terça-feira, 25 de novembro de 2008

Sobre os genocidas da Casa Branca - Três livros indispensáveis

::

Três livros indispensáveis

por Idelber Avelar

Sands, Philippe. Torture Team: Rumsfeld's memo and the betrayal of American values (Palgrave, 2008). Este é o livro que detalha como a institucionalização da tortura nos EUA sob Bush foi uma operação meticulosamente dirigida a partir do Ministério de Defesa de Donald Rumsfeld. Como uma espécie de cronista do mal absoluto, Philippe Sands reconstrói a trama dos memorandos, ordens executivas, substituições de pessoal. Vasculha cada reunião de gabinete em que Cheney / Rumsfeld se impuseram sobre Colin Powell. Documenta toda a programação da atrocidade nas mais altas esferas da administração americana, de novembro de 2001 (captura do detento 063 no Afeganistão) à saída de Rumsfeld, já nas ruínas da lambança, em dezembro de 2006. O recheio da história é o memorando escrito por Jim Haynes, advogado e conselheiro do Ministério de Defesa de Rumsfeld, propondo as novas “técnicas de interrogação.” Junto à assinatura de aprovação, o suplemento macabro, o mal na sua banalidade absoluta, a imagem que fornece a capa do livro de Sands: a anotação de Rumsfeld à mão, com a ordem, “defendo 8-10 horas por dia. Por que limitar o período em pé a 4 horas?”

É o argumento definitivo contra qualquer patacoada que se tente sugerir acerca do caráter supostamente fortuito ou ocasional da tortura em Guantánamo e no Iraque. Depois deste livro, não há como não reconhecer: a democracia mais antiga abriu o século desenhando um programa meticuloso e global de tortura, uma paulatina desmontagem de suas regras militares e de sua própria constituição realizada por uma trituradora metódica que tinha seu eixo na Vice-Presidência e no Ministério da Defesa, Cheney e Rumsfeld. A prosa de Sands é factual, pouco adjetivada. O livro é abundamente documentado com notas ao final. Li, confesso, só uns 80% das 250 páginas. Foi mais que o suficiente para confirmar que, em muitas interpretações razoáveis dos direitos humanos e do direito internacional, Cheney e Rumsfeld seriam passíveis de aprisionamento por crimes de guerra em qualquer viagem que façam em território não-americano. Se esta é uma hipótese possível ou provável, é outra história. Mas a documentação reunida por Sands é inequívoca. Sands é advogado e esteve envolvido com o trâmite de casos de tortura como os de Pinochet e os dos detentos britânicos de Guantánamo.

Bugliosi, Vincent. The prosecution of George W. Bush for murder (Vanguard, 2008). Aqui está o caso jurídico, apresentado bonitinho, mentira por mentira, falsificação por falsificação. Bugliosi, segundo as pautas do direito internacional, explica o porquê da imputabilidade a George W. Bush tanto de crimes de assassinato como de crimes de guerra. A fabricação de mentiras com o objetivo deliberado de provocar a invasão do Iraque – primeiro o inexistente vínculo Sadam / Al Qaeda, depois as inexistentes armas de destruição em massa – está documentada o suficiente, argumenta Bugliosi, para que o caso de assassinato pelas mortes no Iraque seja cristalino. Em 17/09/2003, Bush reconhece ante advogados que não havia “nenhuma evidência” de que Saddam Hussein estivesse envolvido nos ataques de 11/09/01. Em incontáveis ocasiões depois de setembro de 2003, Bush continuaria a mentir à população americana e sugerir o oposto do que ele mesmo havia admitido em resposta aos advogados. Ao longo do livro, demonstra-se que não foram as “falhas de inteligência” ou “inteligência incompleta ou contraditória” que levaram à desastrada invasão do Iraque. Tratou-se de um plano que já estava na gaveta desde os primeiros anos da administração Bush e que seria implementado não importa qual mentira ele exigisse. Apesar de também bastante documentado, o livro de Bugliosi é escrito numa lingugem mais pop, que traz aquela indignação do senso comum ante a revelação de cada absurdo. Se você tem um amigo com interesse em política e que ainda não está convencido de que este foi o pior pesadelo da história presidencial americana, o livro de Bugliosi é um ótimo presente.

Suskind, Ron. The way of the world. A story of truth and hope in the age of extremism (HarperCollins, 2008). De longe, o mais bem escrito dos três. Combina um exame minucioso da degeneração dos serviços de inteligência americanos – manipulados pela patota que se apoderou da Casa Branca – com o acompanhamento de alguns personagens: um estudante afegão, de intercâmbio, que vai levando sua família anfitriã, no Kansas, a enfrentar-se com os limites do seu próprio progressismo; um jovem de ascedência paquistanesa, formado nas melhores universidades americanas, que passa a viver um pesadelo depois do 11 de setembro; uma advogada abnegada que enfrenta uma montanha de burocracia para tentar rever o caso de um homem injustamente encarcerado em Guantánamo. Suskind vai intercalando essas histórias num relato que se lê como um romance. Mas o livro que não deixa nada a dever aos outros dois na documentação da atrocidade.

Serão três livros fundamentais para o amargo veredito que história reserva para o governo Bush.

Fonte: O Biscoito Fino e a Massa

::


Share/Save/Bookmark

Nenhum comentário: