, do qual supostamente teria nascido um suposto filho, supostamente presidencial. ‘Suposto?’, me interrompe a moça. ‘Suposto, não! É do Fernando Henrique. Ela não te contou? É a cara do presidente!’ “Chegando em casa, ligo para Miriam. Quem atende novamente é Tomás: ‘Péra um pouquinho. Maãããnhê!’ Longa conversa, como havia sido a primeira, dessa vez contabilizada pelo cronômetro do telefone: uma hora e dez minutos. Quanto ao movimento de sugestão de silêncio, ela diz não ter a menor idéia de onde saiu. Fala que não tem nada a ver com isso e que a última pessoa com quem havia conversado sobre o assunto fui eu. Tão Gomes Pinto ela diz conhecer apenas profissionalmente, como jornalista respeitado, e que não tem nem sequer o telefone dele. Comenta o contrato dela com a Globo, anual, de prestação de serviços no exterior, ‘como há uns quarenta mais’, acrescentando que veio por razões profissionais e por sua própria conta. Fala, também, em tom ameaçador mas brando: ‘Se a revista publica uma coisa dessas, vai ter que provar. Sei dos meus direitos e conheço os meios jurídicos. Vai ter que provar’. E, enfim, depois de eu muito cutucar, saiu: ‘Tomás Dutra Schmidt, nascido no dia 26 de setembro de 1991 à zero hora e quinze minutos em uma maternidade de Brasília, batizado pela avó materna e registrado na mesma cidade somente no nome da progenitora’. Levando portanto sobrenomes iguais aos dela.”
A repórter e editora executiva de Caros Amigos, Marina Amaral, iria a Brasília para, além de solicitar uma audiência com a “pessoa pública”, tirar uma cópia, no respectivo cartório, da certidão de nascimento do menino. Antes, porém, como estava pautado, trataria de colher os depoimentos utilizados pelos grandes veículos para justificar o fato de nunca terem tratado do assunto. Começa por Alberico Souza Cruz, atualmente na Rede TV!. A telefonista atende, Marina diz que deseja falar com ele, a ligação é transferida, atende voz masculina, Marina pede:
“– Por favor, o Alberico.
“– Quem gostaria de falar?
“– É Marina, da Caros Amigos.
“– Oi, Marina, tudo bem? É o Alberico.
“– Que bom, nem pensei que seria tão fácil falar com você... (risos)
“– Com prazer, pode falar.
“– É um assunto meio delicado, mas, como vamos dar a reportagem na próxima edição, tenho de perguntar. A reportagem fala do filho da Miriam Dutra com...
“– Me desculpe, mas sobre esse assunto eu não falo.
“– Mas a reportagem até diz que você é o padrinho do menino...
“– É, mas sobre esse assunto eu realmente não falo. Me desculpe. Até logo.”
O sucessor de Alberico na direção de jornalismo da Rede Globo é Evandro Carlos de Andrade, ex-diretor de redação do jornal O Globo, função que exerceu de 1972 a 1995. Autoridade máxima e palavra final do jornal, seu depoimento para uma reportagem que põe em discussão as atitudes da imprensa diante de determinados fatos era de grande importância. No caso, principalmente porque foi na sua gestão que O Globo publicou, em 14 de dezembro de 1989, data em que a televisão transmitiria, à noite, o debate que decidiria a eleição presidencial em favor de Fernando Collor, o seguinte editorial, destacado na primeira página:
“O direito de saber
“O povo brasileiro não está acostumado a ver desnudar-se a seus olhos a vida particular dos homens públicos.
“O povo brasileiro também não está acostumado à prática da Democracia.
“A prática da Democracia recomenda que o povo saiba tudo o que for possível saber sobre seus homens públicos, para poder julgar melhor na hora de elegê-los.
“Nos Estados Unidos, por exemplo, com freqüência homens públicos vêem truncada a carreira pela revelação de fatos desabonadores do seu comportamento privado. Não raro, a simples divulgação de tais fatos os dissuade de continuarem a pleitear a preferência do eleitor. Um nebuloso acidente de carro em que morreu uma secretária que o acompanhava barrou, provavelmente para sempre, a brilhante caminhada do senador Ted Kennedy para a Casa Branca – para lembrar apenas o mais escandaloso desses tropeços. Coisa parecida aconteceu com o senador Gary Hart; por divulgar-se uma relação que comprometia o seu casamento, ele nem sequer pôde apresentar-se à Convenção do Partido Democrata, na última eleição americana.
“Na presente campanha, ninguém negará que, em todo o seu desenrolar, houve uma obsessiva preocupação dos responsáveis pelo programa do horário eleitoral gratuito da Frente Brasil Popular de esquadrinhar o passado do candidato Fernando Collor de Mello. Não apenas a sua atividade anterior em cargos públicos, mas sua infância e adolescência, suas relações de família, seus casamentos, suas amizades. Presume-se que tenham divulgado tudo de que dispunham a respeito.
“O adversário vinha agindo de modo diferente. A estratégia dos propagandistas de Collor não incluía intromissão no passado de Luiz Inácio Lula da Silva nem como líder sindical nem muito menos remontou aos seus tempos de operário-torneiro, tão insistentemente lembrados pelo candidato do PT.
“Até que anteontem à noite surgiu nas telas, no horário do PRN, a figura da ex-mulher de Lula, Miriam Cordeiro, acusando o candidato de ter tentado induzi-la a abortar uma criança filha de ambos, para isso oferecendo-lhe dinheiro, e também de alimentar preconceitos contra a raça negra.
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“A primeira reação do público terá sido de choque, a segunda é a discussão do direito de trazer-se a público o que, quase por toda parte, se classificava imediatamente de ‘baixaria’.
“É chocante mesmo, é lamentável que o confronto desça a esse nível, mas nem por isso deve-se deixar de perguntar se é verdadeiro. E se for verdadeiro, cabe indagar se o eleitor deve ou não receber um testemunho que concorre para aprofundar o seu conhecimento sobre aquela personalidade que lhe pede o voto para eleger-se Presidente da República, o mais alto posto da Nação.
“É de esperar que o debate desta noite não se macule por excessos no confronto democrático, e que se concentre na discussão dos problemas nacionais.
“Mas a acusação está no ar. Houve distorção? Ou aconteceu tal como narra a personagem apresentada no vídeo? Não cabe submeter o caso a inquérito. A sensibilidade do eleitor poderá ajudá-lo a discernir onde está a verdade – e se ela deve influenciar-lhe o voto, domingo próximo, quando estiver consultando apenas a sua consciência.”
Marina Amaral procurou o atual diretor de jornalismo da Rede Globo, sendo informada pela secretária que ele só responde perguntas por escrito. Assim foi feito, seguiram quatro perguntas: 1. se havia chegado ao jornal O Globo, por ocasião das eleições de 1994, a informação de que grandes veículos estavam preparando matéria sobre o filho gerado de um romance entre Fernando Henrique Cardoso e Miriam Dutra; 2. se o jornal discutiu o assunto; 3. se cogitou de também preparar uma matéria a respeito; 4. e se o editorial “O direito de saber” havia sido escrito por ele, Evandro Carlos de Andrade.
A resposta veio no dia seguinte, por fax, manuscrita e assinada:
“1. Não chegou ao meu conhecimento. As perguntas 2 e 3 estão prejudicadas.
“4. Não me recordo – provavelmente não fui eu o autor, uma vez que escrevi poucos editoriais durante minha permanência no Globo.”
No mesmo dia, 20 de março último, Marina Amaral procurou, por telefone, outro diretor de redação, Otávio Frias Filho, da Folha de S. Paulo. Depois de explicar em detalhes a origem da reportagem – do artigo de Palmério Dória à foto interditada –, Marina perguntou a Otávio se a Folha cogitara fazer a matéria em 1994. Resposta:
“– Vou ter muita dificuldade em responder a contento porque a Folha considera que esse não é um assunto de interesse público, é um assunto de ordem afetiva, e a Folha não publica assuntos de ordem afetiva enquanto pelo menos uma das partes interessadas não se manifestar. Essa moça não se manifestou.
“– Mas e o caso da namorada do Pitta, que vocês publicaram recentemente? Havia interesse público?
“– A Folha não publica assuntos de ordem afetiva enquanto uma das partes não toma alguma providência jurídica ou não se manifesta publicamente, quando consideramos que o assunto não tem interesse jornalístico. No caso dessa moça que você está citando, não lembro o nome dela...
“– Marlene Beteguelli, a secretária. E a Marina de Sabrit, que vocês também publicaram, com ela desmentindo...
“– Pois é. Houve insinuações, mas não publicamos nada até que ela própria deu uma entrevista ao Jornal do Brasil, se deixou fotografar.
“– Mas a notícia do filho do Fernando Henrique chegou à redação da Folha? Vocês pensaram em investigar, em procurar os dois?
“– Havia fofocas de redação que circulam há muito tempo, mas não tivemos condições de investigar porque não tínhamos nem condições de afirmar se essas histórias eram verdadeiras.
“– Posso dizer que a história do filho é verdadeira pelas investigações que fizemos. Inclusive falamos com a moça, que nos aconselhou a procurar a pessoa pública dessa história.
“– Se você está me dizendo que é verdade, acredito, porque não tenho motivo para duvidar de você.
“– Independentemente desse fato, você acha que a mídia tem tratado o presidente Fernando Henrique Cardoso com, digamos, condescendência?
“– Independentemente disso? Sim.
“– De que forma se manifesta essa condescendência?
“– Acho que a mídia tem sido de todas as formas condescendente. Quando um presidente tem taxas de popularidade altas, a mídia acaba refletindo essa tendência. Foi assim com o presidente Sarney, com o Collor no primeiro ano de mandato, vem sendo assim com o Fernando Henrique pelo menos até o segundo semestre do ano passado quando suas taxas de popularidade caíram.
“– A Folha acompanhou essa tendência?
“– A Folha, salvo melhor juízo em contrário, tem se mantido numa posição mais autônoma, mais inquisitiva, mais incômoda mesmo. A Folha tem uma série de colunistas que manifestam uma posição contrária a essa simpatia da mídia. Essa simpatia é clara, tanto que ele próprio (o presidente) fez uma boutade no episódio dos grampos do BNDES dizendo que a mídia estava até exagerando no apoio. Agora, com relação a esse episódio desse suposto envolvimento de ordem afetiva, não é nossa política investigar. Isso envolve outros casos, há diversos precedentes, mas não consideramos esse um assunto jornalístico, de interesse público. É isso.”
Marina Amaral transcreveu o diálogo telefônico e enviou-o a Otávio, como pedira o jornalista. E acrescentou novas perguntas, que foram respondidas via e-mail pelo diretor de redação da Folha:
“1. A Folha foi procurada pelo presidente ou por algum de seus assessores com o pedido de não dar ouvido a boatos a respeito do filho com a jornalista Miriam Dutra?
“ Não.
“2. A Folha foi convidada a participar, juntamente com outros grandes veículos, de uma reunião com o presidente durante a campanha eleitoral de 1994?
“ Não. Embora tenha havido vários encontros jornalísticos entre representantes do jornal e o então candidato, alguns deles, possivelmente, com a participação de jornalistas de outros veículos.
“3. A Folha sofreu alguma pressão no governo FHC em função de sua posição de independência?
“Não, exceto queixas e reclamações, aliás freqüentes, de auxiliares do presidente, mas sempre dentro dos limites do que me parece legítimo numa democracia.”
Nesse mesmo e-mail em que dá resposta às perguntas complementares de Marina, Otávio comenta a transcrição do telefonema:
“A transcrição me parece ok, exceto pelo fato de que o discurso oral, quando transposto para o texto, sempre parece truncado e repetitivo. Imagino que você fará um copy para eliminar ou reduzir essa dissonância.
“Dois detalhes: há uma resposta em que eu digo que ‘Havia fofocas de redação que circulam há muito tempo, mas não tivemos condições de investigar porque não tínhamos nem condições de afirmar se essas histórias eram verdadeiras’. Devo ter me expressado mal. Quis dizer que não investigamos por não vermos legitimidade na pauta, conforme dito anteriormente. E que não sabemos sequer se esses fatos são verdadeiros. O porque não tem sentido na frase.
“Outro detalhe: Sarney desfrutou de grande popularidade enquanto durou o Plano Cruzado.
“É isso. Um abraço.”
Mylton Severiano também está empenhado na coleta de depoimentos. Marca uma conversa com Mino Carta na redação da Carta Capital, revista da qual Mino é o diretor. Começa com a mesma pergunta feita a todos: por que falam do filho deste e daquele, menos do filho de FHC com Miriam Dutra. Mino faz uma colocação e lembra de um episódio:
“A questão é pertinente. Eu saí da IstoÉ em agosto de 1993. Dois anos antes, o Fernando Henrique me liga na redação: ‘Olha, Mino, está correndo uma história cabeluda, que enxovalha a mim e a minha família, por favor, se isso chegar aí, não dá nada, não publica, não’. Eu disse ‘tá bom’, que esse tipo de coisa não me interessava mesmo. Eu nem sabia o que era.”
E conta a Mylton Severiano que perguntou ao pessoal da redação de IstoÉ: “Mas que história é essa que o Fernando Henrique me liga pra pedir que não publique?” E lhe disseram que vários jornalistas da IstoÉ tinham visto “os dois” no Piantella, nesses restaurantes de Brasília, às vezes em turma, às vezes a sós. E acrescenta:
“Eu, pessoalmente, Mino jornalista, tenho receio de tocar nesses assuntos. Mas, em relação a Pelé, Lula... Jesus Cristo, é legítimo, é pertinente propor a questão. Pelo fato em si. O caso do Lula era diferente. Estava viúvo, solteiro. E o Fernando Henrique é casado.” Mylton cita o editorial do Globo sobre o direito de saber. Mino diz:
“Uma das obrigações da mídia é fiscalizar o poder, inclusive a vida privada, particular. O perfil: tantos anos, é homossexual; se é grosseiro, quero saber. Se espancou a mulher, quero saber. Se dá em cima de mulher fora do casamento, quero saber. Agora, eu, como repórter, não me sinto bem com esse tipo de assunto.”
Mylton pede que Mino explique melhor por que disse ser pertinente a questão que estamos levantando. Resposta:
“Sim, história do filho do Fernando Henrique você pode até perguntar se é verdade. Mas, sendo verdade, é pertinente querer saber por que não publicam. Como foi possível levantar aquela do Lula? Aquilo foi terrível. Completamente diferente. Ele estava solteiro, viúvo. Saía com a moça e, naturalmente, quando um homem sai com uma mulher, acabam fazendo o que todos sabemos. Ele não queria o filho. Foi uma desgraça. Agora, por que Lula e não Fernando Henrique? Por que Pelé e não Fernando Henrique? Existe? Então, por que não falar? Se é figura pública e dá em cima das mulheres, não sabe se portar. Vai envergonhar o país mais cedo ou mais tarde, se se torna figura representativa do país dele. Eu não estou falando dele, estou falando de qualquer um.”
Mylton lhe diz:
“Mas isto se aplica a ele, depois de tudo o que apuramos e todo mundo sabe.”
“Então...”, falou Mino, rindo irônico.
Depois de falar com Mino Carta, Mylton Severiano ia telefonar para outros dois jornalistas de publicações importantes. Conversas velozes. Primeiro com Celso Kinjô, editor-chefe do Jornal da Tarde, do qual Mino foi o fundador. Celso lhe disse que nunca pensaram em fazer matéria no JT. A posição da “casa” é não tocar em assuntos pessoais. Uma ocasião, um repórter levou uma foto do filho de Orestes Quércia e ela ficou na gaveta. A “casa” é escrupulosa em relação a esse tipo de assunto, não está escrito, mas nem merece tratamento editorial. Disse também não lembrar qual foi o tratamento da “casa” com relação a Miriam Cordeiro, em 1989.
Depois, com Marcelo Pontes, alto escalão no Jornal do Brasil em 1994, fazia o Informe JB. Trabalha hoje no gabinete do Ministério da Fazenda. Mylton conta:
“– Foi perceptível ao telefone seu desconforto quando anunciei o assunto. Eu havia dito à secretária que falava em nome da Caros Amigos. Mas atendeu logo. Ficou repetindo: ‘94, 94, 94, que que eu fazia no JB? 94, 94, 94...’. Lembrou-se então de que fazia o Informe. Mas o jornal fez matéria?
– Mas eu não posso falar pelo jornal. Ouvi boatos – boatos, estou dizendo –, não tinha nenhuma prova. Nem considerei que esse assunto de vida pessoal fosse publicável.
“– Mas nós sabemos que outras publicações foram atrás.
“– Ah, me parece que o JB publicou algo, sim, feito pelo Maklouf. Tá bom? (louco para se livrar de mim)
“Agradeci, um abraço, desliguei.”
Na penúltima semana de março, Palmério Dória foi ao Rio de Janeiro, tratar de outros assuntos profissionais com um grupo de jornalistas, do qual faz parte um colunista muito importante da imprensa carioca. Era uma sexta-feira, “dia do chamado ‘pescoção’ nos jornalões, quando os colunistas caçam notas a grito”. O colunista queria saber de Palmério se Miriam Dutra “abriu ou não abriu” (sobre a paternidade do menino), dizendo, depois de uma longa conversa, que ia dar uma nota em sua coluna no final de semana. Voltou a ligar mais tarde, perguntando quantos anos a Caros Amigos ia fazer. Palmério procurou no jornal do sábado, do domingo e da segunda. Nada. Na tarde da própria segunda encontraram-se em mais uma reunião do grupo, à qual o colunista chegou dizendo, na frente de dois outros jornalistas: “Em dez anos de coluna, nunca passei por uma situação como essa!” E contou que alguém do alto escalão do jornal chegou a ele com a nota na mão e disse que ela só poderia sair com autorização do primeiro homem da empresa.
Faltavam poucos nomes para completar a lista de depoimentos de jornalistas, antes de Marina Amaral solicitar a audiência com a “pessoa pública”, com o que encerraríamos a reportagem.
Faltava falar com quem em 1994 dirigia o Diário Popular, de São Paulo, Miranda Jordão; com Ricardo Noblat, do Correio Braziliense; e com o chefe da sucursal da Folha de S. Paulo em Brasília, Josias de Souza.
Mylton Severiano liga para Miranda Jordão, hoje no jornal O Dia, Rio de Janeiro. O diálogo:
“– Alô.
“– (Me identifico como da Caros Amigos, tudo bem? Tudo bem.) Estou trabalhando numa matéria sobre o filho do Fernando Henrique com a Miriam Dutra...
“– Filho o quê?
“– O Tomás Schmidt, filho do Fernando Henrique e da nossa colega Miriam Dutra.
“– Não estou sabendo de nada.
“– Bem, nós temos a informação de que o Diário Popular, em 1994, você estava lá, teria feito ou tentou fazer a matéria, através do Cláudio Humberto.
“– Nunca. Não tínhamos relação alguma com o Cláudio Humberto.
“– Bem, pode ser uma informação furada, mas você sabe da história, não?
“– Não, nunca soube de nada. (cortante)
“– Que interessante. Bom, se você nunca soube, está bem. Muito obrigado.”
Marina Amaral vai a Brasília, já telefonara de São Paulo cinco dias antes à procura de Ana Tavares, assessora da presidência da República. Tinha sido atendida por um dos membros da assessoria, Geraldo Moura. Sem adiantar o assunto, Marina disse que queria marcar uma entrevista com Ana. Geraldo se mostrou surpreso: “Entrevista com ela?” Mas respondeu que provavelmente não haveria problema e que daria um retorno. Não deu. Assim que chegou em Brasília, no dia 22 de março, Marina localizou o cartório – o Marcelo Ribas, no Edifício Venâncio 2000 – em que fora registrado Tomás. Tinha o nome completo do menino, da mãe e a data e horário do nascimento, que a própria Miriam Dutra dera a João Rocha em Barcelona. Tirou a cópia, que é um documento público, pagando por ela 1,90 real.
Por telefone, depois entrevistou Josias de Souza, diretor da sucursal da Folha em Brasília.
“– Na matéria que estamos fazendo, percebemos que há um tabu referente ao assunto do filho do presidente Fernando Henrique com a jornalista Miriam Dutra. Argumenta-se que o assunto é privado, que não tem interesse jornalístico. Me chamou a atenção que você e o Gilberto Dimenstein tenham tratado disso no livro que escreveram sobre a campanha de 1994 (A História Real - Trama de uma Sucessão, editora Ática-Folha de S. Paulo). O assunto tem interesse jornalístico?
“– Abordei esse assunto em ocasiões em que me pareceu claro o interesse jornalístico. Uma vez foi na própria Folha, na coluna da página 2, durante a campanha eleitoral de 1998. O PDT havia explorado o fato de forma eleitoreira no site do partido. Aquilo me pareceu jogo sujo de campanha. Fiz, então, uma analogia com outros casos, envolvendo inclusive chefes de Estado, como o Mitterrand. Fiz uma comparação com a cultura jornalística brasileira, a meu ver mais evoluída nessa matéria. Nos Estados Unidos, por exemplo, qualquer bobagem sexual relacionada a presidentes e candidatos é supervalorizada pela mídia. Acho que esse tipo de assunto só deve ser abordado quando há relevância jornalística. Como no caso do PDT, que decerto tentou reeditar procedimento sujo utilizado antes por Collor, na disputa contra o Lula. No livro que escrevi com o Gilberto, o assunto veio à tona porque descobrimos que a dona Ruth Cardoso havia se isolado em Nova York pouco antes de Fernando Henrique decidir se seria ou não candidato à presidência. Um dos motivos que fizeram com que ela se isolasse foi o receio de que esse caso fosse explorado durante a campanha eleitoral. Entendemos que não havia por que evitar o assunto. Decidimos dar a ele o tratamento jornalístico que julgamos adequado.
“– Mas a Folha diz que não trata de assuntos de ordem privada...
“– Veja, a posição da Folha é que essas questões têm de ser tratadas à luz do interesse jornalístico. Um bom exemplo é o caso do namoro do Bernardo Cabral e da Zélia, dois ministros de Estado, em que um liberava verba para o outro, ou seja, é assunto de interesse público. A vida privada de um político tem relevância se de algum modo passar a interferir na sua atividade como homem público.
“– Mas e a filha do Maluf, as namoradas do Pitta?
“– Não há uma fórmula. Há uma linha geral, um princípio a ser observado. A publicação depende da análise de caso a caso. A filha do Lula foi transformada em assunto jornalístico pelo Collor. O tema dos supostos relacionamentos extraconjugais do Pitta vieram à tona graças ao rompante de Nicéa.
“– No caso da Miriam Dutra, vocês investigaram, falaram com ela?
“– Falamos com várias pessoas que tinham relação com o fato. Para nós, era relevante checar a veracidade da história.
“– E vocês conseguiram apurar?
“– Isso foi apurado, sim.”
Marina só conseguiria falar com Ricardo Noblat, o último da lista, depois da volta a São Paulo. Por telefone.
“– Estamos fazendo uma reportagem sobre as relações da mídia com o presidente Fernando Henrique Cardoso...
“– Eu soube. É boa reportagem. Me diz uma coisa, a moça confirmou?
“– Nós falamos com ela e tentamos falar com o presidente. Você assumiu a direção do Correio em fevereiro de 1994?
“– É, fevereiro de 94.
“– E nunca ouviu falar de um filho de Fernando Henrique fora do casamento?
“– Eu ouvi esse assunto por aí. Depois fiquei sabendo que a Veja tinha ido conversar com o presidente e com a jornalista, apurado nas duas pontas, e que ambos negaram. Aí, como não tinha prova, não tinha por que apurar, tanto que a matéria da Veja não foi publicada. Se você tivesse uma outra prova, poderia ser. Em mesa de bar, jornalista comenta...
“– Você leu o livro publicado no final de 1994 pelos jornalistas Josias de Souza e Gilberto Dimenstein?
“– Confesso que não. Por quê? Ali conta?
“– Conta. Na parte em que comenta que dona Ruth se isolou em Nova York, lembra?
“– Acho que lembro, sim, o Fernando Henrique foi falar com ela. Mas conta mesmo? Não estou me fazendo de bobo, é que eu não sabia mesmo. Você falou com eles?
“– Falei com o Josias, ele confirma o que escreveu.
“– Confirma? E por que a Folha não publicou?
“– Porque considera assunto de vida privada. Você publicaria?
“– Mas eles falaram da filha do Maluf, das namoradas do Pitta... Aqui em Brasília, um jornal evita muito entrar na vida pessoal, a não ser que vire um fato supercomentado. A gente não publica nem fitas, aqui temos um código de ética muito rigoroso. Mesmo aquelas fitas grampeadas que todo mundo deu, a gente só deu depois de uns dias para explicar para o leitor ‘está ocorrendo uma crise por causa de umas fitas’... e diz o teor; nós nem publicamos aquelas transcrições que todo mundo publicou. Mas a Folha disse o quê?
“– Nada muito diferente do que você disse, assunto de vida privada. Você acha que o fato de um presidente ter um filho fora do casamento é um assunto jornalístico?
“– Mas aí você está fazendo uma afirmação que eu não posso comentar.
“– Não estou fazendo uma afirmação, estou fazendo uma pergunta.
“– Não, eu não posso responder isso em tese porque sei de que tese você está partindo. Não posso falar de um fato que eu não apurei, não que esteja duvidando de você, mas aí eu não posso.
“– Está bom, Noblat, muito obrigada.
“– Obrigado, eu. Boa noite.”
Marina não conseguira uma entrevista com Ana Tavares, muito menos uma audiência com o presidente. Eis o esperado mas curioso anticlímax da reportagem, narrado por ela:
“No dia 22 de março, já em Brasília, liguei novamente para Ana Tavares e novamente Geraldo Moura me atendeu. ‘Marina, fui eu que falei com você a outra vez. Você queria conversar com a Ana, né? Infelizmente não vai ser possível porque a agenda dela está uma loucura, ela nem tem vindo aqui, porque está preparando uma viagem do presidente.’ ‘Mas nem por telefone, dez minutinhos?’ ‘Não, está impossível mesmo. Mas você pode falar comigo, eu também faço parte da assessoria da presidência.’
“Explico então que estamos dando uma matéria que fala das relações do presidente Fernando Henrique com a mídia analisando o episódio do filho dele com a jornalista da Globo, Miriam Dutra, e acrescento que estou cumprindo minha obrigação como jornalista, já que a própria Miriam havia nos dito que procurássemos a pessoa pública dessa história. E explico: ‘É por isso que preferia falar com a Ana Tavares pessoalmente, é um assunto delicado’. Ele responde, efusivo: ‘Não, nem tem problema, essa história surge periodicamente desde 1983...’. Pondero que em 1983 o garoto nem tinha nascido. Ele corrige: ‘Não, 1993, desde que entrei aqui. Nós temos uma orientação sobre isso, mas nesse caso vou falar com o presidente e depois telefono para você’, diz, simpático.
“Uma hora depois ele me liga, o tom de voz completamente mudado. Bastante seco, diz: ‘Nós desconhecemos esse assunto’. Pergunto se essa é a resposta da assessoria ou do presidente. Ele: ‘Não se pode falar com o presidente sobre esses assuntos através da assessoria porque a assessoria só trata de assuntos institucionais da presidência’. Pergunto então com quem devo falar para que minha pergunta chegue ao presidente. A resposta: ‘Cabe a você, como repórter, encontrar uma maneira de falar com o presidente. Até logo’.”

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A invenção da crise

A invenção da crise
Marilena Chauí

Era o fim da tarde. Estava num hotel-fazenda com meus netos e resolvemos ver jogos do PAN-2007. Liguei a televisão e “caí” num canal que exibia um incêndio de imensas proporções enquanto a voz de um locutor dizia: “o governo matou 200 pessoas!”. Fiquei estarrecida e minha primeira reação foi típica de sul-americana dos anos 1960: “Meu Deus! É como o La Moneda e Allende! Lula deve estar cercado no Palácio do Planalto, há um golpe de Estado e já houve 200 mortes! Que vamos fazer?”. Mas enquanto meu pensamento tomava essa direção, a imagem na tela mudou. Apareceu um locutor que bradava: “Mais um crime do apagão aéreo! O avião da TAM não tinha condições para pousar em Congonhas porque a pista não está pronta e porque não há espaço para manobra! Mais um crime do governo!”. Só então compreendi que se tratava de um acidente aéreo e que o locutor responsabilizava o governo pelo acontecimento.
Fiquei ainda mais perplexa: como o locutor sabia qual a causa do acidente, se esta só é conhecida depois da abertura da caixa preta do avião? Enquanto me fazia esta pergunta e angustiada desejava saber o que havia ocorrido, pensando no desespero dos passageiros e de suas famílias, o locutor, por algum motivo, mudou a locução: surgiram expressões como “parece que”, “pode ser que”, “quando se souber o que aconteceu”. E eu me disse: mas se é assim, como ele pôde dizer, há alguns segundos, que o governo cometeu o crime de assassinar 200 pessoas?
Mudei de canal. E a situação se repetia em todos os canais: primeiro, a afirmação peremptória de que se tratava de mais um episódio da crise do apagão aéreo; a seguir, que se tratava de mais uma calamidade produzida pelo governo Lula; em seguida, que não se sabia se a causa do acidente havia sido a pista molhada ou uma falha do avião. Pessoas eram entrevistadas para dizer (of course) o que sentiam. Autoridades de todo tipo eram trazidas à tela para explicar porque Lula era responsável pelo acidente. ETC.
Mas de todo o aparato espetacular de exploração da tragédia e de absoluto silêncio sobre a empresa aérea, que conta em seu passivo com mais de 10 acidentes entre 1996 e 2007 (incluindo o que matou o próprio dono da empresa!), o que me deixou paralisada foi o instante inicial do “noticiário”, quando vi a primeira imagem e ouvi a primeira fala, isto é, a presença da guerra civil e do golpe de Estado. A desaparição da imagem do incêndio e a mudança das falas nos dias seguintes não alteraram minha primeira impressão: a grande mídia foi montando, primeiro, um cenário de guerra e, depois, de golpe de Estado. E, em certos casos, a atitude chega ao ridículo, estabelecendo relações entre o acidente da TAM, o governo Lula, Marx, Lênin e Stálin, mais o Muro de Berlim!!!

1) Que papel desempenhou a mídia brasileira – especialmente a televisão – na “crise aérea” ?
Meu relato já lhe dá uma idéia do que penso. O que mais impressiona é a velocidade com que a mídia determinou as causas do acidente, apontou responsáveis e definiu soluções urgentes e drásticas!
Mas acho que vale a pena lembrar o essencial: desde o governo FHC, há o projeto de privatizar a INFRAERO e o acidente da GOL, mais a atitude compreensível de auto-proteção assumida pelos controladores aéreos foi o estopim para iniciar uma campanha focalizando a incompetência governamental, de maneira a transformar numa verdade de fato e de direito a necessidade da privatização. É disso que se trata no plano dos interesses econômicos.
No plano político, a invenção da crise aérea simplesmente é mais um episódio do fato da mídia e certos setores oposicionistas não admitirem a legitimidade da reeleição de Lula, vista como ofensa pessoal à competência técnica e política da auto-denominada elite brasileira. É bom a gente não esquecer de uma afirmação paradigmática da mídia e desses setores oposicionistas no dia seguinte às eleições: “o povo votou contra a opinião pública”. Eu acho essa afirmação o mais perfeito auto-retrato da mídia brasileira!
Do ponto de vista da operação midiática propriamente dita, é interessante observar que a mídia:
a) não dá às greves dos funcionários do INSS a mesma relevância que recebem as ações dos controladores aéreos, embora os efeitos sobre as vidas humanas sejam muito mais graves no primeiro caso do que no segundo. Mas pobre trabalhador nasceu para sofrer e morrer, não é? Já a classe média e a elite... bem, é diferente, não? A dedicação quase religiosa da mídia com os atrasos de aviões chega a ser comovente...
b) noticiou o acidente da TAM dando explicações como se fossem favas contadas sobre as causas do acontecimento antes que qualquer informação segura pudesse ser transmitida à população. Primeiro, atribuiu o acidente à pista de Congonhas e à Infraero; depois aos excessos da malha aérea, responsabilizando a ANAC; em seguida, depois de haver deixado bem marcada a responsabilidade do governo, levantou suspeitas sobre o piloto (novato, desconhecia o AIRBUS, errou na velocidade de pouso, etc.); passou como gato sobre brasas acerca da responsabilidade da TAM; fez afirmações sobre a extensão da pista principal de Congonhas como insuficiente, deixando de lado, por exemplo, que a de Santos Dumont e Pampulha são menos extensas;
c) estabeleceu ligações entre o acidente da GOL e o da TAM e de ambos com a posição dos controladores aéreos, da ANAC e da INFRAERO, levando a população a identificar fatos diferentes e sem ligação entre si, criando o sentimento de pânico, insegurança, cólera e indignação contra o governo Lula. Esses sentimentos foram aumentados com a foto de Marco Aurélio Garcia e a repetição descontextualizada de frases de Guido Mântega, Marta Suplicy e Lula;
d) definiu uma cronologia para a crise aérea dando-lhe um começo no acidente da GOL, quando se sabe que há mais de 15 anos o setor aéreo vem tendo problemas variados; em suma, produziu uma cronologia que faz coincidir os problemas do setor e o governo Lula;
e) vem deixando em silêncio a péssima atuação da TAM, que conta em seu passivo com mais de 10 acidentes, desde 1996, três deles ocorridos em Congonhas e um deles em Paris – e não dá para dizer que as condições áreas da França são inadequadas! A supervisão dos aparelhos é feita em menos de 15 minutos; defeitos são considerados sem gravidade e a decolagem autorizada, resultando em retornos quase imediatos ao ponto de partida; os pilotos voam mais tempo do que o recomendado; a rotatividade da mão de obra é intensa; a carga excede o peso permitido (consta que o AIRBUS acidentado estava com excesso de combustível por haver enchido os tanques acima do recomendado porque o combustível é mais barato em Porto Alegre!); etc.
f) não dá (e sobretudo não deu nos primeiros dias) nenhuma atenção ao fato de que Congonhas, entre 1986 e 1994, só fazia ponte-aérea e, sem mais essa nem aquela, desde 1995 passou a fazer até operações internacionais. Por que será? Que aconteceu a partir de 1995?
g) não dá (e sobretudo não deu nos primeiros dias) nenhuma atenção ao fato de que, desde os anos 1980, a exploração imobiliária (ou o eterno poder das construtoras) verticalizou gigantesca e criminosamente Moema, Indianópolis, Campo Belo e Jabaquara. Quando Erundina foi prefeita, lembro-me da grande quantidade de edifícios projetados para esses bairros e cuja construção foi proibida ou embargada, mas que subiram aos céus sem problema a partir de 1993. Por que? Qual a responsabilidade da Prefeitura e da Câmara Municipal?

2) Como a sra. avalia a reação do Governo Lula à atuação da mídia nesse episódio ?
Fraca e decepcionante, como no caso do mensalão. Demorou para se manifestar. Quando o fez, se colocou na defensiva.
O que teria sido politicamente eficaz e adequado?
Já na primeira hora, entrar em rede nacional de rádio e televisão e expor à população o ocorrido, as providências tomadas e a necessidade de aguardar informações seguras.
Todos os dias, no chamado “horário nobre”, entrar em rede nacional de rádio e televisão, expondo as ações do dia não só no tocante ao acidente, mas também com relação às questões aéreas nacionais, além de apresentar novos fatos e novas informações, desmentindo informações incorretas e alertando a população sobre isso.
Mobilizar os parlamentares e o PT para uma ação nacional de informação, esclarecimento e refutação imediata de notícias incorretas.
3) Em “Leituras da Crise”, a sra. discute a tentativa do impeachment do Presidente na chamada “crise do mensalão”. Há sra. vê sinais de uma nova tentativa de impeachment ?
Sim. Como eu disse acima, a mídia e setores da oposição política ainda estão inconformados com a reeleição de Lula e farão durante o segundo mandato o que fizeram durante o primeiro, isto é, a tentativa contínua de um golpe de Estado. Tentaram desestabilizar o governo usando como arma as ações da Polícia Federal e do Ministério Público e, depois, com o caso Renan (aliás, o governador Requião foi o único que teve a presença de espírito e a coragem política para indagar porque não houve uma CPI contra o presidente FHC, cuja história privada, durante a presidência, se assemelhou muito à de Renan Calheiros). Como nenhuma das duas tentativas funcionou, esperou-se que a “crise aérea” fizesse o serviço. Como isso não vai acontecer, vamos ver qual vai ser a próxima tentativa, pois isso vai ser assim durante quatro anos.
4) No fim de “Simulacro e Poder” a sra. diz: “... essa ideologia opera com a figura do especialista. Os meios de comunicação não só se alimentam dessa figura, mas não cessam de instituí-la como sujeito da comunicação ...Ideologicamente ... o poder da comunicação de massa não é igual ou semelhante ao da antiga ideologia burguesa, que realizava uma inculcação de valores e idéias. Dizendo-nos o que devemos pensar, sentir, falar e fazer, (a comunicação de massa) afirma que nada sabemos e seu poder se realiza como intimidação social e cultural... O que torna possível essa intimidação e a eficácia da operação dos especialistas ... é ... a presença cotidiana ... em todas as esferas da nossa existência ... essa capacidade é a competência suprema, a forma máxima de poder: o de criar realidade. Esse poder é ainda maior (igualando-se ao divino) quando, graças a instrumentos técnico-cientificos, essa realidade é virtual ou a virtualidade é real...” Qual a relação entre esse trecho de “Simulacro e Poder” e o que se passa hoje ?
Antes de me referir à questão do virtual, gostaria de enfatizar a figura do especialista competente, isto é, daquele é supostamente portador de um saber que os demais não possuem e que lhe dá o direito e o poder de mandar, comandar, impor suas idéias e valores e dirigir as consciências e ações dos demais. Como vivemos na chamada “sociedade do conhecimento”, isto é, uma sociedade na qual a ciência e a técnica se tornaram forças produtivas do capital e na qual a posse de conhecimentos ou de informações determina a quantidade e extensão de poder, o especialista tem um poder de intimidação social porque aparece como aquele que possui o conhecimento verdadeiro, enquanto os demais são ignorantes e incompetentes. Do ponto de vista da democracia, essa situação exige o trabalho incessante dos movimentos sociais e populares para afirmar sua competência social e política, reivindicar e defender direitos que assegurem sua validade como cidadãos e como seres humanos, que não podem ser invalidados pela ideologia da competência tecno-científica. E é essa suposta competência que aparece com toda força na produção do virtual.
Em “Simulacro e poder” em me refiro ao virtual produzido pelos novos meios tecnológicos de informação e comunicação, que substituem o espaço e o tempo reais – isto é, da percepção, da vivência individual e coletiva, da geografia e da história – por um espaço e um tempo reduzidos a um única dimensão; o espaço virtual só possui a dimensão do “aqui” (não há o distante e o próximo, o invisível, a diferença) e o tempo virtual só possui a dimensão do “agora” (não há o antes e o depois, o passado e o futuro, o escoamento e o fluxo temporais). Ora, as experiências de espaço e tempo são determinantes de noções como identidade e alteridade, subjetividade e objetividade, causalidade, necessidade, liberdade, finalidade, acaso, contingência, desejo, virtude, vício, etc. Isso significa que as categorias de que dispomos para pensar o mundo deixam de ser operantes quando passamos para o plano do virtual e este substitui a realidade por algo outro, ou uma “realidade” outra, produzida exclusivamente por meios tecnológicos. Como se trata da produção de uma “realidade”, trata-se de um ato de criação, que outrora as religiões atribuíam ao divino e a filosofia atribuía à natureza. Os meios de informação e comunicação julgam ter tomado o lugar dos deuses e da natureza e por isso são onipotentes – ou melhor, acreditam-se onipotentes. Penso que a mídia absorve esse aspecto metafísico das novas tecnologias, o transforma em ideologia e se coloca a si mesma como poder criador de realidade: o mundo é o que está na tela da televisão, do computador ou do celular. A “crise aérea” a partir da encenação espetacularizada da tragédia do acidente do avião da TAM é um caso exemplar de criação de “realidade”.
Mas essa onipotência da mídia tem sido contestada socialmente, politicamente e artisticamente: o que se passa hoje no Iraque, a revolta dos jovens franceses de origem africana e oriental, o fracasso do golpe contra Chavez, na Venezuela, a “crise do mensalão” e a “crise aérea”, no Brasil, um livro como “O caçador de pipas” ou um filme como “Filhos da Esperança” são bons exemplos da contestação dessa onipotência midiática fundada na tecnologia do virtual.


Pedi à professora Marilena Chauí para responder a essas três perguntas para usar no curso sobre “Telejornalismo” que dou, no momento, na Casa do Saber, em São Paulo. (http://www.casadosaber.com.br/)
Esse texto entra no ar, aqui no iG, no Conversa Afiada, ao mesmo tempo em que os alunos do curso recebem uma cópia.
Os livros citados são: “Leituras da Crise”- “Diálogos sobre o PT, a Democracia Brasileira e o Socialismo”, Editora Fundação Perseu Abramo, São Paulo, 2006, com entrevistas também de Leonardo Boff, João Pedro Stedile e Wanderley Guilherme dos Santos; e “Simulacro e Poder” – Uma Análise da Mídia” – Marilena Chauí, Editora Fundação Perseu Abramo, São Paulo, 2006. (PHA)

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Alguns casos escabrosos da TV Globo

Por Altamiro Borges - Revista Fórum [Quinta-Feira, 27 de Setembro de 2007 às 09:03hs]

Como aponta o autor na abertura do ensaio, o que distingue a TV Globo de outras redes privadas e comerciais é que, “sob o comando de Roberto Marinho, ao longo dos anos da ditadura militar, ela se transformaria em uma das maiores, mais lucrativas e mais poderosas redes de televisão do planeta. Outorgada durante o governo de Juscelino Kubitschek (1958) e inaugurada em 1965, a TV Globo do Rio de Janeiro, junto às suas outras concessões de televisão, viria a constituir uma rede nacional de emissoras próprias e afiliadas que, não só por sua centralidade na construção das representações sociais dominantes, mas pelo grau de interferência direta que passou a exercer, foi ator decisivo em vários momentos da história política do Brasil nas últimas décadas”.
“Sim, eu uso o poder [da TV Globo], mas eu sempre faço isso patrioticamente, tentando corrigir as coisas, buscando os melhores caminhos para o país e seus estados”, dizia Roberto Marinho.


A fraude contra Brizola O primeiro caso lembrado por Venício de Lima ocorreu em 1982, já na fase de agonia do regime militar. Leonel Brizola, que retornou do seu longo exílio em 1979, candidatou-se ao governo do Rio de Janeiro. Sua candidatura não agradou à ditadura nem à direção da TV Globo – conforme denunciou um ex-executivo da empresa, Homero Sanchez. Segundo ele, Roberto Irineu Marinho, filho do dono e um dos quatro homens fortes da corporação, havia assumido compromisso com o candidato do regime, Moreira Franco. Foi montado um esquema para fraudar a contagem dos votos através da empresa Proconsult, cujo programador era um oficial da reversa do Exército. Nesta trama, a TV Globo ficou com o encargo de manipular a divulgação da apuração. Mas, já prevendo a fraude, foi montado um esquema paralelo de apuração, organizado por uma empresa rival, o Jornal do Brasil. A armação criminosa foi desmascarada, Leonel Brizola foi eleito governador e a poderosa Rede Globo ficou desmoralizada na sociedade. Até o jornal Folha de S.Paulo criticou “esta grave e inédita” maracutaia. “O verdadeiro fiasco em que se envolveu a Rede Globo de Televisão durante a fase inicial das apurações no Rio de Janeiro torna ainda mais presentes as inquietações quanto ao papel da chamada mídia eletrônica no Brasil”, alertou.
Passadas as eleições, mesmo desmoralizada, a Globo continuou a fazer campanha feroz contra o governador Leonel Brizola, democraticamente eleito pelo povo. Ela procurou vender a imagem de que ele era culpado pelo aumento da criminalidade e, sem provas, tentou associá-lo ao mundo do crime. Numa entrevista ao jornal The New York Times, em 1987, o próprio Roberto Marinho confessou essa ilegal manipulação. “Em determinado momento, me convenci de que o Sr. Leonel Brizola era um mau governador. Ele transformou a cidade maravilhosa que é o Rio de Janeiro numa cidade de mendigos e vendedores ambulantes. Passei a considerar o Sr. Brizola daninho e perigoso e lutei contra ele. Realmente, usei todas as possibilidades para derrotá-lo”.


Sabotagem das Diretas-Já
Em 1983, com a ditadura já cambaleante, cresceu a rejeição dos brasileiros contra a excrescência do Colégio Eleitoral, que escolhia de forma indireta e autoritária o presidente da República. O jovem deputado federal Dante de Oliveira apresentou uma emenda constitucional fixando a eleição direta a partir de 1985. Os militares reagiram. “A campanha pela eleição direta reveste-se, agora, de caráter meramente perturbador”, esbravejou o presidente-general João Batista Figueiredo. Apesar desta reação aterrorizante, milhões de pessoas começaram a sair às ruas para exigir o democrático direito de votar, na campanha que ficou conhecida como das Diretas-Já.
A TV Globo, totalmente ligada à ditadura, simplesmente ignorou as gigantescas manifestações. Chegou a rejeitar matéria paga sobre o protesto das Diretas-Já em Curitiba. Até duas semanas antes da votação da Emenda Dante Oliveira ela não divulgou nenhum dos eventos da campanha, que reunia centenas de milhares de brasileiros. No comício de São Paulo, em 25 de janeiro de 1984, ela só aceitou noticiar o ato, que juntou 300 mil pessoas, após conversa reservada entre o presidente do PMDB, Ulysses Guimarães, e o chefão Roberto Marinho. Mesmo assim, registrou o comício de maneira distorcida, como se fosse parte da comemoração do aniversário da cidade.
Somente quando percebeu o forte desgaste na sociedade, com os manifestantes aos gritos de “o povo não é bobo, fora Rede Globo”, a emissora começou a tratar da campanha – já na reta final da votação da emenda, em 25 de abril. Novamente, Roberto Marinho confessou seu crime numa entrevista. “Achamos que os comícios pró-diretas poderiam representar um fator de inquietação nacional e, por isso, realizamos apenas reportagens regionais. Mas a paixão popular foi tamanha que resolvemos tratar o assunto em rede nacional”. O “Deus Todo-Poderoso” foi obrigado a ceder.


O ministro da TV Globo Venício de Lima também relata o curioso episódio da nomeação do ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega, em 1988, o que confirma o poder da Rede Globo para indicar e derrubar autoridades e interferir, de maneira indevida e inconstitucional, nos rumos do Brasil. Numa entrevista à revista Playboy, Maílson descreveu que a sua indicação foi fruto de uma negociação entre Roberto Marinho e o presidente da República José Sarney – que, por acaso, já controlava a mídia no Maranhão, possuindo uma afiliada da TV Globo no estado. Ainda como secretário do governo, num cargo subalterno, Maílson da Nóbrega recebeu um telefone emblemático.
“No dia 5 de janeiro, o presidente me ligou perguntando: ‘O senhor teria problemas em trocar umas idéias com o Roberto Marinho?’. Respondi: ‘De jeito nenhum, sou um admirador dele e até gostaria de ter essa oportunidade’... A Globo tinha um escritório em Brasília. Fui lá e fiquei mais de duas horas com o doutor Roberto Marinho. Ele me perguntou sobre tudo, parecia que estava sendo sabatinado. Terminada a conversa, falou: ‘Gostei muito, estou impressionado’. De volta ao ministério, entro no gabinete e aparece a secretária: ‘Parabéns, o senhor é o ministro da Fazenda’. Perguntei: ‘Como assim?’. E ela: ‘Deu no plantão da Globo [no Jornal Nacional]”.
Da mesma forma como indicou, o poderoso Marinho também derrubou o ministro, segundo sua interpretação. “Um belo dia, o jornal O Globo me demitiu. Deu na manchete: ‘Inflação derruba Maílson, o interino que durou vinte meses”, descreve o ex-ministro, que arremata. “Isso teve origem num projeto de exportação de casas pré-fabricadas, para pagamento com títulos da dívida externa, que o Ministério da Fazenda vetou. O doutor Roberto Marinho tinha participação neste negócio... O fato é que O Globo começou a fazer editoriais contra o Ministério da Fazenda”.


Lista extensa de crimes
No livro Roberto Marinho, escrito pelo bajulador Pedro Bial, alguns entrevistados, inclusive o ex-presidente José Sarney, afirmam que era comum o dono da TV Globo ser consultado sobre a escolha de ministros. Pedro Bial, como fiel servidor da emissora, considera “natural que, na hora de escolher seus ministros, o presidente [Tancredo Neves] submeta os seus nomes, um a um, ao dono da Globo”. No recente livro “Sobre formigas e a cigarras”, o ex-ministro Antonio Palocci também relata que consultou a direção da empresa sobre a famosa Carta aos brasileiros, de 2002, na qual o candidato Lula se comprometia a não romper os contratos com as corporações capitalistas.
Na prática, este império interfere ativamente na vida política nacional, seja através de coberturas manipuladas ou de negociadas de bastidores – nas quais ameaça com o seu poder de “persuasão”. Além dos três casos escabrosos, Venício de Lima cita outras ingerências indevidas da TV Globo: “papel de legitimadora do regime militar”; “autocensura interna na cobertura da primeira greve de petroleiros, em 1983”; “ação coordenada na Constituinte de 1987/1988”; “apoio a Fernando Collor de Mello, expresso, sobretudo, na reedição do último debate entre candidatos no segundo turno de 1989”; “apoio à eleição e reeleição de FHC”; “até seu papel de ‘fiel da balança’ na crise política de 2005-2006”, contra o presidente Lula. A lista é bem extensa.

Altamiro Borges


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O aqüifero Guarani

Por Leonardo Boff - Revista Fórum [Terça-Feira, 30 de Outubro de 2007 às 15:01hs]

A água potável é uma das preocupações maiores da humanidade, pois somente 0,7% dela é acessível ao uso humano. Um bilhão de pessoas tem água insuficiente e dois e meio bilhões não dispõem de saneamento básico. Como na fase planetária da humanidade não há um contrato social mundial que confira caráter civilizado às relações entre os povos, são muitos os que postulam criar tal pacto ao redor daquilo que absolutamente interessa a todos: a água potável.

O Brasil comparece como a potência mundial das águas, pois aqui está 13,8% de toda água doce do planeta. E ainda dispomos junto com a Argentina, o Uruguai e o Paraguai do maior aqüifero do mundo (águas subterrâneas), o Aqüifero Guarani. Possui um volume maior que toda a água contida nos rios e lagos da Terra. Para o interesse dos leitores oferecemos dados de três especialistas do Paraná em sua minuciosa pesquisa "Aqüifero Guarani" (2004), de Nadia Rita, José Roberto Borghetti e Ernani Francisco da Rosa Filho.

Antes de mais nada cabe dizer que não se trata de um lago subterrâneo, mas de uma cadeia imensa de aproximadamente 1,2 milhões de km quadrados de rochas arenosas, saturadas de água que ficam, em média, entre 70 a 800 metros abaixo do solo, perpassando 8 estados (70,2% da área do aqüifero): Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. A área total do aqüifero é de 1.195.500 km quadrados, superior à soma da França, Espanha e Inglaterra juntas.

Seu surgimento geológico é muito curioso. O aqüifero está assentado sobre um deserto pre-histórico, da era mesozóica (há uns 200 milhões de anos), sobre o qual os ventos formaram extensos campos de dunas. No período do cretácio (há cerca de 125 milhões de anos) houve formidáveis irrupções vulcânicas que recobriram de lava toda aquela região arenosa. Surgiu aquilo que hoje se chama Formação Serra Geral. A lava solidificada estancou a areia de alta porosidade permitindo grande acúmulo de água, cerca de 48.000 km cúbicos (48 quatrilhões de litros). O potencial de extração, sem riscos para o aqüifero, é da ordem de 40 km cúbicos anuais (cerca de 40 trilhões de litros). O aqüifero não é contínuo. Em vários lugares como no Paraná está completamente compartimentado, havendo uma espécie de diques verticais basálticos que isolam as águas, armazenando-as por até 30.000 anos.

Há três tipos de águas no sistema Guarani, tipicamente água doce com total mineralização, água salobra e água alcalina. O uso principal das águas no Brasil é para abastecimento da população (70%), para uso industrial (25%) e para turismo hidrotermal (5%). Isso é feito lá onde ele aflora ou então por poços cuja profundidade varia de 300 a 800 até 1.795 metros de profundidade conforme as regiões com vazões da ordem de 75 e 520 metros cúbicos por hora.

Os estudos têm revelado que as águas do Aqüifero Guarani estão ainda livres de contaminação. Mas em regiões de recarga, especialmente de intensiva atividade agroindustrial como em Ribeirão Preto, Araraquara e Piracicaba a vulnerabilidade é maior em razão dos pesticidas.

Como o aqüifero envolve quatro paises, estão se formulando políticas comuns no sentido de preservar este bem natural e imprescindível e torná-lo disponível não só para nós mas também para a humanidade sedenta e faminta.

Leonardo Boff


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Prefeito de São Paulo quer Windows em telecentros - Revista Fórum

Por Redação - Revista Fórum [Terça-Feira, 30 de Outubro de 2007 às 09:15hs]

Sem muito alarde, há duas semanas, a Prefeitura e a Microsoft assinaram um protocolo de intenções que prevê a instalação do sistema operacional Windows Vista nos PCs dos 178 atuais pontos do município de São Paulo de acesso à internet, além dos 122 que devem ser inaugurados até 2008. Até agora, os micros só usavam programas de código aberto, que não exigem o pagamento de licenças.

Pelo acordo, confirmado ao Link pela Prefeitura e pela Microsoft, o Windows Vista seria doado aos telecentros, sem custos. Entretanto, o município arcaria com a atualização dos equipamentos, já que o Vista exige computadores com configuração mais 'robusta'. Segundo estimativa do Link com dados da Prefeitura, seria preciso um investimento de R$ 717,5 mil, o mesmo que serviria para a compra de micros e servidores para 35 telecentros.

A polêmica começa aí. Segundo o sociólogo Sérgio Amadeu, responsável pela implementação dos telecentros na cidade, na gestão Marta Suplicy (PT), e um dos críticos do projeto, o valor seria melhor investido se colocado na ampliação dos telecentros ou na melhoria do serviço.

'Estão mexendo numa conquista, a independência, pois não é preciso pagar pelo software. No futuro, quando o Vista ficar obsoleto, o governo poderá ter de pagar pela atualização do Windows e, de novo, dos equipamentos', diz ele. 'Seria melhor gastar com treinamento de instrutores, para desenvolver atividades educativas.'

A principal justificativa da Prefeitura para o projeto é a inclusão de deficientes visuais. Segundo o coordenador de Inclusão Digital do município, Waldemar Ferreira Neto, os deficientes não se acostumam ao Linux. 'Não há softwares livres bons para eles.' Outro motivo, diz, é que, com o Linux, os jovens não se preparam para o mercado de trabalho. 'As empresas usam Windows. Vamos dar cursos.'

Segundo o coordenador da Prefeitura, o software livre não será abandonado. 'Vamos permitir ao usuário escolher se quer o Windows ou o Linux.' A Microsoft faz coro com a Prefeitura. 'Temos experiência na área de deficiência. E ter contato com os programas da Microsoft é importante para conseguir um emprego', diz o diretor de Investimentos Sociais da empresa, Rodolfo Fucher.

O acordo, segundo a Microsoft, prevê também a doação de licenças do pacote Office. Para a Prefeitura, entretanto, isso não está claro. 'O termo não diz isso explicitamente. Mas, se não for doado, cancelamos o projeto', diz Ferreira Neto.

Para poderem rodar o Vista, 60% dos servidores - que permitem aos 20 PCs de cadacentro funcionar - precisarão ser trocados por um modelo com 2 gigabytes (GB) de memória RAM. Hoje, a maioria tem 1 GB. O custo para o município: R$ 267,5 mil. Também será instalado um micro com Vista e com softwares para deficientes visuais em cada telecentro. O custo: R$ 450 mil. 'A verba já está prevista para 2008', diz Ferreira Neto.

(Com informaçãos do Estado de São Paulo)

Redação - Revista Fórum


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